Jantar em honra do Presidente da Índia, Kocheril Raman Narayanan

Palácio Nacional da Ajuda
11 de Setembro de 1998


Em nome do Povo Português, e em meu nome pessoal, apresento a Vossa Excelência, a sua Mulher, e às personalidades que o acompanham nesta sua visita de Estado a Portugal, os mais sinceros e calorosos votos de boas vindas. Votos estes que não se limitam a exprimir uma mera formalidade de cortesia protocolar, antes traduzem o reconhecimento da velha relação existente entre os nossos dois Povos e Países, desde o século XV até aos nossos dias.
O facto de Vossa Excelência se encontrar entre nós no ano em que se comemora o quinto centenário da histórica viagem de Vasco da Gama à Índia, consubstancia um gesto que muito nos sensibiliza, e cujo alto significado quero aqui publicamente realçar, tanto mais porque reflecte a percepção - por nós inteiramente partilhada - de que não será abstraindo do passado, tanto nas suas claridades, como nas suas sombras, que melhor poderemos delinear conjuntamente os caminhos do Futuro.
Uma relação de cinco séculos, que reciprocamente tanto nos influenciou, não se pode, nem deve apagar. Antes pelo contrário, constitui um precioso património sobre o qual deveremos saber alicerçar um novo relacionamento, livre de falsas nostalgias ou de sentimentos de há muito ultrapassados, amplamente aberto à modernidade e capaz de dar resposta aos desafios com que nos confrontamos.
A concepção global do mundo iniciada com as viagens dos navegadores portugueses de há cinco séculos, unindo de perto a Europa à Àsia e tornando pela primeira vez perceptível, não só a dimensão geográfica do planeta, como também a enorme riqueza e diversidade cultural da família humana, é hoje em dia uma condicionante básica da convivência internacional.
O espírito de abertura ao mundo que caracteriza a Nação portuguesa, assim como os laços históricos que nos ligam à América Latina, à África e à Ásia, tornam Portugal, no contexto regional de que faz parte, um interlocutor privilegiado para o desenvolvimento do diálogo entre os mais diversos Povos e Culturas. Capacidade de diálogo essa que, aliás, constitui um dos nossos contributos específicos no âmbito da União Europeia, tanto mais importante quanto é certo que, neste dobrar de milénio, não existe qualquer alternativa ao diálogo e à compreensão recíproca para se garantir a paz e o progresso da humanidade.
Senhor Presidente
Do nosso ponto de vista, os nossos dois países têm todas as condições para poderem desenvolver, quer a nível bilateral, como nos “fora“ multilaterais a que pertencem, um relacionamento verdadeiramente actual e moderno.
Reconhecemos na Índia um parceiro global, indispensável ao equilíbrio da vasta região em que se insere, sentindo-nos particularmente aptos a compreender, tanto as suas eventuais apreensões, como as suas razoáveis expectativas.
No que diz respeito às nossas relações bilaterais, estamos inteiramente persuadidos de que existe um vastíssimo campo de acção para que elas sejam devidamente aprofundadas e desenvolvidas, designadamente nas áreas da cooperação económica e comercial.
Teremos que saber dar um decidido impulso ás nossas relações naquelas áreas, através de projectos mutuamente vantajosos em sectores tão vastos como o da energia e o das infraestruturas, designadamente no âmbito da construção de estradas, portos e caminhos de ferro, assim como no da construção naval.
Na realidade, tão somente através de uma cooperação afirmativa e multifacetada em áreas e sectores vitais para a economia dos nossos dois países é que lograremos encontrar os meios adequados para, conjuntamente, levarmos a cabo a necessária modernização e valorização do nosso velho relacionamento.
Muito me apraz por consequência registar que a presença entre nós de Vossa Excelência representa um passo importante para o reforço e dinamização das relações entre os nossos dois países, passo esse que se manifesta, quer nos programados encontros de Vossa Excelência com representantes do empresariado português - muitos deles hoje aqui presentes - como também na prevista assinatura de uma importante convenção sobre Dupla Tributação.
Senhor Presidente
Nos domínios científico e tecnológico - veículo privilegiado para uma cooperação industrial activa e geradora de efeitos multiplicadores - há igualmente projectos que, mau grado ambiciosos, são de concretização perfeitamente exequível, podendo vir a incidir em áreas tão cruciais como a da informática, da biotecnologia e da oceanografia.
A participação da Índia na Expo’98, dedicada aos Oceanos, e que Vossa Excelência nos dá a subida honra de visitar, comprova de resto a viabilidade do nosso empenho comum numa empresa vital, a da salvaguarda dos Mares, a qual terá de ser, nos dias de hoje, uma das preocupações prioritárias da Humanidade.
No que se refere ao plano cultural, permito-me referir que tanto a presença portuguesa na Índia, como a presença indiana em Portugal, não se afiguram, infelizmente, estar a concitar toda a atenção e destaque que deveriam ter e de que são inteiramente merecedoras.
A verdade, porém, é que a História já se encarregou de regular definitivamente os desencontros que, no passado, os nossos Estados protagonizaram, em nome de percepções e de valores políticos que só podem ser avaliados, quer positiva, como negativamente, à luz dos condicionalismos então vigentes.
O presente e o futuro dos Povos, o presente e o futuro do relacionamento entre a Índia e Portugal, não pode ser hoje condicionado pela memória de valores, percepções políticas e de acontecimentos em que, indianos e portugueses, de há muito se não revêem.
Pelo que nos toca - e digo isto sem quaisquer laivos de sentimentos passadistas - orgulhamo-nos do património civilizacional que deixámos em Goa, Damão e Diu, exponentes de cruzamento de culturas, assim como nos orgulhamos das profundas marcas que a Índia deixou na nossa cultura, na nossa História, e até na nossa própria vivência como Nação.
Identicamente nos orgulhamos da laboriosa Comunidade indiana, dos mais diversos credos religiosos, que escolheu Portugal como terra de acolhimento, e que, pelas suas qualidades de trabalho e de seriedade, assim como pelo seu apego às suas veneráveis tradições, contribui, não só para o desenvolvimento económico, como também para o enriquecimento e pluralismo cultural do nosso país. A iniciativa da construção de um Templo e de um Centro Social da Comunidade Hindú em Lisboa é bem demonstrativa do arrojo e capacidade de realização daquela Comunidade, a qual, aliás, tem sempre contado com os merecidos apoios do Governo português e da autarquia de Lisboa.
Senhor Presidente
O desenvolvimento harmonioso das nossas relações bilaterais, assim como das que podem e devem existir entre a União Europeia e a Índia, carece da manutenção de equilíbrios globais que, nos dias de hoje, são cada vez mais delicados - encerrado que foi o modelo bipolar em que vivíamos até há poucos anos - mas que acrescidamente têm que continuar a suscitar toda a nossa atenção e cuidado.
A garantia da segurança e estabilidade internacionais, que passa por um sustentado desenvolvimento económico e social, pela intransigente defesa e respeito dos Direitos do Homem, pelo controlo dos armamentos e pela não-proliferação de armas de destruição maciça, são tarefas nas quais nos devemos todos empenhar, não esquecendo, é certo, os imperativos geopolíticos de cada um, mas sempre com uma reforçada determinação e vontade de legar às gerações futuras um mundo melhor e mais seguro.
O apego da Índia e de Portugal aos valores da Liberdade e da Democracia torna-nos parceiros privilegiados no tabuleiro internacional, com um idêntico empenho na manutenção da paz e estabilidade mundiais, traduzido numa forte participação e envolvimento em operações internacionais de manutenção da paz. Neste contexto, não posso deixar de manifestar a Vossa Excelência o nosso profundo apreço e reconhecimento pelo apoio da Índia à candidatura de Portugal ao Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Senhor Presidente
A comunhão dos valores e ideais da Liberdade e Democracia, veementemente partilhados por ambos os nossos países, incita-me a fazer uso desta ocasião para evocar a questão de Timor-Leste.
Desde logo, gostaria de assinalar os progressos que se verificaram na última ronda de negociações, levada a cabo em Nova Iorque sob a égide do Secretário-Geral das Nações Unidas.
Todavia, tais progressos não nos podem fazer esquecer que o actual processo de transição política a decorrer na Indonésia se continua a caracterizar por uma forte componente de incerteza quanto ao seu sentido último, o que de nós exigirá, em igual medida, extremo rigor e flexibilidade.
Flexibilidade na avaliação das propostas que contribuam para a criação de um clima de paz e de estabilidade em Timor-Leste, pondo fim à violência, às violações dos direitos cívicos e políticos, e ao sofrimento das suas martirizadas populações.
Rigor no que diz respeito aos princípios essenciais para se encontrar uma solução pacífica, digna e internacionalmente aceitável da questão timorense, assente no exercício, livre e democrático, do inalienável direito do seu Povo à auto-determinação.
Senhor Presidente
No decurso da presente Visita de Estado poderá Vossa Excelência seguramente constatar que Portugal - participante de corpo e alma no processo de construção europeia - é um País dinâmico, onde, a par de um considerável surto de progresso, se regista um salutar espírito de competição e de capacidade inovadora.
Por sua vez, a maior democracia do mundo, a Índia, pela imensidão da sua área geográfica e da sua população, pela riqueza e diversidade das suas milenárias culturas, pela dimensão moral de figuras que marcaram a história universal, como a de Mahatma Ghandi, e também pela modernidade dos seus avanços tecnológicos, é um País que suscita da nossa parte uma compreensível admiração e interesse.
Oferece-se assim perante nós um largo campo de acção aberto ao reforço das nossas relações bilaterais, espaço esse que teremos que saber aproveitar, simultaneamente com ousadia e pragmatismo, por forma a concretizarmos um verdadeiro reencontro entre os nossos dois países.
E - pergunto-me a mim próprio! - que melhor ocasião para tal reencontro do que a presente visita de Estado de Vossa Excelência a Portugal, precisamente no ano em que, a par do quinto centenário da epopeia de Vasco da Gama, igualmente se celebraram os cinquenta anos da proclamação da independência da Índia?!
Peço a todos que me acompanhem num brinde pelas felicidades pessoais do Presidente da Índia, pelas felicidades da Senhora Shrimati Usha Narayanan e de sua Família, pela amizade entre os Povos indiano e português, e pela frutuosa amizade entre os nossos dois países.