Jantar oferecido pelo Rei Hassan II (Visita de Estado a Marrocos)

Rabat
14 de Maio de 1998


Desejo, antes de mais, agradecer a Vossa Majestade as palavras tão amáveis que teve para comigo e para com o país que aqui represento.
Agradeço-lhe, também, e às autoridades marroquinas, o acolhimento caloroso com que nos têm rodeado desde a nossa chegada a Marrocos. Um agradecimento sentido que é partilhado por todos quantos me acompanham: membros do Governo, parlamentares, personalidades políticas, investigadores e empresários.
A minha visita, por sugestão pessoal de Vossa Majestade, ocorre num momento particularmente importante para a História desta grande nação, um momento em que, num quadro de pluralismo ideológico e partidário, se concretiza uma alternância democrática em termos governamentais e se mobilizam novas forças e novas capacidades para fazer face aos desafios que se colocam à sociedade marroquina.
Desafios estes que nós próprios temos também, em Portugal, que enfrentar: promover o desenvolvimento económico e social num contexto internacional marcado pela globalização, aumentar a competitividade do sector produtivo, atacar as raízes do desemprego estrutural, diminuir as assimetrias regionais, fazer face, de forma eficaz, ao drama da toxicodependência e às novas e antigas formas de marginalização social, em suma, garantir as condições do progresso e da estabilidade democrática.
O tão amável convite de Vossa Majestade para que efectuasse esta minha visita neste momento, formulado aquando Vossa Majestade me recebeu em Setembro passado, reveste-se de um particular simbolismo no contexto das relações sólidas e confiantes que existem entre o Reino de Marrocos e Portugal.
O gesto de Vossa Majestade, e a distinção que me foi feita esta tarde, quando me dirigi aos membros do Parlamento marroquino, calaram-nos fundo e constituem uma honra muito particular para Portugal e para os portugueses.
Permita-me que refira igualmente quão honroso é para nós o facto de Vossa Majestade ter acedido ao meu convite para participar, dentro de alguns dias, na inauguração da EXPO 98 em Lisboa, dedicada aos Oceanos, património comum da Humanidade.
Mas a EXPO será, sobretudo, um vasto espaço de encontro e de diálogo, de reforço do conhecimento mútuo, do entendimento entre os povos e da solidariedade entre as nações, neste ano em que comemoramos a epopeia dos descobrimentos.
Conhecemo-nos, marroquinos e portugueses, há longos séculos e em Marrocos e Portugal perduram as manifestações dessa presença recíproca. Encontrámo-nos constantemente nas encruzilhadas da História, mas não vivemos, em tantas delas, a proximidade que a nossa vizinhança certamente aconselhava.
Tudo isto é bem conhecido, como conhecidas são as razões do distanciamento mútuo e até do antagonismo do passado.
Que me seja permitida uma palavra de admiração e estímulo para todos quantos, historiadores marroquinos e portugueses, investigadores da realidade política, cultural e social do encontro das nossas civilizações, têm permitido que tenhamos hoje uma visão mais esclarecida sobre o assunto, uma visão informada e livre de preconceitos.
Ligados pela História e pela cultura, pela proximidade geográfica, por este mar que é matriz da nossa vivência comum, marroquinos e portugueses reencontram-se hoje de uma forma aberta, fazendo jus ao relacionamento estreito que a nossa vizinhança determina.
Reunir-se-á este ano, pela quarta vez, a Cimeira Luso-Marroquina, poderoso instrumento de dinamização de uma cooperação profícua e multifacetada entre os nossos dois países. O facto de os Chefes de Governo dos dois países se encontrarem anualmente, rodeados dos responsáveis pelos principais departamentos ministeriais, sublinha a singularidade das nossas relações e o nosso comum empenho no seu constante desenvolvimento.
A minha visita, acompanhado de uma delegação tão significativa de personalidades do maior relevo na vida política, cultural e económica portuguesa, atesta, antes de mais, esse compromisso e esse empenhamento de Portugal no reforço constante das nossas relações bilaterais e da nossa concertação mútua em todos as áreas de interesse para os nossos dois países.
Terei a grata oportunidade, durante esta minha estadia, de visitar alguns projectos económicos luso-marroquinos que demonstram bem as potencialidades conjuntas e o dinamismo dos empresários de um e outro país, que nos cabe promover e constantemente encorajar.
Embora não tenhamos ainda atingido as possibilidades que um e outro país oferecem, as nossas trocas comerciais continuam a aumentar de modo animador.
Temos certamente que fazer um esforço acrescido no domínio cultural, na preservação do património histórico comum, no reforço da cooperação científica e tecnológica, no conhecimento mútuo mais estreito entre os nossos investigadores, cientistas e criadores culturais, entre os nossos autarcas, as nossas associações de interesses, numa palavra, entre as nossas sociedades civis.
Num mundo marcado por dramáticos conflitos e rivalidades, por desequilíbrios e antagonismos, só o diálogo entre culturas, países, povos e religiões, pode preparar e abrir um futuro de esperança à Humanidade. Só um verdadeiro diálogo entre civilizações poderá permitir pôr fim à intolerância, à exclusão, ao fanatismo e à ignorância.
Um diálogo que respeite a identidade própria de cada uma e de todas as culturas, que ponha em evidência o conjunto de valores, expressos em direitos fundamentais, que são universais e invioláveis por inerentes à condição humana.
Só esse conhecimento mútuo, despido de preconceitos, permitirá combater eficazmente a xenofobia e o racismo, manifestações inaceitáveis e intrinsecamente violentas de um espírito de intolerância retrógrado.
Portugal é um país europeu cuja situação geográfica ímpar lhe permitiu ser lugar de encontro de culturas e influências, de abertura ao Mundo. Por estas razões, recusaremos sempre uma Europa fechada sobre si mesma, uma Europa que não seja espaço de solidariedade e de abertura às outras regiões do globo.
Majestade,
O reforço natural da cooperação entre os nossos dois países foi apenas possível por Portugal se ter reencontrado com a democracia após 25 de Abril de 1974. Com a liberdade, retomámos a nossa genuína tradição humanista e universalista.
A democracia abriu-nos novamente ao Mundo e permitiu a nossa plena inserção no continente que é o nosso, nesse espaço de democracia e de progresso representado pela União Europeia.
Conseguimos nestes últimos onze anos ultrapassar largamente um atraso estrutural herdado de uma economia fechada. A abertura da nossa economia, a sua reconversão sob a pressão da globalização, têm tido, naturalmente os seus custos e acarretaram sacrifícios.
Mas soubemos cumprir, dentro dos prazos estipulados, todas as condições para estarmos entre os fundadores da moeda única e iniciarmos, com confiança, este novo ciclo da integração europeia.
O alargamento da União constitui, sem dúvida, o passo seguinte e indispensável da construção europeia. Sempre defendemos, sem hesitações, as legítimas aspirações de quantos desejavam partilhar este mesmo espaço de liberdade e de democracia, de progresso, de paz e de segurança.
A nossa própria experiência não nos teria permitido outra atitude.
Mas o alargamento necessário e inevitável das fronteiras institucionais da União Europeia não nos faz esquecer as responsabilidades particulares que temos para com os nossos vizinhos directos, e a necessidade de promovermos o desenvolvimento harmonioso e equilibrado de um espaço que transcende as fronteiras da União.
A Europa está indissociavelmente ligada à Bacia Mediterrânica, mar comum e ponto de encontro de civilizações. A sua estabilidade, o seu progresso interessam, por igual, às duas margens. É indispensável dar corpo a uma solidariedade multifacetada e sempre renovada nesta vasta área, sob pena de aumentarmos frustrações compreensíveis e de afectarmos a nossa própria credibilidade externa.
Portugal, como Vossa Majestade bem sabe, permanece fiel a estes objectivos e continuaremos a propugnar activamente, nas instâncias apropriadas, por um aprofundamento constante destas relações.
O processo de Barcelona tem de ser desenvolvido, dinamizado, tem de corresponder às expectativas legítimas dos nossos parceiros, consolidando um espaço de estabilidade, de desenvolvimento sustentado, de progresso económico e social, de bem-estar crescente.
A efectiva parceria que desejamos com os nosso parceiros mediterrânicos não pode ficar refém de factores exógenos, de critérios de mera oportunidade, de abordagens burocráticas, de circunstancialismos.
Trata-se de um desígnio político e como tal tem de ser encarado e tratado.
Temos também de lamentar o continuado impasse que se verifica no processo de paz no Médio Oriente, após as esperanças que depositámos todos nos acordos concluídos em Oslo quanto ao dealbar de uma nova era de paz e de prosperidade para todos os povos da região.
Vossa Majestade tem dado um contributo ímpar para este processo e o seu conselho, baseado num conhecimento único das circunstâncias, na sua experiência e sabedoria, é universalmente respeitado. Espero que a sua palavra de paz se continue a fazer ouvir e que seja escutada como deve.
Não podemos deixar esmorecer a esperança nem poderão recuar os esforços para construir a paz.
O processo de Oslo é irreversível. Trata-se de realidade que tem de ser integralmente compreendida por todos os responsáveis políticos do Médio Oriente, que têm de retomar, com o sentimento de urgência exigido, as vias da cooperação e da convivência pacífica, no respeito pelos acordos concluídos, sem subterfúgios nem dilações.
Na África sub-sahariana assistimos a profundas transformações que, todos o desejamos, se espera venham conduzir ao fortalecimento da paz, da estabilidade e do progresso.
Que me seja permitida aqui uma palavra de apreço sincero pela acção pessoal de Vossa Majestade em prol da paz e do entendimento entre irmãos desavindos na África Austral, região a que o meu país está tão intimamente ligado.
Portugal continua activamente empenhado na implementação do processo de paz em Angola e esperamos que a tomada de posse do Governo de Unidade e Reconciliação Nacional, a que tive o privilégio de assistir em Luanda, corresponda a um virar de página definitivo, fazendo jus a todas as esperanças depositadas num acto de tão particular significado.
É, no entanto, indispensável e urgente que todas as disposições dos acordos de Lusaca sejam cumpridas, permitindo, assim, que a paz e a concórdia venham a ser finalmente uma realidade.
Vossa Majestade conhece, como poucos, as complexidades deste processo e sei que poderemos continuar a contar com o seu conselho avisado junto das partes directamente envolvidas a favor de uma efectiva reconciliação nacional neste tão martirizado país.
Majestade,
Continuamos a assistir a conflitos que se arrastam há décadas, aos horrores do fanatismo, à miséria e à fome, à violação dos mais elementares direitos do Homem em tantas regiões do globo.
Temos de valorizar, constantemente, a defesa do direito internacional e dos direitos humanos como marco intransponível da convivência internacional.
Como Vossa Majestade tão bem expressou no discurso da Festa do Trono, a legalidade internacional terá de se impôr, já que dela depende, afinal, a paz e a estabilidade das relações entre os povos.
Gostaria, neste contexto, de referir a situação em Timor-Leste. Portugal tem apenas um único interesse nesta questão: a defesa dos direitos dos Timorenses, a cessação da opressão e das intoleráveis violações dos direitos humanos que se continuam a verificar no Território. No respeito por estes princípios, continuamos empenhados, de forma construtiva, na procura de uma solução pacífica e democrática da questão timorense, no quadro das conversações que decorrem sob a égide do Secretário-Geral das Nações Unidas.
Aos nossos amigos, a todos aqueles que partilham connosco dos mesmos ideias de Justiça e de Liberdade, aqueles Estados que têm relações mais estreitas com a Indonésia, pedimos apenas o seu apoio para a resolução de uma causa que responsabiliza a Comunidade Internacional no seu conjunto.
Majestade,
Como já referi, visito Marrocos num momento particularmente significativo para a sua História.
Esta visita permite-me conhecer melhor a sua realidade, tão rica e diversa, fortalecer laços pessoais e estabelecer novos conhecimentos, partilhar experiências e esperanças, tratar, com a franqueza que a verdadeira amizade permite, problemas e preocupações comuns, em suma, reiterar o nosso empenho no reforço permanente das nossas relações.
Vossa Majestade terá sempre em mim um sincero defensor deste objectivo.
Marrocos é um país aberto à modernidade, ao progresso, um exemplo de tolerância e de debate de ideias e de projectos, de pluralismo político e partidário.
Durante os últimos anos, verificaram-se em Marrocos progressos assinaláveis: o controlo do défice orçamental, a consolidação dos equilíbrios internos e externos, uma evolução positiva das trocas comerciais, um aumento apreciável do investimento estrangeiro, uma inflexão positiva da dívida externa. Estou certo de que esta tendência e continuará a consolidar.
Os marroquinos têm no seu Rei uma figura internacional prestigiada e respeitada, cujo empenhado trabalho em prol da reconciliação internacional e do progresso do seu país é reconhecido por todos e de todos merece um expressivo louvor.
É com estes sentimentos sinceros que peço a todos que me acompanhem num brinde pelas felicidades pessoais de Sua Majestade o Rei Hassan II, pela prosperidade crescente do povo marroquino, e pelo reforço permanente da amizade luso-marroquina.