Sessão de Encerramento do Colóquio de Direito Internacional - "Comunidade dos Países de Língua Portuguesa"

Reitoria da Universidade de Coimbra
25 de Abril de 1997


Tive muito gosto em aceitar o convite para participar neste colóquio de Direito Internacional sobre a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa que, em boa hora, foi organizado pela Universidade de Coimbra.
Se necessário fosse, esta iniciativa, num quadro tão prestigioso, e a alta qualidade dos participantes, serviriam para demonstrar que a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa está viva, e bem viva, e que o seu projecto já foi, com toda a naturalidade, apropriado pela sociedade civil e, designadamente, pelas instituições universitárias, pelos académicos e pelos intelectuais.
A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, em cuja construção estão permanentemente empenhados, ao mais alto nível, os sete Estados membros, é não só um projecto empolgante, como uma instituição necessária e actual.
À partida, a língua e a história são as dimensões mais fortes da nossa união. Transportam consigo vínculos culturais e humanos que transcendem qualquer conjuntura. A sua tradução, tanto tempo adiada, numa instituição comum, fundada por um acto livre e de vontade soberana de cada um dos Estados de língua portuguesa, representa, para todos, um reencontro com a história, um acto de responsabilidade perante os imperativos do presente e uma atitude de confiança no futuro.
A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa é uma instituição particularmente adaptada às circunstâncias actuais da política internacional.
Com efeito, o fim da guerra fria e a transição para um mundo multipolar caracterizam-se pela emergência de espaços de crescente interdependência regional, que definem o novo mapa das relações internacionais. Os sete Estados membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa estão todos plenamente inseridos nessa dinâmica de regionalização. O Brasil é o motor e o centro natural da integração regional na América do Sul, que se exprime no desenvolvimento do Mercosul.
Os cinco Estados africanos pertencem à Organização de Unidade Africana, e Angola e Moçambique constituem pilares essenciais da comunidade de cooperação e desenvolvimento da África Austral. Portugal pertence à União Europeia e está firmemente empenhado no processo de construção europeia.
Esses processos de regionalização criaram uma necessidade urgente e acrescida para a formação de instituições multilaterais de cooperação inter-regional, um domínio em que a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa é pioneira.
A vocação dessas instituições de cooperação inter-regional deve ser ultrapassar as descontinuidades, os obstáculos e as divisões geográficas com a afirmação dos valores comuns da paz, do direito e da solidariedade.
Esses valores são essenciais para completar os processos de regionalização e, também, para impedir o agravamento das clivagens internacionais, para contrariar a tendência para uma maior desigualdade entre regiões com diferentes níveis de desenvolvimento económico e social, e para consolidar o diálogo e a cooperação entre espaços com culturas e identidades próprias.
Creio que a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa é, nesse contexto, uma instituição exemplar. Desde logo, por recusar a lógica do egoísmo sem regras na competição inter-regional. Por outro lado, por se fundar na defesa dos grandes princípios da paz e do direito, da democracia e dos direitos do Homem, do desenvolvimento e da cooperação. São esses os valores seguros que nos unem num propósito comum de caminhar para uma sociedade internacional.
Para realizar esse desígnio, temos, naturalmente, de dar expressão a esses valores na construção da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Nesse quadro, são particularmente importantes e promissoras as iniciativas que procuram dar corpo a uma “cidadania lusófona”, incluindo o reconhecimento de direitos cívicos e políticos, num quadro de reciprocidade e dentro dos limites impostos por cada uma das comunidades regionais em que sete Estados membros estão integrados.
Do mesmo modo, devem ser apoiadas todas as formas de cooperação cujo objectivo é o reforço da democracia, do pluralismo e dos direitos do Homem - de que este colóquio é um exemplo a todos os títulos notável.
A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa tem de ser, cada vez mais, uma comunidade de direito e uma comunidade de direitos, como é próprio de uma instituição onde se reúnem democracias de três continentes.
É com essa visão e com a vontade política que lhe dá força e consistência que temos de afirmar a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa no mundo.
A nossa Comunidade constituirá, estou certo, um meio importante de projecção de língua comum, um factor de valorização dos nossos recursos estratégicos, de cooperação económica, de captação de interesses. Constituirá também um quadro relevante de concertação política e diplomática, num número crescente de questões onde se pode traduzir um interesse comum.
A esse propósito, quero exprimir, neste momento, o reconhecimento público de Portugal pela solidariedade dos Estados da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa para com Timor-Leste na Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas.
A causa timorense é uma causa comum de defesa do direito e da democracia, que nos obriga a um dever de solidariedade para com o povo mártir de Timor-Leste, sujeito à ocupação ilegal da Indonésia e a um regime de permanente violação dos direitos humanos, que foi justamente condenado pela resolução aprovada na Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas.
Portugal não tem nenhum objectivo egoísta na sua defesa da causa timorense. O único propósito dos nossos esforços é garantir o respeito pelo direito internacional e contribuir para resolver a questão timorense, designadamente num quadro de cooperação com o Secretário-Geral das Nações Unidas.
O nosso dever, como potência administrante de jure, como tal reconhecida pela comunidade internacional, resume-se a assegurar uma fórmula pacifica e democrática para a resolução dessa questão, através do livre exercício do direito de autodeterminação do povo de Timor-Leste, e a lutar pela defesa dos direitos humanos dos Timorenses, constantemente violados pela brutal ocupação militar indonésia.
Sobretudo desde a atribuição do Prémio Nobel da Paz ao Bispo D. Carlos Ximenes Belo e a José Ramos Horta, a causa timorense tornou-se uma causa universal - e, por maioria de razão, uma causa que mobiliza todos os que defendem os valores da paz e da liberdade nos sete países de língua portuguesa, que inscreveram esses princípios na carta fundadora da sua comunidade.
Permitam-me, para concluir, que partilhe convosco, neste dia 25 de Abril, a esperança de que o dia da paz e da liberdade chegará em breve a Timor Leste, como chegou a cada um dos nossos países.
Muito obrigado.