Cerimónia de Posse do Governo de Unidade e Reconciliação Nacional da República Popular de Angola

Assembleia Nacional - Luanda
11 de Abril de 1997


É com grande satisfação e legítimo orgulho que uso da palavra nesta cerimónia de tão alto significado para Angola, para os angolanos, para a África e para o Mundo. Faço-o, associando-me aos sentimentos dos outros países parceiros de Portugal na observação do processo de paz - os Estados Unidos da América e a Federação da Rússia - cujo empenho sistemático e substancial numa solução de paz para Angola deve ser enaltecido e cujos distintos representantes nesta cerimónia aproveito para saudar cordialmente.
Julgo que a posse do Governo de Unidade e de Reconciliação Nacional da República de Angola não deve ser tomada com o mero sentimento de alívio de quem verifica ter-se ultrapassado uma qualquer etapa de um processo político complexo. Bem antes pelo contrário, deve ser assumida como a evidência, que queremos sincera e irreversível, do triunfo da paz sobre a guerra, do êxito da vida sobre a morte, da vitória da reconciliação sobre a animosidade, do sucesso da esperança sobre os abismos da angústia que, por demasiado tempo, se abateram sobre o martirizado povo angolano.
Esta vitória não foi fácil nem o seu preço foi razoável. Custou vidas, sofrimentos, destruições e horrores que nenhum valor, nenhuma querela, nenhum objectivo político, económico ou social poderiam justificar.
E se assim foi, e se a memória dos povos é algo que se não pode apagar, dirijo-me neste momento ao Povo angolano, a este Povo que Portugal tem no coração, a quem exorto a compreender que, doravante, o único caminho que importa é o da ultrapassagem de divisões, de animosidades e de malquerenças, a única direcção que vale a pena é a da concórdia e da esperança, da coesão e unidade nacionais.
Recordem-se os mortos, mas cuide-se, sobretudo, da Vida e dos vivos; criem-se e estimulem-se as condições de existência livre e democrática e de tranquilidade pública propiciadoras de paz, de justiça e de desenvolvimento.
O Povo de Angola resistiu e não se deixou abater por acontecimentos prolongados que pareciam querer pôr um fim à sua vida colectiva. O povo de Angola tem um irrecusável direito ao Futuro.
Senhor Presidente,
Excelências,
A posse do Governo de Unidade e Reconciliação Nacional representa, de uma outra perspectiva, um passo decisivo de um longo e acidentado Processo de Paz iniciado em Portugal, formalizado pela 1ª vez em Bicesse e completado em Lusaka.
Pelas veredas da sua execução e entre as contingências do seu arrastamento ficaram negociações como as do Namibe, de Adis-Abeba e de Abidjan; foi ficando o esforço de alguns, demasiadas vezes vencido pelo que se configurava ser o êxito incontornável de uma lógica de guerra; ficaram também as energias e os meios que a Comunidade Internacional desviou de outras questões talvez de resolução mais fácil.
Mas se tudo isto espelha a complexidade e a delicadeza do Processo, mais se evidencia este momento como o oportuno para prestar uma justa homenagem aos dirigentes da Nação Angolana que souberam discernir as mutações da História e interpretar as profundas aspirações do seu Povo, por essa forma ultrapassando os períodos de desânimo que, infelizmente, marcaram o passado recente deste País.
Ocasião igualmente adequada para dirigir palavras de merecido apreço à Organização das Nações Unidas e, em particular, ao Representante Especial do seu Secretário-Geral, Maître Beye, cuja acção esclarecida, incansável e isenta foi determinante para o sucesso que hoje testemunhamos.
Senhor Presidente,
Excelências,
Conjuntamente com o dos outros países observadores, o papel de Portugal na execução do Processo de Paz sempre se norteou pela preocupação da procura das melhores soluções para o Povo angolano, mantendo sempre presente que Angola é pertença exclusiva dos seus filhos e que só a estes compete escolher o seu destino e o seu futuro colectivos.
Nesse espírito, definimos e mantivemos o propósito de apoiar a acção do Mediador, pela imparcialidade e objectividade na apreciação e análise dos factos e pelo encorajamento às Partes - sujeitos exclusivos do Processo - na superação dos seus diferendos. Mas também sempre nos pautámos pela indefectível e firme defesa da aplicação do que entre elas fora livremente negociado e acordado. Outra atitude seria inconciliável com a nossa missão de observadores isentos e imparciais.
Não ativémos, todavia, a nossa colaboração no Processo a uma vertente político-diplomática, antes a alargámos às vertentes militar e policial. Olhando o que neste último domínio fomos capazes de realizar, orgulho-me dos aplausos generalizados que a acção dos meus compatriotas que integraram as UNAVEM II e III suscitou e continua a suscitar e anoto com prazer a falta de razão de quantos - temerosos de um passado que não volta - prognosticavam dificuldades e inêxitos para o cumprimento da missão de paz que militares e polícias portugueses foram chamados aqui a cumprir.
A este propósito seja-me permitido reafirmar desta tribuna a disponibilidade desinteressada de Portugal para continuar a participar activamente - se isso for tido por útil por Angola e pela Organização das Nações Unidas - nesta nova fase do processo de pacificação da família angolana que neste momento se inicia.
Senhor Presidente,
Excelências,
A posse do Governo de Unidade e de Reconciliação Nacional constituindo, como constitui, um passo decisivo em direcção à paz em Angola, não deve ser tido, porém, como o fim consolidado da caminhada. Falta, na verdade, virar algumas páginas decisivas para que a obra fique completa e o desfecho da história seja conhecido. Páginas que consubstanciam tarefas cujo cumprimento será fundamental para que a sociedade angolana se possa desenvolver plena e harmoniosamente, por essa forma constituindo exemplo para África, aqui e ali dilacerada, mas que quer tão arduamente reencontrar-se com o seu destino.
Estou confiante de que o Governo de Unidade e de Reconciliação Nacional, congregando as mais importantes sensibilidades políticas, partidárias e sociais com que o Povo angolano se identifica, saberá ser um factor de coesão e unidade nacionais, à altura das enormes e desafiantes funções em que, a partir de agora, fica investido.
Senhor Presidente da República,
Excelências,
A Comunidade Internacional olha o dia de hoje em Angola com uma enorme esperança e com vontade de que a realização dessa esperança lhe venha a permitir novas e reforçadas fórmulas de cooperação com vista à paz e ao desenvolvimento económico e social a que este país tem direito.
Portugal estará sempre ao lado de Angola e dos angolanos, de todos os angolanos, nos seus anseios pela democracia, pela liberdade, pela justiça e pelo desenvolvimento.
Que o dia 11 de Abril de 1997 possa ficar assinalado na História de Angola, de África e da cooperação para a paz e o desenvolvimento como um dia feliz, como uma data redentora. O futuro será então, merecidamente, das mulheres e dos homens angolanos.