Sessão Solene no Parlamento Holandês

Haia
29 de Outubro de 1997


Senhor Presidente,
Agradeço-lhe as suas palavras. Constitui para mim uma honra poder dirigir-me a Vossas Excelências, Presidentes das duas Câmaras dos Estados Gerais, e aos deputados membros das Comissões Permanentes das Relações Exteriores e dos Assuntos Europeus das duas Câmaras. Trata-se de uma alto privilégio concedido ao Presidente da República Portuguesa, que espelha o nosso estreito entendimento, o nosso comum empenho no fortalecimento constante da democracia participativa, o nosso compromisso na construção de uma Europa mais solidária e mais coesa, uma Europa de cidadãos baseada nos valores supremos da Democracia, da Justiça e da Paz.
Senhores deputados,
Não posso deixar de exprimir aqui um voto muito sincero de pesar pelo recente falecimento do Presidente da Comissão dos Negócios Estrangeiros da Câmara Baixa, Senhor Van Traa, membro ilustre desta Assembleia, destacada personalidade política dos Países Baixos e um verdadeiro amigo de Portugal. Em nome de todos quantos me acompanham desejo transmitir aos Estados Gerais a expressão da nossa solidariedade.
Para mim, antigo parlamentar, esta reunião assume uma especial importância e simbolismo. E é com particular emoção que me dirijo, nesta Casa, aos representantes da grande nação holandesa. Neste período marcado por tantas incertezas, em que ressurgem tendências anti-democráticas e a violência que sempre lhes está associada, há que constantemente valorizar o Parlamento enquanto sede intransponível da legitimidade democrática e do pluralismo político, instância indispensável e privilegiada para o debate das ideias e dos projectos que moldarão o futuro colectivo, em suma, única assembleia legítima para a expressão da vontade nacional.
Ao Parlamento holandês, depositário de uma tradição e de uma cultura democráticas multissecular, expressão livre de homens livres que livremente se conjugaram na edificação de um Estado, quero, neste momento, prestar uma sentida homenagem.
E que melhor maneira haverá de prestar esta homenagem do que associar-lhe os representantes de todos os partidos com assento no Parlamento português, que me acompanham no quadro desta visita que visa, antes de mais, reforçar os laços que nos unem, holandeses e portugueses, e o nosso comum empenhamento na construção europeia.
Estou certo que o convívio que vão manter, membros dos parlamentos holandês e português, contribuirá para este propósito e que, do vosso diálogo, da vossa troca de impressões e de ideias, sairemos todos enriquecidos, já que melhor será o conhecimento mútuo das nossas preocupações e dos nosso objectivos.
Senhores parlamentares,
Vivemos, como dizia, tempos de incerteza, de dúvida, uma encruzilhada em que, de algum modo, se joga o futuro da Europa.
O aprofundamento da democracia representativa constitui a melhor resposta aos profetas da desgraça, a via segura para ir ao encontro das aspirações legítimas das populações, a forma eficaz de fazer face aos arautos do autoritarismo e aos que exploram, em proveito próprio, os fenómenos de exclusão e de marginalização, a intolerância e o racismo.
Na aventura europeia em que nos encontramos comummente empenhados, os Parlamentos assumem um papel insubstituível, enquanto sedes da representação nacional. O grande desígnio europeu só será efectivamente possível se souber captar a imaginação e o idealismo das populações, mobilizar esforços e vontades, garantir a efectiva participação das instituições políticas e sociais.
Mas, para que assim seja, devemos entender-nos sobre que Europa desejamos, sabendo de antemão que não existe uma alternativa melhor, fora de um processo de integração que continue a garantir um espaço de liberdade, de progresso e de paz.
Queremos certamente uma Europa que seja uma associação livremente aceite de Estados soberanos, uma comunidade de iguais, baseada na solidariedade e na coesão económica e social, um projecto político participado, assente nos valores democráticos e humanistas que partilhamos.
Queremos uma Europa cujas fronteiras coincidam com as fronteiras da democracia, aberta ao exterior, com condições efectivas de acção internacional, intransigente na defesa dos direitos inalienáveis da pessoa humana, atenta às aspirações de quantos anseiam pela paz, pela justiça e pelo progresso.
Queremos uma Europa que continue a ser um espaço de paz e de progresso, visando a convergência efectiva das suas diversas economias, um projecto solidário, uma comunidade de cidadãos livres e iguais, uma comunidade de Direito e de direitos.
É este projecto, é esta Europa que queremos e que nos empenhamos em construir.
Nas encruzilhadas da História, portugueses e holandeses encontraram-se frequentemente; por vezes com propósitos antagónicos, radicados em divergências de interesses, por vezes unindo esforços na defesa de objectivos comuns, sobretudo quando se tratava de garantir a liberdade e a sobrevivência das nossas identidades nacionais respectivas.
Entre as cidades comerciantes das Províncias Unidas e Lisboa, estabeleceu-se um intercâmbio mutuamente profícuo que soube resistir às contingências; nas letras, no pensamento, nas artes, o fluxo das trocas constantes impôs-se aos desígnios políticos circunstanciais. Partilhamos, sobretudo, a aventura marítima, o desejo de conhecer outras gentes e outras terras, a atitude universalista, o enriquecimento humano resultante do contacto com outras civilizações e culturas.
Os Países Baixos foram sempre, para os portugueses, terra de tolerância e de liberdade, de debate de ideias, de assunção livre de responsabilidades, terra de refúgio face à injustiça e à iniquidade. Assim aconteceu durante a Inquisição, assim aconteceu durante o regime ditatorial imposto aos portugueses neste século. Trata-se de uma memória e de um reconhecimento que perduram entre nós.
O País que aqui represento é uma nação livre, que se reencontrou com a democracia, um Estado de Direito moderno, aberto ao progresso, membro por inteiro da União Europeia e da Aliança Atlântica, integralmente empenhado na construção de uma Europa mais forte e mais coesa, defensor intransigente da liberdade e do respeito pelos direitos inalienáveis da pesssoa humana.
É um país que soube, com coragem e determinação, romper o determinismo de uma economia fechada sobre si própria, abrir-se ao progresso e à modernidade.
Neste processo contamos, é certo, com a solidariedade dos nossos parceiros.
Mas a modernização da nossa economia não teria sido possível sem a congregação dos esforços e das criatividades dos portugueses, sem o seu empenho colectivo e sem os sacrifícios que lhes são inerentes.
A forma como os Países Baixos têm sabido fazer face aos desafios que a todos se nos colocam neste final de século, conciliando o desenvolvimento económico com a preservação dos aspectos essenciais de um modelo que garanta o bem estar social, é para nós uma fonte de inspiração e de confiança. Admiramos igualmente os esforços aqui desenvolvidos para combater os flagelos com que se debatem as nossas sociedades, a droga, o crime organizado, a marginalização e a exclusão sociais, o racismo e a xenofobia.
Por todas estas razões, estou certo que as trocas de informações e de experiências entre parlamentares holandeses e portugueses se revestem do maior interesse, contribuindo para aprofundar a sólida amizade que entre os nossos dois países existe, para abrir novos caminhos a uma estreita cooperação entre os nossos dois Parlamentos, explorando ideias e apontando pistas.
Terra de liberdade, terra de tolerância, dizia há pouco, os Países Baixos continuam a assumir um papel importante na defesa dos Direitos Humanos à escala mundial.
De facto, não podemos esquecer quantos - e infelizmente são muitos - sofrem a injustiça e a opressão. Para com todos eles temos um inegável dever de solidariedade. Não posso deixar de expressar aqui o reconhecimento dos portugueses pelo apoio humanitário concedido pelos Países Baixos ao povo de Timor Leste.
Os Países Baixos mantém relações muito particulares com a Indonésia, fruto de um passado histórico comum e de um conjunto de interesses recíprocos. Apreciámos devidamente a objectividade e o empenho com que o Governo holandês tratou esta questão durante a sua recente Presidência do Conselho da União Europeia.
Sabeis, Senhores parlamentares, que as negociações que têm lugar, sob os auspícios do Secretário-Geral das Nações Unidas sobre Timor Leste, atravessam uma fase particularmente importante. É necessário que todos conjuguem esforços no sentido de levar tais negociações a bom porto. É isso, apenas, o que pedimos à Comunidade Internacional e particularmente aos nossos parceiros e amigos: que utilizam a sua influência junto da Indonésia para que o Povo de Timor Leste possa exercer, livremente, os seus direitos.
Senhores parlamentares,
Nunca será por demais insistir na necessidade de aprofundamento de uma verdadeira cultura democrática, indissociável da cidadania, da aproximação dos governantes aos governados, da articulação eficaz entre os movimentos cívicos e das organizações de direitos e interesses com os poderes públicos democraticamente legitimados, do envolvimento activo das nossas mulheres e homens no projecto de sociedade moderna que defendemos, em suma, de uma democracia mais participada.
Nesta tarefa, os Parlamentos têm uma responsabilidade específica e indeclinável.
Agradeço-vos, muito sensibilizado, a vossa hospitalidade e o vosso interesse.