Jantar de Estado

Roménia (Visita de Estado à Roménia)
04 de Março de 2000


Senhor Presidente
Senhora Constantinescu
Minhas senhoras e meus senhores

Agradeço-lhe, em primeiro lugar, as palavras amáveis que teve para com Portugal e a recepção tão calorosa que nos tem dispensado, a mim, a minha mulher e a toda a comitiva que me acompanha. É para mim um prazer e uma honra efectuar esta Visita de Estado à Roménia, testemunho da amizade e confiança existentes entre os nossos dois países, do vigor e potencial das nossas relações, e da nossa vontade e interesse mútuos em as desenvolver.

Portugueses e romenos partilhamos uma matriz histórica e cultural comum, que remonta aos primórdios da civilização europeia. Latinos do oriente, os romenos são um povo de fronteira que, ao longo dos tempos, assegurou o contacto entre vários mundos, delimitando a Europa da Ásia, mantendo o diálogo entre o Oriente e o Ocidente. Guardiã do oitavo mar da Europa, como também assim é conhecido o Danúbio, porque dele detém as embocaduras, a antiga Dácia foi e será um ancoradouro da Europa, que sofreu no correr dos séculos os embates próprios de tempos conturbados, que conheceu as vicissitudes da história, alternando combate e resistência, vitórias e derrotas, na afirmação perene da sua pertença ao mundo geo-político europeu.

Se a latinidade é factor óbvio de aproximação entre portugueses e romenos, Portugal e a Roménia cumpriram, outrossim, funções e destinos similares em termos de geo-estratégia; territórios de confins, debruçados sobre espaços marítimos, situados na clivagem de duas civilizações milenares, cuja coexistência nem sempre foi pacífica, mas também constituindo a orla da confluência de culturas, em diálogo.

O período extremamente fecundo que estamos actualmente a viver, com a construção de uma nova Europa, tem alicerces nesta história comum, nos desafios que soubemos enfrentar, nas lutas que travámos, nas experiências, umas negativas, outras positivas, que acumulámos. Estamos agora a colher os frutos dos ensinamentos, amadurecidos nos erros que cometemos. Estamos agora a edificar, com todo o empenho, uma Europa nova, criadora de uma dinâmica renovada, garante de uma solidariedade acrescida, na defesa de valores e ideais comuns.

Desde que a Roménia iniciou a sua complexa transição para a democracia, facilmente se estabeleceu entre nós uma corrente de simpatia recíproca que se tem traduzido num gradual aprofundamento das nossa relações e em múltiplas expressões de solidariedade política. A opção da Roménia pela integração nas estruturas euro-atlânticas, garantes da estabilidade do nosso continente, mereceu sempre o nosso apoio firme e sem hesitações.

Congratulo-me por conseguinte, pelo facto desta visita ocorrer num momento histórico para a Roménia, poucos dias depois de terem sido oficialmente iniciadas as negociações para a sua adesão à União Europeia, a que temos neste momento, o privilégio de presidir.

Não menosprezamos as dificuldades que a Roménia terá de ultrapassar para concluir as negociações de adesão. Tão pouco ignoramos os sacrifícios e o sofrimento a que muitos romenos têm sido obrigados no percurso, tantas vezes árduo, para o estado de direito e a economia de mercado. Mas quero aqui exprimir um voto de confiança na capacidade da Roménia para vencer essas dificuldades e transmitir uma mensagem de esperança e de apoio para o futuro.

Senhor Presidente

Também nós fomos candidatos e sabemos quão laboriosas são as negociações de adesão. Também nós atravessámos um período de transição democrática que, amiúde, nos pareceu longo; às nossas gentes foram pedidos sacrifícios momentâneos, empenhámos, por vezes, a facilidade de um presente sem devir em nome de um investimento, seguro, no futuro. Instámos à mudança, fomentámos a adaptação de mentalidades, imprimimos um dinamismo renovado à existência colectiva. Aplicámos programas de reformas, apostámos na modernização do país, superámos os efeitos nefastos de um isolamento que teimou em se prolongar no tempo. Posso garantir-lhe que colhemos os dividendos deste empreendimento, afirmo com orgulho que a nossa integração é história de sucesso. Digo-o sem modéstia e com algum ênfase porque, para os novos candidatos, é este exemplo factor de esperança.

Apoiamos o alargamento, em primeiro lugar, por dever de coerência: não podemos, nem queremos, negar a outros a solidariedade de que beneficiámos.

Apoiamos o alargamento, em segundo lugar, por considerarmos que ele é do interesse geral. Estamos firmemente convencidos que trará maior estabilidade à Europa, mais crescimento económico, mais confiança, mais largas perspectivas de futuro à União.

Mas fazêmo-lo, acima de tudo, por convicção, porque acreditamos numa Europa livre, aberta e unida, num projecto que é político, baseado na consolidação de uma comunidade de valores e de um destino comum de paz, solidariedade, progresso e liberdade, de que nenhum país europeu pode, a priori, ser excluído.

O alargamento da União Europeia é dever indeclinável e tarefa de alcance histórico.Mais de uma década depois do início da transição democrática na Europa Central e Oriental, o alargamento deve ser o grande projecto mobilizador da União Europeia, capaz de lhe dar um novo sentido e uma nova dinâmica no limiar do século XXI.

O horizonte de esperança não pode ser negado, nem indefinidamente adiado. Tem de ser renovado pelo exemplo e alimentado pelo estímulo que o exemplo constitui.

Não abdicamos, todavia, de honrar o princípio de abertura da União a novos candidatos com base no critério do mérito de cada um - na respectiva capacidade para absorver e aplicar o acervo comunitário e, acima de tudo, para respeitar e promover os valores fundamentais nos quais a União Europeia se baseia. Estaríamos, de outro modo, a comprometer a integridade do projecto europeu.

Todos estamos conscientes que o alargamento exigirá adaptações das instituições comunitárias, que estão neste momento em discussão no âmbito da Conferência Intergovernamental. É nosso objectivo concluir essas negociações até ao final do corrente ano. Esperamos que o processo do alargamento constitua um estímulo ao aprofundamento do processo de integração, mas não queremos que fique refém da reforma institucional. No âmbito do nosso exercício da Presidência da União, coube-nos lançar esta Conferência. Tomámos a iniciativa de consultar os países candidatos sobre os temas em discussão. Felicitamo-nos pela prontidão com que a Roménia respondeu ao nosso convite e tomamos boa nota das suas posições.

Senhor Presidente

Infelizmente, nesta Europa assente na democracia, no respeito pelos direitos humanos e no Estado de direito, que estamos a construir, continuam a aflorar fenómenos de intolerância, xenofobia e nacionalismo exacerbado que não podemos tolerar. Mesmo as democracias mais sólidas não estão imunes a estes fenómenos. Devemos por isso manter-nos vigilantes e reagir prontamente sob pena de aqueles se agravarem.

Não nos assiste o direito à indiferença quando os princípios da democracia e o respeito pelos direitos humanos são postos em causa ou abertamente violados. O Kosovo e a Bósnia são exemplos vivos do que pode suceder quando se deixam alastrar ódios e ressentimentos étnicos que acabam por degenerar em violência. Todos avaliamos a magnitude dos desafios que temos pela frente para habilitar essas sociedades devastadas pela guerra a encontrar o caminho da paz, do progresso e da reconciliação. Apesar destas dificuldades, a União Europeia está firmemente empenhada em contribuir para a construção de um futuro de paz e prosperidade nos Balcãs, dando aos países da região perspectivas de desenvolvimento, assistindo na reconstrução, pondo ao seu dispor a sua experiência e conhecimentos. Mas sem o envolvimento dos seus habitantes, sem a sua participação e cooperação mútua, serão esforços vãos de efeitos efémeros. Nas horas mais difíceis, a Roménia soube abdicar dos seus interesses mais imediatos, para dar inteiro apoio aos esforços da União Europeia e da NATO. Sabemos que o preço deste gesto de solidariedade, de valor inestimável, foi elevado. Também a sua participação no Pacto de Estabilidade tem sido essencial, sendo de elementar justiça reconhecer a contribuição decisiva da Roménia em prol da paz e da estabilidade na região.

Senhor Presidente

Esta visita é também ocasião para fazermos um balanço das nossas relações bilaterais e projectá-las no futuro. Podemos verificar que, na última década, elas se têm desenvolvido a bom ritmo. Dispomos de um quadro contratual consolidado e bastante completo. Resta agora concretizar as suas potencialidades.

Na área cultural, domínio onde a Roménia tem tantas tradições - basta aqui recordar, por exemplo, os nomes de Mircea Eliade que, nos anos quarenta, residiu alguns anos em Lisboa, Tristan Tzara, Ionesco que tive o prazer de conhecer ou Cioran - podemos constatar, com satisfação, assinaláveis progressos. No âmbito desta visita, será assinado um protocolo estabelecendo um Centro de Língua Portuguesa na Universidade de Bucareste, que constituirá por certo um incentivo à mais ampla divulgação da cultura e da língua portuguesa na Roménia. Amanhã, na companhia, que muito me honra, de Vossa Excelência, terei também ocasião de proceder ao encerramento do colóquio sobre ŤOs poetas portugueses e a Europať, mais um exemplo da vitalidade do nosso intercâmbio nesta área.

Registamos, todavia, que a crescente proximidade das nossas relações - de que a área da defesa constitui outro exemplo - não se traduziu ainda num desenvolvimento substancial do nosso intercâmbio económico. As trocas comerciais entre os dois países continuam a ser incipientes e pouco consolidadas e os fluxos de investimento praticamente inexistentes, apesar de alguns indícios promissores. Está em fase adiantada de execução um projecto conjunto destinado a promover junto dos operadores económicos portugueses o conhecimento das potencialidades do mercado romeno emergente. Estão aqui presentes, como meus convidados pessoais, vários empresários, representantes das associações empresariais e responsáveis do Instituto de Comércio Externo Português que se têm empenhado no mercado romeno. Defrontando-se por vezes com dificuldades inesperadas, mantêm a sua aposta no futuro deste país. Estou certo que esta visita contribuirá para reforçar o seu empenho e os ajudará a concretizar alguns dos seus projectos.

Senhor Presidente
Esta Visita de Estado é ocasião para aprofundarmos o nosso conhecimento mútuo, fomentarmos o desenvolvimento das nossas relações, cimentarmos a nossa solidariedade e afirmarmos a nossa vocação europeia comum. É também ocasião para reiterarmos o nosso apoio aos esforços da Roménia - que Vossa Excelência, melhor do que ninguém, tem protagonizado - para consolidar a democracia, reestruturar a economia, modernizar a administração e assegurar ao povo romeno o futuro de liberdade e prosperidade que durante tanto tempo lhe foi negado.

Peço a todos que me acompanhem num brinde pelas felicidades pessoais do Presidente e da Senhora Constantinescu, pelo progresso da Roménia e por uma Europa cada vez mais unida e solidária.