Jantar Oferecido pelo Presidente da Ucrânia

Kiev
13 de Abril de 1998


Agradeço-lhe as palavras tão amáveis que teve para comigo e para com Portugal e, sobretudo, o acolhimento tão caloroso que nos tem sido dispensado desde a nossa chega esta tarde a Kiev.
Guardava as mais gratas recordações do nosso encontro em Lisboa, quando Vossa Excelência presidiu à delegação do seu país à Cimeira da OSCE, e Vossa Excelência sabe com que empenho aceitei de imediato o seu amável convite para visitar a Ucrânia.
Esta visita reveste-se, para todos nós, de um simbolismo muito especial.
Trata-se da primeira visita que um responsável político português efectua à Ucrânia e, para mim, pessoalmente, a primeira visita que faço a um país da Europa Oriental desde a minha eleição.
Como tive ocasião de referir, logo após a minha chegada, estou certo de que esta visita marcará muito positivamente o desenvolvimento das relações entre a Ucrânia e Portugal.
A minha visita inscreve-se numa linha de continuidade no nosso relacionamento, já que nos temos empenhado, desde 1991, no reforço das nossas relações bilaterais e no estreitamento dos laços entre a Ucrânia e as instituições europeias e euro-atlânticas.
Mas a minha visita - à qual quis associar uma significativa comitiva que inclui personalidades do maior relevo na vida política, científica, cultural e económica portuguesa - exprime certamente o nosso compromisso e a nossa aposta no seu crescente desenvolvimento em todas as áreas de interesse mútuo.
Radica-se este nosso compromisso na visão que temos da Europa, enquanto espaço comum de progresso, de estabilidade e de paz, de liberdade e de democracia. Um espaço em que a solidariedade entre Estados e Nações tem de encontrar constantemente novas formas e onde se afirme a diversidade que caracteriza a realidade europeia e que constitui a nossa grande riqueza.
Quer seja nas trocas comerciais, na parceria entre empresas, no investimento, nas relações humanas e culturais, no direito e na cooperação judiciária, na cooperação científica e tecnológica, existe um largo espaço para o aprofundamento de um relacionamento mutuamente benéfico que contribua para o reforço da prosperidade e do entendimento nesse espaço europeu comum.
É esse o sentido essencial desta minha visita.
Vivemos, nos últimos dez anos, uma mudança histórica na Europa, uma mudança tão profunda quanto inesperada.
A Ucrânia, bem entendido, esteve no centro dessa extraordinária viragem e os seus cidadãos exprimiram, de forma clara e democrática, a vontade de se constituirem como um Estado soberano.
As consequências da mudança são, porém, igualmente importantes para todos os Estados europeus, e nenhum responsável político pode deixar de se empenhar na construção da nova Europa, assente nos valores comuns que definem a sua identidade.
A invenção desta nova Europa tem exigido um trabalho árduo, persistente, um trabalho que permita realizar as promessas de liberdade e de desenvolvimento económico e social num quadro de estabilidade e de segurança. Não nego as dificuldades da tarefa, mas regozijo-me pelo facto de ter sido possível caminhar de uma forma positiva, contrariando as expectativas mais pessimistas .
De entre os elementos positivos que temos que registar, distinguiria:
- o sucesso da transição dos países da Europa Central e Oriental para a democracia pluralista e para a economia de mercado, mesmo que se possam estabelecer distinções de ritmo nesses processos complexos e difíceis;
- a dinâmica do processo de integração europeia, que conseguiu avançar com uma dupla estratégia de aprofundamento, com a criação da moeda única, e de alargamento gradual aos Estados europeus que reivindicam, legitimamente, partilhar o mesmo espaço de democracia e de progresso que é a união Europeia;
- o facto de a Organização do Tratado do Atlântico Norte ter sabido articular um processo de alargamento às novas democracias da Europa central com a conclusão de acordos bilaterais com a Ucrânia e com a Rússia e a criação do Conselho de Parceria Euro-Atlântico, confirmando o seu papel indispensável na formação de uma nova arquitectura de segurança regional;
- finalmente, gostaria de salientar que foi possível evitar crises potenciais nas relações entre os Estados, assim como retrocessos significativos nos processos de transição política e económica.
A excepção trágica a esta tendência foi a guerra na ex-Jugoslávia. Mas creio que aprendemos certas lições. Na Bósnia e Herzegovina, soldados ucranianos e portugueses encontram-se integrados numa missão de paz constituída no quadro da OTAN que inclui contingentes de tantos outros membros da parceria euro-atlântica.
Continuaremos todos empenhados, estou certo, na criação de condições que permitam, não apenas a continuada cessação de hostilidades naquele martirizado país, mas a convivência verdadeiramente pacífica entre as diferentes comunidades e culturas, a reconstrução económica, o regresso dos refugiados, a estabilidade política, em suma, as condições da paz.
É evidente a necessidade dos Estados europeus assumirem uma crescente e efectiva responsabilidade na garantia da segurança regional, assim como definirem de forma mais precisa os interesses europeus. Só assim poderemos antecipar riscos e ameaças e agir preventivamente.
Neste sentido deverá ser prosseguido, com a União da Europa Ocidental e no quadro da Organização do Tratado do Atlântico Norte, o desenvolvimento da Identidade Europeia de Defesa e Segurança, que encaramos como um factor indispensável e acrescido de estabilidade e de reforço da cooperação europeia.
Todos reconhecem a importância decisiva da Ucrânia para a construção da nova Europa, assim como a forma responsável e esclarecida como os seus dirigentes souberam combinar a defesa dos interesses nacionais com os imperativos da segurança regional.
Neste contexto, quero sublinhar a relevância do programa de desnuclearização militar. A renúncia da Ucrânia às armas nucleares é um caso exemplar, que merece o respeito de toda a comunidade internacional, e ao qual terá de corresponder um empenho recíproco na garantia da sua independência e integridade territorial.
De igual modo desejo realçar o alcance dos acordos concluídos entre a Ucrânia e a Rússia, que constituem parte integrante do quadro emergente de segurança regional. A resolução dos problemas bilaterais e o desenvolvimento das relações entre os dois países são, efectivamente, uma das chaves da estabilidade europeia, e não posso deixar, neste sentido, de me regozijar pelo sucesso da visita que Vossa Excelência efectuou recentemente a Moscovo.
Como dizia, Senhor Presidente, a importância política da Ucrânia para a construção da nova Europa é, para todos, evidente. Esse facto tem de ser traduzido, de modo eficaz, em termos do relacionamento da União Europeia e das restantes organizações europeias e euro-atlânticas com a Ucrânia, assim como no reforço das suas relações bilaterais com os restantes Estados europeus, incluindo, naturalmente, o relacionamento entre os nossos dois países.
É necessário consolidar os instrumentos de cooperação existentes, aprofundar o entendimento recíproco, abrir novas vias, novas formas e novas áreas para o reforço dessas relações, demonstrar capacidade política e visão estratégica.
Será este, seguramente, o caminho da Europa que desejamos; uma Europa que não se circunscreve nem se esgota em visões tecnocráticas e economicistas, mas que é, antes de mais, um projecto político aglutinador, baseado em valores e em princípios.
Entre esses valores que partilhamos avulta o respeito pelos direitos humanos.
O respeito pela pessoa humana, pela vida, pela dignidade de cada um, pelos seus direitos inalienáveis, a rejeição da violência individual ou organizada, são princípios essenciais da nossa maneira de estar no Mundo, do nosso humanismo.
São princípios e direitos que têm de ser defendidos sem transigências, procurando-se incessantemente a sua valorização e protecção tanto no enquadramento legal das nossas sociedades como nas práticas das nossas administrações.
A defesa dos direitos humanos e do direito internacional são, certamente, um marco da nossa identidade internacional, e como tal têm de ser valorizados.
Neste contexto, permita-me que refira a questão de Timor-Leste, onde uma comunidade mártir, submetida a um regime de ocupação ilegal e brutal, luta há tantos anos pelo reconhecimento dos seus direitos fundamentais.
Nesta trágica questão, Portugal move-se apenas pela defesa dos direitos dos timorenses, pelo seu direito à autodeterminação, exercido em condições livres e democráticas.
No respeito por estes princípios, continuamos empenhados na procura de uma solução justa e pacífica para a questão timorense, no quadro das conversações que decorrem sob a égide do Secretário-Geral das Nações Unidas.
Referia há pouco o nosso empenho no reforço da cooperação bilateral entre os nossos dois países.
Os empresários que me acompanham, responsáveis por sectores importantes e diversificados da economia portuguesa, terão, durante esta visita, ocasião para estabelecer contactos, para reforçar conhecimentos e concretizar novos projectos, para trocar experiências, para apontar, em suma, vias de uma mais alargada cooperação futura.
De igual modo acompanham-me personalidades eminentes da ciência e da investigação portuguesas, expressão concreta da nossa disponibilidade e interesse para reforçarmos as nossas relações neste sector tão importante para o progresso das nossas sociedades.
Existem já manifestações concretas da cooperação nesta área, que é nosso desejo desenvolver e aprofundar. É neste contexto que terá ser vista a minha visita a Chernobyl e a decisão do Governo Português de contribuir para o fundo internacional de apoio à reconversão do sector nuclear ucraniano.
Poder-se-ia dizer, à partida, que tudo pareceria separar a Ucrânia e Portugal, excepto as afinidades que resultam do facto de sermos, respectivamente, a fronteira oriental e ocidental da Europa.
Unem-nos, todavia, os valores essenciais de defesa da paz e da liberdade, o nosso firme empenho na construção de uma nova Europa, cujas fronteiras devem coincidir com as fronteiras da democracia.
Gostaria, Senhor Presidente, que este nosso encontro marcasse um passo na superação das velhas divisões históricas e simbolizasse a aliança das democracias europeias.
É com a sincera esperança de poder acolher Vossa Excelência a breve trecho em Portugal que peço a todos que me acompanhem num brinde pelo bem-estar pessoal do Presidente e da Senhora Kuchma, pela prosperidade crescente da Ucrânia, e pelo estreitamento das relações entre os nossos dois países.