Mensagem de Ano Novo

Palácio de Belém (transmitida pela rádio e televisão)
01 de Janeiro de 1997


Neste dia que faz apelo a um renovado sentimento de confiança no futuro, dirijo-me a todos os portugueses, onde quer que se encontrem, para lhes desejar Bom Ano.

Gostaria que entendessem este desejo que formulo, não apenas como um acto que cumpro — gratamente, aliás por tradição ou dever —, mas que sobretudo o aceitassem como um voto caloroso em que ponho um acento pessoal e afectivo.

A proximidade às pessoas — aos seus problemas, preocupações, expectativas — é um princípio fundamental que inspira a minha acção. Como não o ter presente, no dia em que o novo ano começa e nos queremos e nos sentimos mais próximos uns dos outros, na esperança partilhada de que é possível melhorar as coisas, no sentido da solidariedade e da justiça?

O próximo ano vai ser um ano que marcará o nosso futuro. Alguns dos desafios que vimos enfrentando decidem-se, pelo menos em parte, em 1997. Temos de realizar o Portugal que o nosso tempo exige e que a nossa ambição requer. Temos de cumprir a responsabilidade europeia que assumimos e fazer dela um projecto largo, dinâmico e mobilizador, que está para além das metas de política económica e financeira, que são apenas — não o esqueçamos — um instrumento, ainda que necessário e, nesta fase, mesmo decisivo.

O ano que agora terminou, e no qual, por vontade vossa, fui eleito Presidente da República, completou o início de um novo ciclo político.

Temos condições de estabilidade, cooperação e normalidade institucional, no respeito pela autonomia de cada órgão de soberania e das suas competências próprias.

A resolução dos problemas, a resposta aos desafios, a eficácia das decisões exigem que não se perca tempo com querelas e conflitos inúteis.

Os problemas da nossa sociedade, como os de todas as sociedades modernas, são múltiplos e complexos.

Muitos deles, embora com grau diverso, não são, aliás, de tipo diferente daqueles que os nossos parceiros europeus experimentam. Como nalguns desses países, porém, também pode vir a instalar-se entre nós uma atitude mental que se traduz numa certa passividade, resignação e indiferença perante os problemas, as dificuldades, os dramas. Tal atitude resulta da ideia de que, pelo menos por enquanto, eles são inevitáveis e mesmo inultrapassáveis.

Se é verdade que muitos dos problemas não podem ter soluções fáceis ou imediatas e têm origem nas mutações tão radicais dos últimos anos, em todos os domínios, não é menos certo que a condição para que as soluções possam surgir é a da recusa do pensamento único, é também não aceitar o inaceitável, é, finalmente, a insatisfação crítica perante o que está mal.

Devemos querer para poder, pois, como disse o grande Padre António Vieira, cujo terceiro centenário se assinala em 1997, «o querer e o poder, se divididos são nada, juntos e unidos são tudo».

O desemprego e as carências do primeiro emprego, a exclusão, a marginalização são alguns desses problemas face aos quais não podemos ficar indiferentes. Quaisquer que sejam as causas, todos sabemos que as suas consequências são dramáticas para os que as sofrem, para o equilíbrio da sociedade, para a vitalidade e o prestígio da democracia. A prazo, podem mesmo constituir ameaças graves, que têm de ser prevenidas.

Não podemos, de facto, permitir — e sei que não permitiremos — que, quase no início do novo século, as desigualdades se acentuem, a solidariedade se rompa, a sociedade se divida em grupos isolados e afastados, que perderam o sentimento comum de pertença e de partilha.

Como já disse, não há — não pode haver — portugueses dispensáveis. É por isso que a coesão social se tornou num imperativo fundamental e irrecusável, que não é tarefa apenas do Estado, mas de toda a sociedade.

Fenómenos como a droga e a insegurança têm uma relação profunda e são sintomas universais de uma crise e de um mal-estar que têm de ser assumidos em todos os níveis de responsabilidade política, cívica e cultural.

Tenho procurado, no tempo que decorreu desde a minha investidura, estar presente junto das pessoas, para as ouvir, conhecer e dar a conhecer as suas dificuldades, com certeza, mas também o que de bom tem sido feito.

É verdade que há por todo o País sinais seguros de mudanças para melhor e de inovação, na economia, na criação cultural, na investigação científica, nas artes, nas novas tecnologias, na defesa do ambiente e do património. As gerações mais jovens estão despertas e querem participar na vida colectiva. Não as podemos defraudar. Temos de vencer a batalha da educação, da ciência, da cultura, da formação e da actualização profissional.

Este é um objectivo estratégico fundamental que tem de ser assumido no quotidiano. Hoje, a cidadania e a participação nas decisões estão indissoluvelmente ligadas à educação, desde a frase pré-escolar, à preparação cultural e científica, à complementaridade dos conhecimentos, à informação e à comunicação. Precisamos que a nossa sociedade seja percorrida poruma cultura de abertura aos novos saberes e que integre as grandes questões que a ciência e a técnica põem à humanidade.

Entendo que me compete, como Presidente de todos os portugueses, contribuir para que o esforço de desenvolvimento económico e modernização cultural seja conseguido, não esquecendo, porém, a solidariedade que o sustenta, o torna duradouro e a cidadania que lhe dá sentido mobilizador.

Considero também que devo apoiar as novas gerações e o seu trabalho de inovação, mudança e criatividade, cujos resultados, por entre dificuldades, já são visíveis nas Universidades, nas empresas, na acção e na descentralização cultural, no poder local, na intervenção social, na igualdade de direitos entre mulheres e homens, no combate contra o racismo e a discriminação.

Queremos uma sociedade culturalmente aberta e politicamente enriquecida pelo contributo de todos — os que têm a responsabilidade do Governo e os que estão na Oposição. Em democracia, todos são fundamentais. Só assim se poderão obter os consensos mínimos que dão às nossas instituições aquela capacidade de adaptação e reforma que um tempo de tantas mudanças exige.

Portugueses,

O ano que terminou ficará assinalado pela atribuição do Prémio Nobel da Paz aos nossos irmãos timorenses Dom Ximenes Belo, Bispo de Díli, e Ramos Horta, dirigente da resistência.

Esta atribuição, que culminou com a emocionante cerimónia de entrega do Nobel, realizada em Oslo, tem um significado transcendente e da maior importância para a causa timorense. Prova também que a perseverança na defesa do que é justo, não obstante as dificuldades e as pressões, acaba, mais tarde ou mais cedo, por dar frutos. É nossa obrigação prosseguir o combate político e diplomático que vimos desenvolvendo e que tem como único objectivo a defesa do direito do Povo de Timor-Leste à autodeterminação e a denúncia das intoleráveis e permanentes violações dos direitos humanos a que a Indonésia o submete.

Em 1996, ocorreram também factos muito significativos em termos da afirmação externa do Estado Português e de valorização dos meios de que dispomos para a defesa dos nossos interesses na cena internacional. Foi institucionalizada a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que precisa agora de se tornar uma realidade dinâmica e activa, Portugal foi eleito para o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, a realização em Lisboa da Cimeira da Organização de Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) — modelar nos aspectos organizativos de nossa responsabilidade — reforçou a nossa capacidade de intervenção. Estes acontecimentos demonstram que a Comunidade Internacional confia no papel de Portugal, em ordem à criação de condições de paz e de progresso no Mundo.

A nossa participação em missões de paz internacionais muito tem contribuído, também, para reforçar a afirmação internacional do novo Portugal.

É meu dever sublinhar o papel de todos aqueles portugueses que, na Bósnia ou em Angola, arriscam a sua vida para que a paz seja possível. Portugal orgulha-se do modo exemplar como as Forças Armadas Portuguesas têm exercido e estão a exercer as sua difíceis missões. Esperamos seriamente que 1997 seja, num e noutro país, um tempo de consolidação dos processos de paz e de reconciliação nacional.

Durante o ano que hoje começa serão certamente tomadas decisões extremamente importantes para o futuro da Europa, de que somos parte integrante. Tais decisões terão a ver com a moeda única, com o alargamento da União Europeia, com as reformas indispensáveis para assegurar a eficácia dos mecanismos previstos nos Tratados, com a credibilidade das instituições europeias e com a projecção e o peso da Europa no Mundo. O que importa é preservar, sempre, a natureza política, social e cultural do projecto europeu. Consolidar uma Europa de paz e segurança, construir uma Europa aberta e democrática, na qual os Europeus — todos os europeus — se reconheçam e sintam como sua, fortalecer a Europa dos cidadãos e para os cidadãos, onde as dimensões de solidariedade e de coesão sejam ampliadas.

Portugueses,

No início de um ano tão importante para nós, quero dizer-vos que devemos empenhadamente reforçar a coesão e a unidade nacional, sem o que tudo se tornaria mais frágil, precário e difícil. Não percamos a consciência de que quaisquer que sejam as legítimas divergências de pontos de vista ou os conflitos de interesses, o que nos une é sempre mais importante do que aquilo que nos divide. O que nos une faz de nós uma comunidade sólida e em movimento, herdeira de uma história e de uma cultura de que nos orgulhamos, portadora de valores comuns e segura da sua identidade, possuidora da vontade firme de construir um futuro melhor para todos os portugueses.

Temos razões para acreditar que vamos vencer os desafios, por mais complexos que se apresentem. A nossa história recente mostra que, por entre dificuldades e riscos, conseguimos consolidar e aperfeiçoar a democracia, desenvolver e modernizar o País, dinamizar a sociedade e a iniciativa individual. Nada autoriza, por isso, o pessimismo e a lamúria ou que cultivemos uma imagem negativa de nós próprios. Já Fernando Pessoa advertia para esse perigo, quando escreveu: «Uma nação que habitualmente pensa mal de si mesma, acabará por merecer o conceito de si que anteformou. Envenena-se mentalmente. O primeiro passo para uma regeneração, económica ou outra, de Portugal é criarmos um estado de espírito de confiança — mais, de certeza — nessa regeneração.»

Saibamos, pois, conciliar o saudável e necessário exame crítico do que está mal com a vontade optimista de fazer melhor e de vencer num mundo cada vez mais aberto e competitivo.

Quero, neste momento, agradecer a cada português, a cada um de vós, o contributo dado, pelo vosso trabalho, pela vossa inteligência, pelo vosso esforço, para que Portugal se tenha tornado num País mais desenvolvido e próspero, mais livre e tolerante, mais solidário e justo, mais moderno, preparado e criativo.
Vamos prosseguir esse combate pela melhoria de vida das pessoas, contra a exclusão.

Como Presidente da República, tudo farei para que o novo ano seja de concórdia entre os Portugueses e de unidade nacional, de modo a que possamos atacar os problemas, buscar soluções, responder aos desafios, contribuindo assim para a construção de uma Europa forte e de um Mundo solidário e pacífico.

Desejo Bom Ano a todos — aos Portugueses que vivem e trabalham no País; aos que escolheram ou foram obrigados, por vicissitudes várias, a tentar noutras paragens a sua realização pessoal e familiar; mas também àqueles que procuraram a nossa terra para viver e trabalhar. Este é o meu voto reiterado, neste dia em que, todos os anos, a esperança se renova e dilata à medida das mais altas aspirações humanas.

Feliz Ano Novo!