Sessão de Encerramento do Colóquio "A Moeda Única na Reinvenção da Europa"

Universidade de Coimbra
10 de Janeiro de 1998


A minha intervenção não vai evidentemente centrar-se nos aspectos económicos ou financeiros da União Económica e Monetária. Compete aos economistas discutir essa matéria, avaliar os respectivos custos e benefícios para o nosso País e propor as medidas mais adequadas para aproveitarmos da melhor forma as oportunidades que a nossa entrada no grupo do Euro nos vai certamente oferecer.
Mas a criação da União Económica e Monetária é muito mais do que a criação de uma zona de moeda única.. É um passo fundamental no caminho da união da Europa, em todas as suas componentes, caminho que, embora necessário está longe de ser um caminho fácil ou isento de obstáculos.
Todos conhecemos, com efeito, as grandes dificuldades que tem defrontado o avanço da integração política. São dificuldades que, evidentemente, não são em si mesmas surpreendentes.
Em primeiro lugar, porque são muitos séculos de cristalização de estados nacionais, dotados de soberania própria e prosseguindo interesses específicos que não são fáceis de compatibilizar neste mundo de novas interdependências. Num mundo em que, inevitavelmente as funções do estado nação têm de ser encaradas de outra forma que não aquela com que eram concebidos no século passado ou mesmo em grande parte do actual
Mas em segundo lugar, porque não é possível fazer tábua rasa da História e construir uma nova arquitectura política da Europa a regra e esquadro. É hoje quase consensual afirmar-se que o caminho da integração política da Europa passa por algo de novo que não será uma federação nos moldes clássicos mas que terá um mínimo de coerência política que harmonizando os poderes dos estados membros dará aos cidadãos europeus as garantias de um espaço político livre e solidário. Inevitavelmente, o nascimento de uma forma política nova arrasta consigo perplexidades e até por vezes alguma crispação.
Em terceiro o próprio processo de alargamento da União - que, aliás apoiamos - trará também ele novos dados que não facilitarão , no imediato, o funcionamento do sistema de decisão política a nível comunitário.
São conhecidos também os problemas com que a Europa se defronta a nível social. O desemprego e exclusão social continuam a manchar as sociedades europeias e não se vê no horizonte previsível uma solução rápida destas dificuldades.
Também é certo que, no combate ao desemprego e à exclusão se perdeu muito tempo, a nível dos órgãos comunitários de decisão, em declarações de intenção, sem dúvida de grande pertinência mas com um quase nulo conteúdo operacional. A cimeira do Luxemburgo abriu, no entanto, nesta matéria novas perspectivas que nos fazem encarar com mais confiança as possibilidades dos estados europeus avançarem efectivamente no combate ao desemprego e à exclusão social.
Conhecendo, pois as dificuldades que a Europa enfrenta sou dos que consideram que a realização da União Económica e Monetária será um poderoso estímulo e até talvez uma condição necessária para a resolução dessas dificuldades. É, por isso essencial que a União Económica e Monetária se construa de forma estável e tranquila.
Mas para que isso suceda a Europa não pode abandonar um dos seus princípios essenciais que é o do reforço da coesão económica e social. Princípio que, ao apontar para a aproximação dos níveis de vida entre as diversas regiões comunitárias deverá estar sempre presente em todas as políticas comunitárias.
Porque não tenhamos ilusões. Se a Europa não for capaz de ser solidária e se assistir impávida ao agravamento das desigualdades entre as suas regiões é todo o processo de integração europeia que está em causa e não seria a União Económica e Monetária que o iria salvar até porque nesse cenário esta união seria, ela própria altamente instável.
É por isso que as discussões actualmente em curso sobre a Agenda 2000 se revestem de uma crucial importância para o nosso país porque nelas se joga, além de outros aspectos, de grande relevância, o futuro da coesão económica e social na Europa. As negociações da Agenda 2000 são vitais para o nosso país e é por isso desejável que se forme um consenso tão amplo quanto possível sobre essa matéria.
Portugal não poderia pois ficar arredado desta grande movimentação europeia. E é isso que em primeiro lugar justifica que entremos no primeiro grupo de países da moeda única, depois de termos realizado um esforço de ajustamento que, embora com elevados custos pôs à prova, com êxito, a nossa capacidade de adaptação ao espaço europeu.
Mas a entrada neste grupo constituirá um novo desafio, diferente, mas não menos complexo que aquele que defrontámos na aproximação à moeda única.
Todos conhecemos, com efeito, as nossas insuficiências e em especial as relativas ao ensino e à formação. São deficiências e atrasos que vêm de há muito e que só desde há um tempo relativamente recente têm começado a ser corrigidos. Mas vai levar ainda muito tempo e exigir ainda muito esforço sustentado a aproximação neste domínio aos nossos parceiros comunitários.
Por isso este esforço tem de constituir uma prioridade nacional que ultrapasse as mudanças políticas conjunturais, embora em cada caso as soluções concretas devam naturalmente depender da alternância dos governos. Antes da moeda única o investimento em capital humano era factor do crescimento a longo prazo. Hoje, no limiar de uma nova era europeia é mais do que isso : é condição essencial para que o nosso País tenha futuro.
Temos igualmente de reformar com coragem o Estado a todos os seus níveis. Este é um domínio onde estamos também muito afastados da Europa e que constitui na actualidade um sério bloqueio ao nosso desenvolvimento e à competitividade da nossa economia. E não apenas isso. As formas de actuação do Estado são muitas vezes indutoras de atitudes e acções que aumentam as injustiças, limitam o exercício da cidadania e agravam o atraso cultural.
A reforma do Estado deve, pois ser considerada objectivo nacional, a par do ensino e da formação. Reforma que, desejavelmente deveria ser objecto, também ela, de um consenso alargado, que evitasse a tentação de a utilizar, num sentido ou outro, como arma política conjuntural.
Temos assim uma agenda pesada de reformas a realizar apesar do muito que se tem feito e se está presentemente a fazer nestes domínios. São atrasos de décadas que estamos a começar a recuperar. Mas mais do que nunca é a altura de falar claro : a nossa entrada na moeda única não se compadece com perdas de tempo na realização dessas reformas.
É o interesse nacional que aqui está directamente em causa. E face ao interesse nacional, os interesses corporativos ou de grupo, por respeitáveis que sejam ou possam parecer não devem prevalecer, principalmente quando se tentam opor às reformas necessárias. É bom que todos nós, tenhamos ou não responsabilidades políticas disso assumamos clara consciência.
Não ignoro, como se vê as dificuldades do caminho que trilhamos. Mas quem, como eu percorre incessantemente o País e contacta diariamente com muitos e muitos portugueses sente que Portugal mudou e que muitas coisas se realizam já hoje num clima de inovação e de são optimismo.
Por isso com todas as nossas deficiências e todos os nossos atrasos não tenho dúvidas que iremos vencer o desafio da moeda única e, pela primeira vez desde há séculos participar activamente na reinvenção da Europa.