Banquete de Retribuição do Presidente da República Portuguesa ao Presidente da República de Moçambique

Hotal Polana - Maputo
29 de Abril de 1997


Hoje estamos juntos, uma vez mais. Hoje, como tantas vezes antes e de tantas formas, que os nossos povos escreverão, um dia, a história de um passado distinto, em parte vivido em comum, e para o qual, a distancia do tempo é o melhor conselheiro para o seu juízo.
Hoje estamos juntos por vontade própria, como Estados independentes, alicerçando uma relação que sabe que tem no Futuro o seu destino e a sua nova história. É a ele que nos devemos dirigir, investindo o melhor dos nosso esforços e da nossa afectividade para criar os modelos de cooperação que garantam as condições de prosperidade e desenvolvimento.
Hoje é o momento de reiterar o compromisso de Portugal com o futuro de Moçambique. Um compromisso singelo, mas verdadeiro; um compromisso que ao nível dos Estados traduzia o que de melhor dois amigos podem trocar entre si: a disponibilidade desinteressada para, sempre que necessário, sempre que preciso, responder ao apelo, estar presente, ajudar. O compromisso de nunca esquecer a palavra solidariedade. O compromisso que uma amizade forte cimenta para sempre: para a vida e para a história, para a memória colectiva dos povos.
Quero que Moçambique saiba que Portugal estará presente, amigo e solidário, sempre que necessário.
Hoje estamos a construir um novo capítulo nas nossas relações. Celebramos a igualdade de estados soberanos, o respeito pela identidade histórica e cultural dos povos que nos elegeram para os governar. Celebramos profundas mudanças no contexto geo-estratégio internacional e nos equilíbrios regionais em que cada país se insere. Celebramos a consagração dos direitos do homem e do estado de direito como elementos essenciais do regime político em que queremos fundar as condições de prosperidade e desenvolvimento dos nossos países.
Hoje somos membros de uma Comunidade onde sete Estados, em perfeito pé de igualdade, unidos por estreitas relações económicas e culturais, partilham as responsabilidades e as oportunidades abertas pelo indelével traço de união que é a língua portuguesa.
Hoje estamos juntos porque livremente reconhecemos a importância dessa união e porque nela depositamos o melhor do nosso empenhamento político e a relação afectiva dos nossos povos.
Hoje celebramos a vontade das novas gerações de moçambicanos e portugueses de se conhecerem melhor. Está nas nossas mãos, Senhor Presidente, estreitar o abraço entre os nossos povos
Hoje tudo mudou, porque é chegado o momento do verdadeiro encontro de culturas; encontro que só pode existir quando a liberdade assegura a sobrevivência das diferenças; encontro que só pode acontecer quando a vontade se substitui à imposição da força ou às contingências da história.
É este encontro que hoje permite olhar serenamente para todos os anteriores. Agora que a liberdade, a democracia e a igualdade enformam as nossas relações, podemos começar a identificar o que ficou de encontro do que antes foi segregação, imposição e desencontro.
Permitam-me que escolha um símbolo. Um símbolo de tantos, talvez mesmo de todos os caminhos que cruzaram no passado a relação, não só entre os nossos dois países, mas também entre o Ocidente e o Oriente; o imaginário do Atlântico e o do Índico, o Islão e a Cristandade, o Portugal de outrora e o Moçambique então adiado. Um símbolo, enfim, de todo um mundo em torno do qual o Mundo da época rodou, pérola única no Índico: a Ilha de Moçambique.
Ilha que é hoje Património Mundial. É imperioso não nos furtarmos à responsabilidade de garantirmos a sua preservação. E esta não é uma responsabilidade que caiba apenas a Moçambique ou a Portugal. Não é uma responsabilidade que decorre apenas da nossa história.
Esta é uma responsabilidade de toda a Comunidade Internacional que, ao reconhece-la como património de todos, reconhece-a como símbolo único e insubstituível desse momento decisivo da História Humanidade que foi o percurso da civilização europeia ocidental a caminho do Oriente - e as marcas que esse caminho nos deixou.
Permito-me, por isso, na presença de todos os convidados moçambicanos e portugueses, mas também na presença de uma significativa parte do corpo diplomático acreditado neste país, dos Representantes da Unesco e da Comissão Europeia, deixar um sentido apelo à conjugação de todos os esforços necessários à salvaguarda do Património Mundial que é a Ilha de Moçambique.
Técnicos, cientistas, artistas e intelectuais, mas também as grandes organizações Internacionais como a UNESCO devem estudar esse património precioso e apoiar as formas possíveis da sua recuperação e preservação.
Senti que hoje, ao erguer esta taça num brinde comovido ao futuro das relações entre Moçambique e Portugal devia, com este apelo, simbolizar que o futuro da relação entre dois povos depende do reconhecimento, valorização e intercâmbio entre as culturas que formam a identidade de cada um deles, sem esquecer o percurso que a História ditou.
Brindo a um futuro que assenta nas novas bases do relacionamento entre os nossos países e num lastro histórico de uma relação que é impossível iludir em toda a sua profundidade e complexidade.
É que num mundo em que tudo parece tão fugaz, tão volátil, tão substituível pelo que no momento seguinte é o novo padrão, o novo valor, a nova moda, é importante reconhecer que a Liberdade é também a luta da memória contra o esquecimento.
Brindo ao futuro!
Brindo a Moçambique!