Sessão de Abertura da Conferência "O Euro e a Política Económica Portuguesa"

Feira Internacional de Lisboa
05 de Maio de 1998


Esta Conferência não pode deixar de ser, para além dos seus méritos e propósitos específicos, um momento de congratulação. Pela criação da União Económica e Monetária, que nasceu formalmente nas importantes reuniões europeias do último fim-de-semana, e pela forma como Portugal soube construir as condições para se tornar, de pleno direito, um dos países fundadores do Euro.
Gostaria de envolver, nesta palavra de congratulação, não apenas os que sempre se bateram pela moeda única e pela plena participação portuguesa, mas também os que puseram em evidência os seus riscos e os que defenderam outros caminhos. Esses contributos foram fundamentais para enriquecer o debate e enobrecem o resultado positivo que hoje celebramos, porque a contradição é um elemento essencial da democracia e da livre escolha que a fundamenta. Sem essa riqueza de pontos de vista, que devemos continuar a encorajar e proteger, estaremos a minar a nossa capacidade colectiva para compreender e preparar o futuro.
Há vários elementos nesta caminhada para o Euro que me parece especialmente adequado sublinhar aqui, numa perspectiva estritamente nacional. Em primeiro lugar, é importante recordar que se tratava de um objectivo muito exigente, de modo algum adquirido à partida. Portugal cumpriu os objectivos e cumpriu-os com uma margem considerável, que passa a constituir uma reserva de grande importância para o próximo futuro. O êxito do processo de ajustamento nominal, traduzido no cumprimento dos chamados critérios de convergência e na consequente participação no Euro, não impediu um elevado grau de convergência real em relação à média das economias europeias e deixou o País mais preparado para se adaptar às condições de gestão da política económica que, mais tarde ou mais cedo, teria de enfrentar no âmbito da União. E permitiu-lhe chegar a este período crucial da vida europeia numa posição de afirmação plena, essencial para manter o País no núcleo central do processo de integração. O esforço valeu, portanto, a pena e espero que o tempo se encarregue de tornar este juízo cada vez mais evidente.
É certo que se verificaram condições conjunturais favoráveis, que permitiram minimizar os custos previstos, mas o essencial ficou a dever-se a um factor que também quero agora evidenciar: a visão estratégica, a perseverança, a determinação com que vários governos e duas maiorias distintas mantiveram este objectivo como primeira prioridade nacional. A continuidade estratégica que tem marcado o projecto europeu de Portugal é um sinal de maturidade do regime democrático e um património político de inestimável valor, que temos a obrigação de saber preservar no complexo quadro de negociações que irá marcar a evolução da União Europeia no próximo quinquénio.
A criação da União Económica e Monetária não é um simples fenómeno regional: representa uma profunda mudança histórica, com repercussões planetárias, cuja extensão está ainda por determinar. É um facto novo, que irá mudar estruturalmente a Europa e a sua relação com o Mundo. O Euro é o símbolo de um novo ciclo da construção europeia, iniciado com a segunda unificação da Alemanha. Esse ciclo está apenas no início.
E a combinação da União Monetária com o alargamento a Leste vai alterar definitivamente a natureza, os objectivos, a organização institucional e as políticas da União Europeia.
Está em curso um verdadeiro programa de refundação da Europa comunitária, cuja negociação, iniciada com a apresentação da chamada "Agenda 2000", irá marcar os anos mais próximos. A organização e desenvolvimento desta negociação global é provavelmente a mais importante questão estratégica que se coloca de imediato aos Portugueses, porque irá fixar por muitos anos os termos da relação de Portugal com a União Europeia e, por consequência, algumas das condições básicas do desenvolvimento do País a longo prazo.
Parece-me oportuno repetir aqui um ponto que nos deve merecer reflexão: para todos os estados-membros, mas sobretudo para os de menor dimensão, este é um momento decisivo, irrepetível, em que o poder relativo herdado do passado representa ainda um activo disponível para negociar as condições de integração futura.
Temos o dever de organizar esta negociação com os nossos melhores recursos e o mais elevado sentido nacional, o que impõe, entre outras condições, uma permanente concertação de esforços entre os agentes políticos, económicos e sociais, no âmbito da sua esfera própria de responsabilidades. Como tive ocasião de afirmar recentemente, perante o que está em causa ninguém deverá constituir-se em mero espectador ou pretender capitalizar sobre as dificuldades que seguramente iremos encontrar.
Esta ideia é, a meu ver, essencial para o futuro. Porque, como todos sabemos, o nascimento do Euro é apenas, para a Europa e para cada um dos seus Estados, o início de um longo e difícil processo. Está a fechar-se o ciclo da convergência nominal. Vai iniciar-se o ciclo da credibilização e sustentação de uma União Económica e Monetária que não tem, com estas características, qualquer precedente histórico. O Euro não é, por isso, o fim de nada, mas o princípio de tudo. A partir de agora, as regras da disciplina macro-económica ficam traçadas como um pressuposto, consagrado no exigente Pacto de Estabilidade e Crescimento.
Cabe-nos a enorme responsabilidade de criar condições para as cumprir sem rupturas perigosas e com o espírito de ajustamento positivo que caracterizou a convergência nominal.
Esse espírito conduz-nos, uma vez mais, à inseparável relação entre a mudança induzida do exterior, representada, simplificadamente, no chamado desafio europeu, e a mudança interna que esse desafio implica.
O próximo ciclo de mudança continuará a exigir ao conjunto da sociedade civil um importante esforço de adaptação. Mas creio que é hoje consensual reconhecer, como faz o senhor Ministro das Finanças no próprio texto que convoca esta Conferência, que a grande pressão de ajustamento, decorrente da união monetária, recairá agora sobre a gestão das Finanças Públicas e, portanto, sobre o Estado e os seus grandes sistemas administrativos: a Saúde, a Educação, a Justiça, a Segurança Social e, obviamente, o Sistema Fiscal, para citar apenas os mais óbvios.
Sei - sabemos todos - que se trata de reformas muito difíceis. Não será razoável encará-las sem um consenso político básico, indispensável para assegurar a sua viabilidade imediata e, tão importante como isso, a continuidade e estabilidade do seu conteúdo essencial. Estou à disposição para tudo fazer, no que for julgado útil, para facilitar esse consenso. Mas é preciso, sobretudo, não desistir de mudar, em tempo útil e com o nosso próprio ritmo, aproveitando os graus de liberdade que justamente soubémos conquistar na gestão da convergência nominal. Sejamos uma vez mais, positivos.
Estas reformas não devem ser encaradas como um incómodo constrangimento, mas como uma oportunidade. Uma grande oportunidade de satisfazer algumas das maiores e mais antigas aspirações de mudança dos Portugueses, em áreas decisivas para a construção de um Estado moderno e que envolvem directamente a justiça social e a qualidade de vida dos cidadãos.
O mérito com que acaba de se atingir um importante objectivo nacional não pode impedir-nos de encarar com urgência e realismo o exigente programa que nos espera. Os bons momentos, como o que agora celebramos, são as melhores ocasiões para pensar e preparar o futuro. O que há a fazer, interna e externamente, é difícil e requer trabalho árduo. Temos hoje o tempo, as capacidades e os recursos essenciais para chegar, uma vez mais a bom porto, com a necessária tranquilidade. Toda a esperança é, pois, legítima. Estou seguro de que o futuro próximo nos trará novas razões para ter orgulho na capacidade de realização de Portugal e dos Portugueses.