Jantar oferecido pelo Presidente da República Federal Alemã (Visita de Estado à Alemanha)

Berlim
22 de Junho de 1998


Desejo agradecer a Vossa Excelência as suas tão amáveis palavras, assim como o caloroso acolhimento dispensado a minha Mulher, à minha comitiva e a mim próprio desde que chegámos a esta magnífica cidade, no início de uma visita de Estado à República Federal da Alemanha.
Foi com um grato prazer que aceitei o convite de Vossa Excelência para efectuar esta visita que não deixará de reforçar os laços que unem os nossos dois países, e de realçar o nosso comum empenhamento na construção europeia.
Não esqueço o gesto, tão amável, de Vossa Excelência, ao deslocar-se a Lisboa para assistir à minha tomada de posse como Presidente da República, tal como nos calou fundo a sua disponibilidade para participar na inauguração oficial da EXPO 98, não apenas enquanto Chefe de Estado de um grande país estreitamente ligado ao meu, mas também como o Amigo que Vossa Excelência é de Portugal e dos portugueses.
São gestos, Excelência, que assinalam bem as relações particulares que se estabeleceram entre a Alemanha e Portugal, especialmente no seguimento da revolução portuguesa de 25 de Abril de 1974, cujo sentido profundo foi tão bem compreendido pelos responsáveis políticos alemães, que não nos regatearam apoios morais e materiais para a consolidação da nossa democracia nem a solidariedade política que permitiu a nossa reintegração completa na Europa.
São memórias e reconhecimentos que perduram entre nós.
Conhecemo-nos, alemães e portugueses, de há muito, e a Alemanha constitui uma presença constante na nossa História. Cruzados alemães participaram na conquista de Lisboa pelo nosso primeiro rei, dos quais Henrique de Bona, imortalizado por Camões nos “Lusíadas”, jaz na igreja lisboeta de São Vicente; a expansão marítima portuguesa encontrou nas cidades hanseáticas o parceiro indispensável para um intercâmbio mutuamente profícuo, não apenas comercial, mas também cultural, como o atesta o conhecimento de Durer e de outros mestres alemães no Portugal de quinhentos; portugueses estabeleceram-se então em Hamburgo, constituindo a activa “Natio Lusitana”, tal como comerciantes alemães se instalaram em Lisboa.
O Conde de Lippe reorganizou o exército português no século XVIIi Johann Ludwig traçou o convento de Mafra, D. Fernando de Saxe-Coburgo marcou o panorama artístico português da segunda metade do século passado, Carolina Michaelis dedicou a sua vida à filologia portuguesa.
Viana da Motta, discípulo dilecto de Lizt e grande musicólogo e pedadogo, teve a sua residência principal em Berlim durante cerca de 25 anos, assim como o pintor Mário Eloy aqui viveu e aqui expôs as suas obras no final dos anos vinte, juntamente com os melhores pintores europeus da sua época, tal como o fez Sousa Cardoso.
Cito apenas alguns, Senhor Presidente, de tantos alemães ilustres que se interessaram por Portugal, e de tantos portugueses que se interessaram pela Alemanha. Apesar da distância geográfica, das conjunturas políticas, dos circunstancialismos da mais diversa natureza, da nacionalidade, creio que todos eles tinham em comum a consciência de partilharem um mesmo espaço, os mesmos valores, uma mesma matriz cultural.
Conhecemos, alemães e portugueses, as perversões totalitárias, a negação da liberdade e da justiça, o partido único e a opressão. Soubemos, naturalmente em momentos históricos bem diferentes, reencontrarmo-nos com a democracia e suplantar as consequências desses nefastos períodos das nossas Histórias, restabelecendo o primado dos valores, da liberdade, da Justiça, da paz e da solidariedade.
São estes os valores perenes que nos norteiam, alemães e portugueses, na prossecução do projecto europeu em que nos encontramos todos empenhados.
Um projecto que visa garantir aos europeus um espaço de prosperidade crescente, de desenvolvimento harmónico das diferentes regiões da Europa, de paz, de estabilidade democrática, de solidariedade, de afirmação constante da diversidade cultural e humana que constitui uma das suas inegáveis riquezas.
Mau grado todas as profecias contrárias, respeitamos os calendários previstos para a terceira fase da União Económica e Monetária e lançámos, com sucesso, a moeda única europeia.
Portugal orgulha-se de ter cumprido, escrupulosamente, todos os critérios necessários, o que lhe permitirá participar, de forma activa, neste novo ciclo da construção europeia, e estamos apostados, com idêntico rigôr, em garantir o sucesso de uma moeda europeia forte.
Somos hoje um país moderno que conseguiu, em larga medida, ultrapassar os atrasos estruturais herdados do passado. Beneficiámos, é certo, das políticas estruturais comunitárias, mas o processo de modernização da nossa economia não teria sido possível sem os nossos próprios esforços, sem a mobilização considerável das nossas capacidades nacionais. Tal como não teria sido possível sem um largo consenso político, o apoio - mesmo por vezes crítico - das correntes de opinião, o empenho dos agentes económicos e sociais e a sua disponibilidade para compreender e aceitar os sacrifícios necessários.
Não atingimos ainda os níveis de prosperidade comparáveis aos dos países mais desenvolvidos da Europa. Continuamos a ter deficiências em termos de infraestruturas, de educação, de formação profissional e de produtividade nalguns sectores.
Mas vamos continuar a trabalhar, com a mesma seriedade e rigôr, confiantes de que se manterão, como até aqui, as condições indispensáveis para que possamos prosseguir o nosso esforço de convergência efectiva com as economias mais desenvolvidas do espaço europeu.
Apoiados no sólido consenso político que existe em Portugal relativamente à construção europeia e com a solidariedade dos nossos parceiros, estou certo que encontraremos as soluções eficazes que nos permitirão fazer face, com sucesso, aos desafios deste nova fase do processo de integração europeia.
A Europa encontra-se, hoje, numa encruzilhada, confrontada com a necessidade imperativa de alargar as suas fronteiras institucionais às fronteiras da liberdade e da democracia e com a exigência de aprofundar constantemente o seu processo de integração. Tratam-se de duas vertentes inseparáveis de um mesmo projecto.
Vivemos, nesta década, transformações tão rápidas quanto impensáveis alguns anos antes, alterando as nossas concepções e os nossos pressupostos. A unificação da Alemanha marcou, simbolicamente, o fim de uma era de afrontamentos ideológicos sucessivos entre a democracia e os totalitarismos, abrindo caminho para a criação de um grande espaço de liberdade, de desenvolvimento e de realização do ideal europeu.
Portugal apoiou sempre, sem hesitações, as legítimas aspirações dos países democráticos da Europa central e oriental que desejam partilhar esse espaço. Por razões históricas, compreendemos particularmente bem tais aspirações; também para Portugal, a adesão à Comunidade Europeia foi um factor insubstituível de convergência entre a estabilização do regime democrático e o nosso reencontro com a Europa. É, assim, para nós evidente que os países candidatos terão de beneficiar da mesma solidariedade que nos foi manifestada a partir de 1974.
Mas o alargamento não se poderá transformar num elemento de dissolução do projecto europeu, fragilizando o nível de integração já atingido ou afectando o grau de coesão económica e social entre os Estados da União. Se assim acontecesse, seriam os novos Estados-membros que se sentiriam desiludidos, já que teriam aderido a uma Europa diferente daquela a que sentiram vocação para pertencer.
Temos o dever de analisar as vias conducentes a um aumento da nossa integração política, sobretudo após a criação da moeda única, por forma a garantir as condições de coesão no espaço europeu, o reforço da transparência democrática, assim como uma melhor projecção da nossa identidade própria na cena internacional.
A Europa tem de assumir responsabilidades acrescidas na defesa dos seus interesses comuns, reforçando a paz e a estabilidade internacionais. Temos responsabilidade específicas relativamente à Rússia, à Ucrânia, ao Mediterrâneo, ao Médio Oriente, parceiros e vizinhos próximos, de cujo progresso e estabilidade depende, em larga medida, a nossa própria segurança.
Temos igualmente responsabilidades particulares em relação à África e à América Latina, e só me posso regozijar pelo facto de se avançar na realização das cimeiras entre a Europa e esses continentes, a que nos unem laços tão antigos como profundos.
Do estreitamento consequente das nossas relações com os espaços que nos circundam depende, afinal, a própria credibilidade do projecto europeu. Essa credibilidade depende igualmente da constante valorização do direito internacional e dos direitos humanos na consolidação da nossa política externa comum.
Permita-me, Excelência, que refira, neste contexto, a questão de Timor-Leste e a necessidade do empenho activo da União na defesa dos direitos de uma comunidade mártir, submetida a um regime de ocupação ilegal e brutal.
Move-nos, apenas, a defesa dos direitos dos Timorenses, de todos os seus direitos. Continuaremos empenhados, com o apoio dos nossos amigos, parceiros e aliados, na procura de uma solução pacífica e democrática para a questão timorense, no quadro das conversações que decorrem sob a égide do Secretário-Geral das Nações Unidas.
Terei a grata oportunidade, com os que me acompanham, de visitar vários Estados deste grande país, finalmente unido após décadas de separação artificial, que estão na memória de todos nós.
As relações entre os nossos dois países têm-se desenvolvido constantemente nos últimos anos, nos mais variados domínios.
A Alemanha é o primeiro destino das exportações portuguesas e o nosso segundo fornecedor, assumindo um papel particularmente destacado em termos do investimento estrangeiro no meu país. Os nossos laços culturais, o conhecimento recíproco entre os nossos povos, têm-se reforçado de forma crescente.
Esta minha visita à Alemanha, acompanhado por uma delegação tão significativa, que inclúi vários membros do Governo, representantes de todos os partidos políticos com assento no nosso Parlamento, personalidades destacadas do mundo cultural e artístico, responsáveis de algumas das maiores empresas portuguesas, atesta o nosso empenho no aprofundamento das nossas relações, a todos os níveis e em todas as áreas.
Sei que este desejo é partilhado por Vossa Excelência e pelos responsáveis alemães.
Peço a todos que me acompanhem num brinde pelas felicidades pessoais do Presidente e da Senhora Herzog, pelo progresso crescente do povo alemão e por uma Europa cada vez mais próspera, solidária e coesa.