Apresentação da Semana da Educação

Palácio de Belém
19 de Janeiro de 1998


A minha decisão de realizar a Semana da Educação foi tomada há vários meses. Senti a necessidade de contactar mais de perto com a educação pré-escolar, básica e secundária. Esta deve ser  a grande prioridade do país. E é um investimento que se repercute de modo muito positivo na formação profissional e no ensino superior.
Como Presidente da República não posso nem quero esconder os problemas. Mas tenciono, sobretudo, compreender a acção que está a ser levada a cabo, contribuindo para identificar soluções e para apoiar o esforço de muitos alunos, professores e comunidades na construção de uma Escola melhor.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
A educação não é apenas um assunto do Governo, dos professores ou dos especialistas. É um problema nacional, que interessa a todos. Três são os sentidos da sua importância: a liberdade, a democracia e o desenvolvimento.
A educação é condição da liberdade. O património mais necessário de um país é a possibilidade de os cidadãos avaliarem os caminhos que perante si se abrem. Cada geração deve criar as condições para que as novas gerações tenham um acesso mais facilitado ao conhecimento. Neste processo, joga-se a margem de liberdade que transmitimos aos que nos sucedem. Porque a liberdade não depende apenas de uma consagração de direitos; depende da capacidade de interpretar o mundo e de fazer escolhas.
Mas a educação é também condição da democracia. Só uma formação mais sólida permitirá que os cidadãos se organizem e participem na tomada de decisão. A democracia formal já não nos satisfaz. Queremos vivências democráticas baseadas no respeito pela diferença e na prática da solidariedade. A Escola é um dos lugares de referência para a criação de uma sociedade democrática.
E a educação é ainda condição do desenvolvimento. A qualidade da formação escolar, bem como a alternância entre estudo e  trabalho, são aspectos decisivos numa sociedade marcada por lógicas de mudança e de adaptação a novas situações profissionais. A aquisição de uma forte cultura de base dá mais autonomia e segurança perante opções de vida ou de carreira. E cria condições para que as pessoas possam responder às exigências do desenvolvimento económico e tecnológico.
É impossível ignorar o trabalho realizado nas últimas décadas na expansão da rede escolar e na democratização do ensino. Percorremos um longo caminho num curto tempo. Mas não podemos dar-nos por satisfeitos, nem abrandar os nossos esforços.  A situação da educação em Portugal continua a ser muito preocupante.
Os problemas não são de hoje e têm raízes fundas no passado. São consequência da falta de investimento económico, da fragilidade das políticas do Estado e da ausência de compromissos sociais claros. O Estado nunca investiu seriamente no sector educativo, mesmo quando as retóricas reformadoras foram mais enérgicas. As elites não dedicaram à formação escolar dos seus filhos a mesma atenção que nos outros  países europeus. As empresas e os grupos económicos mantiveram-se alheados do esforço de educação e de formação. De um modo geral, a sociedade portuguesa olhou sempre para a escola com  reserva e mesmo desconfiança. Ainda hoje se ouvem vozes contra a obrigatoriedade escolar de nove anos ou contra o excesso de estudantes, de licenciados e de doutores.
E, no entanto, somos o país europeu com as taxas mais baixas de escolarização. 80% da população adulta possui, no máximo, a escolaridade básica. E, a continuarmos ao mesmo ritmo, a nossa posição relativa não melhorará nos próximos anos. Os portugueses não devem esquecer os resultados dos estudos internacionais em Matemática e Ciências que nos colocam nos últimos lugares da lista. E, pior ainda, continuamos com taxas elevadas de abandono e de insucesso escolar. São dados inquietantes, que me recuso a aceitar como uma fatalidade. É esta a primeira razão que me leva a promover a Semana da Educação.
Curiosamente, quando comparamos os indicadores de recursos – por exemplo, os níveis de financiamento, o rácio professor/alunos ou a dimensão média das escolas – verificamos que Portugal se encontra numa posição intermédia. Quer isto dizer que há desperdícios no funcionamento do sistema de ensino e que são necessárias medidas que assegurem uma maior racionalidade e eficiência. É preciso fazer alguma coisa. Mas nada será alcançado se os portugueses não tiverem uma consciência mais nítida da importância social da educação. É esta a segunda razão que me leva a organizar a Semana da Educação.
O Governo definiu esta área como prioridade política e tem avançado propostas meritórias. Mas não basta que o Governo actue de forma correcta e coerente. É fundamental que cada um se responsabilize e, na sua esfera própria, seja responsabilizado pela concretização deste desígnio. Existem hoje condições para ultrapassar o ciclo do subdesenvolvimento educativo. É uma oportunidade única, que não temos o direito de desperdiçar.
Não é possível restabelecer vínculos e solidariedades entre os cidadãos e a escola se esta não tiver uma melhor imagem pública. Ninguém pode viver sob permanente suspeita, descrédito e censura. Consciente dos problemas, quero dar visibilidade ao trabalho sério e competente. Não basta estar do “lado dos problemas”; é preciso, também, estar do “lado das soluções”. A razão principal da minha iniciativa é apelar à responsabilidade social, fazendo emergir o sector da educação como a preocupação primeira dos portugueses.
Não se trata de um apelo vago, mas antes da celebração de compromissos concretos.
O primeiro compromisso é social. Somos um país com grandes tradições, e é inquestionável a riqueza da nossa história. Mas a sociedade portuguesa sempre manifestou alguma indiferença face à cultura escolar (letrada), como se comprova pelos níveis de analfabetismo, pela falta de hábitos de leitura ou pela fraca participação em manifestações artísticas e culturais. Sem comunidades que dêem mais valor à educação e à cultura é difícil a Escola cumprir a sua missão.
O segundo compromisso é profissional. Somos um país com fortes tendências burocráticas, sem hábitos de avaliação. O facilitismo e o corporativismo não servem os interesses dos alunos e conduzem à desmotivação dos profissionais competentes. A única forma de legitimar um esforço nacional nesta área é consolidar práticas rigorosas de avaliação dos alunos, dos professores, das escolas e das políticas.
O terceiro compromisso é local. Somos um país marcado por rotinas de centralização. Mas, a pouco e pouco, fomos adquirindo consciência de que os acordos e as colaborações se definem no espaço local, em torno de projectos educativos comuns. É aqui que os princípios da autonomia e da participação ganham todo o seu sentido e pertinência. Uma instituição como a escola desempenha tanto melhor o seu papel quanto mais implantada estiver localmente.
Estes compromissos sociais, profissionais e locais implicam a definição de responsabilidades e a prestação de contas, implicam uma nova cultura de exigência e de rigor. Não alimento qualquer nostalgia pela “escola do passado”, nem advogo políticas que conduzam à diminuição do papel do Estado na educação. O mais importante é “somar presenças” e não “dividir encargos”.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
No decurso desta Semana pretendo ver escolas e ouvir pessoas. Ver e ouvir para compreender melhor a realidade educativa. Sei que não há respostas simples. Mas sei, também, que há escolas e professores notáveis, que exercem uma acção de grande profissionalismo em condições de extrema dificuldade. É urgente mostrar estas práticas,  recuperando um sentido positivo de escola e resgatando o prestígio social dos professores.
Vários são os aspectos que terei a oportunidade de referir durante a Semana. Permitam-me que enuncie, brevemente, três grandes preocupações.
Em primeiro lugar, a necessidade de assegurar uma escola básica de qualidade para todos os alunos. Nas últimas décadas democratizou-se o acesso à educação. Mas nem todos os alunos obtêm ainda uma formação de qualidade. Acusa-se muitas vezes a escola portuguesa de ser pouco selectiva e exigente, quando, na verdade, continua a existir tanto  abandono e insucesso. Mas há muitas escolas que são capazes de associar um ensino de qualidade a modelos de aprendizagem que contribuem para uma maior igualdade de oportunidades. São escolas normais, habitadas por professores responsáveis, que contam com o apoio da comunidade local. São lugares humanizados, que se ocupam dos que têm dificuldades e que estimulam cada um a ir o mais longe possível, não confundindo rigor com exclusão. Se estas escolas existem, porque é que as escolas não são todas assim?
A minha segunda preocupação diz respeito à definição de novas relações entre educação e trabalho.Uma das críticas feitas à escola é a sua incapacidade de preparar para a vida profissional. A crítica é justificada. Todos os anos há milhares de alunos que se apresentam à entrada do mercado do trabalho sem diploma e sem qualificações.  No grupo etário após os 15 anos vivem-se situações de grande vulnerabilidade. Muitos jovens não concluíram a escolaridade obrigatória. Muitos outros não trabalham, nem estudam. O processo de marginalização inicia-se na escola, continuando depois na vida social e na procura do primeiro emprego. É um dos mais graves problemas sociais do nosso país. Mas a solução não está em voltar aos modelos do passado. É preciso alargar o leque de escolhas dos jovens e assegurar-lhes a possibilidade de novas oportunidades de formação.
Finalmente, não podemos ignorar a importância da educação e da formação ao longo da vida. É esta a minha terceira preocupação.Nas sociedades do futuro aumentarão os riscos de fractura social entre os que sabem e os que não sabem. A situação é particularmente grave num país como Portugal, cuja população possui percentagens elevadas de analfabetismo e baixos níveis de qualificação. É preciso romper o ciclo da ignorância que gera mais ignorância. E instaurar práticas de cultura que criem  mais necessidades de cultura.  Tenciono olhar de perto a Educação de Adultos e ver como se podem conceber  “segundas oportunidades” de formação, que abram novas perspectivas de desenvolvimento pessoal e profissional. É uma questão decisiva, uma vez que a incerteza e a imprevisibilidade das sociedades actuais obrigam a uma adaptação permanente e à aquisição de novos conhecimentos.
Eis os temas em torno dos quais vai girar a Semana da Educação. Critica-se a escola  pelas mais diversas razões, quantas vezes contraditórias. Mas, ao mesmo tempo, exige-se-lhe a resolução de todos os problemas sociais. Pretende-se que restaure os valores e que imponha aos jovens as regras da vida social. E, na hora da verdade, são-lhe exigidas contas pelos conhecimentos que os alunos adquiriram ou não adquiriram. A escola pode muito. Mas não pode tudo. E não pode, com certeza, substituir o Estado, a sociedade e as famílias.
O que a escola sabe melhor é transmitir os conhecimentos e a cultura  e  ensinar as crianças a comunicarem e a viverem em conjunto. Concentremo-nos, pois, no essencial. Naquilo que a escola faz melhor. Com a coragem de encontrar novas formas de pensar a educação e o futuro. Há vontades e energias que é possível mobilizar. Há pessoas e experiências que são portadoras de novas culturas educativas. O debate que quero suscitar é eminentemente político, no sentido mais amplo da palavra. Não é meu desejo, nem competência, discutir opções técnicas, pedagógicas ou científicas. As questões de fundo são escolhas de sociedade, são maneiras de ver e de sentir o Portugal do século XXI.
Quis assinalar, simbolicamente, este momento com a apresentação pública de obras, que revelam a importância da cultura. À Fundação Calouste Gulbenkian, na pessoa do seu Presidente, e meu ilustre amigo, Prof. Ferrer Correia, agradeço encarecidamente a edição do livro A escola na literatura, que divulga contos e poemas de escritores portugueses.
Aos artistas Luís Camacho e José Aurélio manifesto o meu apreço pela criação do painel de azulejos que terei o gosto de oferecer às escolas e pela concepção da medalha da Presidência da República. Através da referência simbólica à literatura e à arte fica a marca da cultura e da criatividade dos portugueses.
Na preparação desta Semana sentimos, em todo o país, uma abertura e uma vontade de colaboração que faço questão de assinalar. Aos professores, aos alunos, aos pais,  às entidades públicas e privadas que têm participado, ou vão participar nesta iniciativa quero dirigir palavras de agradecimento muito sincero. São gestos que calam fundo.
Ninguém pode iludir os problemas. Ninguém pode esconder as dificuldades. Mas muitos são os progressos já feitos. Esta Semana é o contributo que o Presidente da República deseja dar para que cada um tome consciência da importância social da educação.  O meu objectivo é mobilizar esforços e apelar à responsabilidade social, promovendo a dedicação e a competência, de forma a que os portugueses tenham mais confiança na sua Escola.