Jantar oferecido em honra do Presidente do Uruguai, Julio Maria Sanguinetti

Palácio Nacional da Ajuda
19 de Julho de 1998


No momento em que nos honra com esta sua visita de Estado, é-me particularmente grato, em nome do Povo Português, apresentar a Vossa Excelência, bem como à comitiva que o acompanha, os mais calorosos votos de boas vindas.
Ao acolher entre nós o Presidente da República Oriental do Uruguai saúdo também o eminente estadista, homem de cultura e ilustre democrata que personifica um exemplo de coragem na luta em defesa dos direitos humanos, da democracia e da liberdade. As elevadas qualidades humanas de Vossa Excelência, o seu indefectível espírito democrático e a sua notável lucidez política, de há muito lhe granjearam o respeito e a admiração do Povo Uruguaio e da Comunidade Internacional.
Seja-me igualmente permitido realçar o especial apreço que os portugueses nutrem pelo Uruguai; sentimento que resulta não só de uma genuína admiração pelo país amigo, como também decorre do rescaldo, sempre mutuamente enriquecedor, de uma parcela de História vivida em comum.
No Uruguai, com efeito, entrecruzaram-se os caminhos de portugueses e de espanhóis, numa experiência singular que o converteu no país do Novo Mundo que porventura melhor reflecte, na sua génese moderna, as indeléveis marcas das duas matrizes ibéricas, numa síntese civilizacional de que uruguaios e portugueses tão justamente se orgulham.
Marca desde logo iniciada em princípios de 1502, quando Fernão de Noronha aporta à bela zona de Punta del Este a que chama Cabo do Bom Desejo. Logo se seguem numerosas outras expedições, designadamente as de João de Lisboa, de Estevão Froes e de João Dias de Solis, assim como a daquela grande figura de navegador português ao serviço da corôa espanhola, Fernão de Magalhães. Em 1521, Cristovão Jacques e Pero Lopes de Sousa levam a cabo a exploração da Bacia Oriental até à foz do Rio Negro.
Desde então sucedem-se ininterruptamente os exploradores portugueses que introduzem na região a economia ganadeira, misturam sangues e fundam povoações. Disso é bem vivo testemunho a Colónia do Sacramento, fundada em 1680 pelo português Manuel Lobo, venerada como berço da pátria uruguaia e presentemente património da humanidade.
Neste ano em que se comemora o quinto centenário da viagem de Vasco da Gama à Índia, apogeu da gesta dos descobrimentos portugueses, e em que Vossa Excelência nos dá a subida honra de visitar a Expo’98, torna-se acrescidamente compreensível esta minha breve evocação de algumas das figuras daqueles que, tendo enformado a nossa História comum, continuam a projectar no futuro a garantia da perenidade das relações entre os nossos dois Povos e Países.
Mas os laços que nos ligam não se circunscrevem tão somente à História e ao passado. Pelo contrário; tendo sabido encontrar no funcionamento de sociedades abertas e pluralistas o caminho adequado para o progresso dos seus Povos, o Uruguai e Portugal orgulham-se de assumir os seus compromissos com a modernidade, empenhando esforços em favor da cooperação, da justiça e da paz entre as nações. A nossa participação em diferentes missões de paz das Nações Unidas, nomeadamente em Angola e Moçambique, são disso um bem expressivo exemplo.
Por outro lado, irmanados no âmbito da Comunidade Ibero-americana, o Uruguai e Portugal dão um importante contributo para o desenvolvimento das relações entre os países que integram aquela Comunidade e para o reforço da sua projecção internacional.
Partilhamos ademais a perspectiva de que a Comunidade Ibero-americana, com base na identidade cultural que lhe é própria, deverá rasgar caminhos no sentido de uma cooperação mutuamente frutuosa nos planos político e económico, envolvendo o empenho da sociedade civil em acções que tenham reflexos directos sobre os cidadãos dos seus países.
Estou persuadido de que a Cimeira de Chefes de Estado e de Governo, a realizar-se em Outubro na cidade do Porto, irá dar um importante contributo para o reforço e aprofundamento da Comunidade Ibero-americana, tanto mais que a análise da temática em debate, “ Os desafios da Globalização e a Integração Regional “, irá permitir uma reflexão conjunta sobre alguns temas relacionados com preocupações comuns.
Vivemos com efeito um processo de acelerada globalização económica e financeira à escala mundial. Importa por conseguinte que se reforcem as nossas capacidades de resposta aos novos desafios que defrontamos, ampliando as formas de cooperação entre os nossos espaços situados em diversos continentes.
Nesta perspectiva, tanto o Uruguai como Portugal têm um papel importante a desempenhar nos diferentes enquadramentos regionais em que se inserem, respectivamente o Mercosul e a União Europeia.
Desde logo, ambos os nossos países estão empenhados, quer no alargamento do âmbito geográfico dos seus respectivos enquadramentos regionais, como também no desenvolvimento dos mecanismos de diálogo e de cooperação entre eles.
Como país com uma longa vivência histórica na América Latina, Portugal defende, com veemência, o aprofundamento do diálogo e da cooperação entre as nossas duas regiões, assim como entre a União Europeia e os Grupos do Rio e de São José. Estamos persuadidos do sucesso que, nesse sentido, irá representar a Cimeira da União Europeia/ América Latina e Caraíbas, a realizar-se no Rio de Janeiro em Junho do próximo ano.
Idêntico interesse e empenho temos também relativamente ao Continente Africano; continente que, mau grado os anos já decorridos sobre o fim da era colonial, ainda não logrou alcançar definitivamente a estabilidade e os níveis de progresso e desenvolvimento a que tem pleno direito.
Acreditamos que se impõe colocar o continente africano no tabuleiro do interesse e da atenção da comunidade internacional. Daí que tenhamos proposto a realização de uma Cimeira UE/ África, a ser concretizada no ano dois mil, tendo como principal objectivo a articulação de uma relação político/económica mais efectiva, integrada e sistemática entre a União Europeia e a África.
Estamos todos de resto conscientes de que o mundo multipolar do nosso tempo se caracteriza pela formação de grandes conjuntos, tanto políticos e económicos, como linguísticos e culturais, sendo hoje em dia cada vez mais evidente que, no contexto internacional, os países se impõem sobretudo pela afirmação da sua língua e pela riqueza da sua cultura.
A esta luz, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, uma Comunidade entre Estados livres e soberanos, alheia a modelos pré-concebidos e a congeminações hegemónicas, constitui um importante fórum de concertação político-diplomática e um privilegiado instrumento de expressão da identidade cultural dos seus sete Estados Membros espalhados nas sete partidas do Mundo.
Senhor Presidente,
A comunhão dos valores e ideais da Liberdade e da Democracia, partilhados por ambos os nossos países, incita-me a evocar aqui o drama de Timor-Leste.
Desde logo quero sublinhar que Portugal acompanha atentamente a situação na Indonésia, a qual não deixará de ter repercussões naquele território. Como em todos os processos de mudança, a transição política na Indonésia caracteriza-se por uma forte incerteza quanto ao seu sentido último, o que de nós exige, em igual medida, flexibilidade e rigor.
Flexibilidade na avaliação das propostas que possam contribuir para criar um clima de paz e de estabilidade em Timor-Leste, pondo fim à violência, às violações dos direitos cívicos e políticos, e ao sofrimento das suas populações. Entre outras medidas, urge assim uma gradual redução dos contingentes militares indonésios em Timor-Leste e a libertação de todos os prisioneiros políticos, designadamente de Xanana Gusmão.
Rigor no que diz respeito aos princípios essenciais e indispensáveis para se encontrar uma solução pacífica, digna e internacionalmente aceitável da questão timorense, assente no exercício, livre e democrático, do direito à autodeterminação do seu Povo.
Neste quadro, Portugal continuará a apoiar os esforços do Secretário-Geral das Nações Unidas, empenhando-se, com espírito construtivo, nas conversações que decorrem sob a sua égide. Simultaneamente não hesitará em redobrar a sua solidariedade para com o Povo de Timor-Leste, o qual deverá poder participar, sem restrições, na procura das fórmulas políticas mais adequadas para o seu futuro em liberdade.
Senhor Presidente,
No decurso da presente visita Estado que efectua ao meu país poderá Vossa Excelência constatar, pela observação directa das potencialidades que se oferecem, um largo campo aberto à intensificação das nossas relações bilaterais.
Aos convénios já existentes, vieram-se juntar outras iniciativas decorrentes da visita ao Uruguai de Sua Excelência o Primeiro Ministro, em Julho de 1997, designadamente a assinatura do Acordo de Promoção e Protecção Recíproca de Investimentos. Prosseguem entretanto as consultas para a celebração de outros instrumentos de cooperação, nomeadamente nas áreas do turismo, da economia, da indústria, dos transportes aéreos e da ciência e tecnologia, assim como um Acordo para se evitar a dupla tributação.
No contexto do nosso relacionamento bilateral faço uso desta oportunidade para agradecer de viva voz a Vossa Excelência o apoio dado pelo Uruguai a Portugal em diversas Organizações Internacionais, nomeadamente em Nova Iorque e Genebra, assim como para manifestar o nosso sincero reconhecimento pela hospitalidade e carinho do Povo Oriental para com a Comunidade Portuguesa que vive e labuta no Uruguai.
Como testemunho da sua gratidão, deliberou essa Comunidade erigir em Lisboa, na Avenida do Uruguai, uma estátua ao prócer da Nação Oriental, José Gervásio Artigas, monumento esse que Vossa Excelência nos concede a subida honra de amanhã inaugurar.
Peço a todos que me acompanhem num brinde pelas felicidades pessoais do Presidente da República Oriental do Uruguai e da Senhora D. Marta Sanguinetti, pela amizade entre os Povos Uruguaio e Português e pelo perene fortalecimento dos laços que a História cimentou entre os nossos dois países.