Sessão Solene na Câmara Municipal de Beja

Beja
20 de Setembro de 1998


Agradeço as palavras que o Sr. Presidente da Câmara me dirigiu e a recepção que o município de Beja acaba de me fazer, no início desta minha breve visita ao Baixo Alentejo.
Guardo desta cidade, deste concelho, das terras alentejanas em geral, uma imagem forte, feita da extraordinária beleza da paisagem e do exemplo corajoso das suas gentes. Tenho gosto em estar aqui, Sr. Presidente, confesso-o.
Como sabe, tenho o entendimento de que as funções políticas, inclusivé as mais elevada representação, devem ser exercidas em contacto estreito com as situações e com as pessoas.
Procuro incentivar a comunicação e interacção não só entre os vários níveis da decisão política, mas também entre estes e a sociedade, na sua diversidade de grupos e de expectativas. De facto, a democracia não é apenas um conjunto de procedimentos: é uma corrente que passa entre representantes e representados, entre instituições e comunidades, entre interesses e órgãos de decisão. Por isso estou aqui, agora, com alguma demora mais do que visitas anteriores. Não tanta demora como seria certamente necessário e eu desejaria, mas prometo voltar em breve a esta região, para observar e avaliar directamente o estado de alguns projectos estruturantes do desenvolvimento da região.
Mas certamente com o tempo e atenção indispensáveis para mais de perto contactar com as manifestações da vossa cultura, de ouvir a voz profunda dos vossos anseios, e de vos apresentar uma palavra de estímulo e de solidariedade e, de manifestar apoio ao vosso trabalho, à vossa inteligência, ao vosso esforço pelo Alentejo e por Portugal.
Quero, em breves palavras (pretendo, nesta visita, ouvir e ver mais do que falar), aprofundar o sentido desta minha iniciativa e esclarecer um ponto para o qual a intervenção política do Presidente tem sido solicitada.
Em primeiro lugar, quero reafirmar que me não conformo com fatalismos, e que as dificuldades históricas do Alentejo, designadamente do Baixo Alentejo, também geraram determinação e capacidade para lutar contra elas.
Não tenho dúvidas que o combate às assimetrias e dualismos na sociedade portuguesa é um combate absolutamente crucial. Tem que ser conduzido em diversas frentes: na economia e no emprego, nas infraestruturas e na educação, na saúde e no bem-estar. Tem que ser perspectivado nacionalmente, porque sem equidade territorial a coesão nacional sai ferida de morte. Mas também tem que ser equacionado no quadro europeu, pois o espaço da Europa em que participamos é um espaço que se constrói zelando pela igualdade de oportunidades de todos os seus membros.
O combate às assimetrias é uma prioridade nacional. Não pode ser realizada de forma avulsa, respondendo às capacidades de reivindicação episodicamente afirmadas, deste ou daquele território, porque dessa forma se poderão cometer nova injustiças. Terá ainda que atender às especificidades de cada uma das áreas, com o seu tecido social próprio, as suas raízes e as suas competências criadas ao longo da história.
Creio que uma enorme capital de conhecimento foi entretanto produzido sobre o país e as suas diversidades regionais e locais. Também uma considerável experiência de lidar com essas realidades foi acumulada. Dentre ela, é justo salientar a experiência das autarquias que têm estado na primeira linha do combate ao atraso e hoje vêm ampliando as suas responsabilidades e competências efectivas.
Também a Administração Pública tem tido uma evolução, embora mais lenta, no sentido de se aproximar dos problemas no seu quadro territorial. Há todavia muitas adaptações ainda a efectuar. As realidades específicas exigem soluções ajustadas aos casos específicos.
A eficácia das políticas públicas no combate às assimetrias e dualismos depende da capacidade de resposta da Administração, que terá de ser cada vez mais desburocratizada.
A minha terceira nota resume-se numa palavra: cidadania. É um fim, porque é a alma da democracia, mas é também uma condição, porque sem cidadãos, isto é pessoas que participam, com o seu protesto mas também com a sua cooperação, com a sua crítica mas também com a sua capacidade de proposta e de realização, sem pessoas livres e autónomas o caminho do desenvolvimento é muito mais difícil.
As práticas da cidadania têm que ser rejuvenescidas. Não me canso de apelar à participação em todas as instâncias onde se pode afirmar sob novas formas a vontade soberana do povo relativamente às questões que lhe são postas.
No próximo dia 8 de Novembro, os portugueses decidirão pelo seu voto o destino de uma questão da maior relevância.
É importante que se debata, com profundidade e seriedade, e é importante que se vote.
Este é um referendo obrigatório. É a própria Constituição que impõe a realização de uma consulta directa e vinculativa ao eleitorado como condição indispensável para uma posterior actuação da Assembleia da República.
Cabe-me, como a todas as forças políticas e movimentos de cidadãos, tudo fazer para conseguir uma participação consciente, massiva e informada dos cidadãos na consulta eleitoral. Essa é uma condição de legitimação de todo o processo. Mas será também uma oportunidade para valorizar uma forma de participação tão importante para a democracia representativa e participada como é o referendo.
Não incumbe ao Presidente da República tomar posição em discussões doutrinárias a propósito de dúvidas levantadas sobre implicações jurídicas da participação eleitoral no referendo da regionalização. Nem é isso que dele se espera, tanto mais que lhe compete proceder a uma avaliação política final dos respectivos resultados. Aliás, se após a realização do referendo, subsistirem dúvidas constitucionalmente fundadas sobre as suas consequências jurídicas, o nosso Estado de Direito possui mecanismos bastantes para as resolver em definitivo.
Quero nesta visita prestar homenagem aos valores históricos - culturais e patrimoniais - desta região. Refiro-me também à paisagem, esse horizonte que o olhar percorre, único na terra portuguesa. São construções do homem. Gerações e gerações ajudaram a fazer isto que vemos, sentimos, saboreamos: os monumentos, os cantares, o artesanato, os sabores, os produtos alimentares, etc. Cruzaram influências de diversas civilizações. São uma riqueza sem par. Defender essa identidade é uma necessidade e é um orgulho para nós portugueses.
Na Europa de nações onde estamos de corpo inteiro, esse orgulho pelo nosso património valoriza-nos e sem dúvida também nos justifica.