Sessão Solene de Boas-Vindas na Câmara Municipal do Funchal

Funchal
22 de Março de 1998


Quero saudar vivamente todos os Funchalenses, e manifestar a minha gratidão pela recepção com que V.Exas me quiseram distinguir. Hoje sinto-me tão funchalense como vós. Para isso, não foram necessárias as palavras do Senhor Presidente da Câmara que sentidamente agradeço, nem as distinções que o município deliberou conferir-me e que tanto me sensibilizaram.
A forma como desde o início fui recebido por todos fez-me sentir “em casa”. É um prazer visitar esta bela cidade.
Mas as palavras e honras com que V.Exa me quis distinguir têm um significado claro. Elas representam a importância que os funchalenses atribuem à proximidade entre o Chefe do Estado e as populações que as Câmaras representam ao nível local. Essa é igualmente uma preocupação minha.
Procurarei estar sempre perto das populações, compreender-lhes os anseios e conhecer as necessidades, partilhar, com elas as alegrias e as Festas que secularmente marcam a sua identidade cultural.
Quero incentivar uma permanente comunicação e interacção entre os vários níveis da decisão política, e entre estes e a sociedade, na sua diversidade de grupos e de anseios.
É que a democracia não é apenas um conjunto de procedimentos: é uma corrente que deve permanentemente passar entre representantes e representados, entre instituições e comunidades, entre interesses e órgãos de decisão.
A autonomia do poder local, tornada possível pelo 25 de Abril, tornou-se ela própria elemento vital da democracia.
Este modelo surgiu em clara oposição ao centralismo histórico do Estado, que a ditadura tinha agravado. A experiência destes vinte anos forjou, em confronto com o passado, um amplo consenso sobre as virtualidades do modelo de administração descentralizada.
O insucesso de muitas das fórmulas adoptadas para a correcção de assimetrias do desenvolvimento resultou, aliás, de se ter partido do pressuposto de que o desenvolvimento podia ser concretizado através da imposição, pelos órgãos da Administração Central, de planos e investimentos, sem qualquer participação efectiva das populações interessadas.
Foi o que se verificou precisamente no nosso País.
Acredito que o reforço e o aperfeiçoamento da via descentralizadora fará mais pela harmonização e pela solidariedade do que o centralismo.
Tenho afirmado a convicção de que um sistema administrativamente descentralizado é um sistema politicamente mais justo e administrativamente mais eficaz. É importante que essa evolução do Estado prossiga com o gradualismo e consenso que as reformas profundas por vezes requerem.
O poder local tem um impacto na vida política que não pode ser menosprezado. Além da proximidade, o sistema local apela à participação das populações e nesse aspecto não pode deixar de constituir um factor de revigoramento da cidadania.
A autonomia local, regida pelos procedimentos da democracia legitimados pelo voto, permite a formação de uma opinião pública mais esclarecida e credibiliza os interlocutores locais no processo de composição de interesses entre o Estado e as comunidades.
É importante que os cidadãos participem, cada vez mais, na vida das comunidades. O trabalho autárquico, que deve desenvolver-se com total autonomia em relação a outros poderes, é uma forma nobilíssima e necessária de participação do cidadão na vida política.
Os órgãos eleitos locais não podem ficar indiferentes ou à margem dos grandes desafios civilizacionais com que estamos confrontados.
O desenvolvimento não se resume à componente do crescimento, tem que ser visto numa perspectiva de desenvolvimento sustentável.
O combate ao desenvolvimento desigual do território é provavelmente tão antigo como o próprio processo de unificação territorial. As sucessivas gerações de portugueses que se empenharam na construção da unidade de uma pátria, feita de diversidades culturais e de distintas expressões regionais, estavam também a procurar garantir, todas elas, uma maior igualdade de oportunidades.
A coesão nacional é o resultado de um combate pela composição de interesses e projectos e é também o resultado de um combate contra a discriminação e a exclusão de grupos e sectores. Um combate trava-se em simultâneo com o outro. O êxito de um depende do êxito do outro.
O combate pelo desenvolvimento exige convicção e generosidade, e exige também inteligência e coragem. Sei que na Madeira há ainda muitos problemas a resolver. Eles não podem ser nem ocultados nem desvalorizados.
Certamente que não me conformo com dualismos instalados na sociedade. Entendo que a unidade nacional exige coesão social, medidas que contrariem as assimetrias, neste caso dentro do próprio território da ilha onde nos encontramos.
Recuso-me, porém, a aceitar as dificuldades como uma fatalidade intransponível. Acredito que os problemas podem mobilizar o que os portugueses têm de melhor. É preciso aceitar com coragem os desafios, arredar querelas estéreis e mobilizar a própria sociedade para participar na procura de solução para os problemas.
É quando a sociedade está mobilizada que melhor se asseguram as oportunidades de combate às desigualdades sociais e melhor se reforça o exercício da cidadania. Por isso estou e estarei com todos os que lutam, generosa e inteligentemente, pelo desenvolvimento integrado e solidário desta terra.
Os eleitos locais têm, em Portugal, um forte protagonismo. Devem po-lo ao serviço não apenas do diagnóstico dos problemas das populações, mas também no alerta para a necessidade de serem concebidos e postos em prática planos regional e sectorialmente integrados.
Mas o combate à desigualdade de oportunidades e às assimetrias de desenvolvimento travado pelos eleitos locais exige a nível nacional uma reforma dos instrumentos postos ao seu dispor. As competências e responsabilidades dos autarcas nesse combate não se compadecem com a persistência de um enquadramento excessivamente burocratizante, pesado, moroso, arcaico. O país tem de andar depressa para vencer a tempo os desafios que tem diante de si. A burocracia nunca foi um aliado do desenvolvimento.
Estamos no limiar duma nova era. Esta não é apenas uma afirmação retórica ou de circunstância. A vontade de transformação e mudança está presente na sociedade portuguesa. Precisamos de rejuvenescer, não apenas o tecido social, repor a todo o momento a igualdade de oportunidades e a equidade. Assegurar uma efectiva liberdade de escolha. Confiar nas nossas competências e aperfeiçoá-las. Fortalecer a nossa ousadia.
Quero prestar homenagem aos funchalenses que, em condições por vezes bem duras, partilharam a construção do futuro colectivo e ajudaram a cimentar uma consciência de pertença a um todo nacional que reanima a esperança nesse futuro. Esta bela cidade ostenta com legítimo orgulho um património construído de grande valor, é bem o símbolo da capacidade de realização dos funchalenses, da sua preocupação em valorizar a herança do passado, em criar novos recursos, em animar o meio circundante e de recuperar das desvantagens da distância.
Permito-me sublinhar, a importância do trabalho feito pela Câmara na recuperação do centro histórico que em breve iremos visitar, temática que como V.Exa tão bem sabe, me é particularmente grata. Faço votos para que esse trabalho continue e que a autarquia consiga reunir as condições necessárias para recuperar o importante núcleo S.Pedro/Sta Clara.
Senhor Presidente da Câmara,
Peço-lhe, na sua qualidade de Presidente da Associação de Municípios da Madeira que transmita a todos os Senhores Presidentes da Câmara a consideração e o respeito que o Presidente da República tem pelo trabalho autárquico que desempenham. Sei que todos gostariam de me ter recebido, como V.Exa o fez, em sessão solene nos Paços do Conselho. Creio que todos compreendem que isso não seria possível no quadro desta visita com o intenso programa que já comporta.
Mas peço-lhe que seja formalmente portador de uma mensagem do Presidente da República a todos os autarcas da Associação de Municípios da Madeira. É que esta não é a visita do meu mandato à Madeira. Esta é uma das muitas visitas que conto fazer. Nunca me cansarei de percorrer Portugal de uma ponta à outra, contactando de perto as suas populações.
Sinto que essa é talvez uma das minhas mais importantes funções: estar perto das pessoas, contribuir para a coesão nacional, incentivá-las a assegurar o futuro de Portugal. Nunca me cansarei de o fazer.
Viva o Funchal!