Banquete oferecido em honra de Suas Majestades os Reis de Espanha

Palácio Nacional da Ajuda
11 de Setembro de 2000


Majestades

É com grande honra e satisfação que vos recebemos em Portugal.

A presença entre nós dos Reis de Espanha constitui sempre uma ocasião muito especial e de alto significado.

Em nome dos portugueses e no meu próprio, saúdo-vos com o carinho que nos merecem os amigos e com o respeito devido aos soberanos desse grande país que é a Espanha.

Majestades
Minhas senhoras e meus senhores

Esta visita de Estado, a terceira que Vossas Majestades efectuam ao nosso país, ocorre num período em que as relações entre Portugal e Espanha se encontram numa fase de grande dinamismo e maturidade.

Nos últimos vinte e cinco anos, percorremos, lado a lado, um longo caminho.

No princípio desse percurso está o nosso reencontro com os valores da liberdade, da democracia, do pluralismo, do respeito pelos direitos humanos e da convivência pacífica entre os povos.

O restabelecimento da democracia nos dois Estados da Península Ibérica abriu-lhes o caminho para a adesão às Comunidades Europeias, essencial para ambos poderem participar plenamente no processo de integração regional e recuperar o seu lugar no concerto europeu, como membros respeitados da Comunidade Internacional.

Por sua vez, a opção europeia originou uma viragem histórica no nosso relacionamento bilateral. A Europa colocou-nos frente a frente, reiterando o nosso estatuto de Estados soberanos, livres, independentes e iguais, e acrescentando-lhe uma dimensão de parceria na construção de um espaço único de livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais, com profundas repercussões para as nossas relações bilaterais, repercussões essas que ainda estão longe de se poderem considerar esgotadas.

Hoje, podemos afirmar com segurança que estas opções estão consolidadas e deram os seus frutos. Portugal e Espanha estão na vanguarda do processo de integração europeia e o seu relacionamento bilateral, solidamente assente numa comunidade de valores políticos, é mais íntimo e intenso do que nunca.

As relações entre os dois países expandiram-se, aprofundaram-se e dinamizaram-se a todos os níveis e em todas as dimensões — políticas e económicas, sociais e culturais.

Em poucos anos, a Espanha tornou-se o nosso primeiro parceiro comercial, tanto do lado das importações como — assim o mostram os números mais recentes — do lado das exportações. Do mesmo modo, também para a economia espanhola os mercados portugueses adquiriram uma importância que nunca tiveram — basta referir que a Espanha exporta, actualmente, para Portugal mais do que para a América Latina no seu conjunto.

Os investimentos recíprocos multiplicaram-se.

A livre circulação e a melhoria das acessibilidades criaram condições para que milhões de espanhóis e portugueses conhecessem, muitos pela primeira vez, os seus vizinhos.

Também no plano militar, a adesão da Espanha à Aliança Atlântica e a respectiva integração nas estruturas militares da NATO proporcionaram uma maior aproximação entre os dois países. As forças armadas portuguesas e espanholas encontram-se empenhadas em conjunto no Kosovo e na Bósnia. Oficiais portugueses e espanhóis servem lado a lado nos comandos da NATO. Multiplicam-se os contactos entre as instituições militares dos dois países.

À semelhança do que sucede entre outros países vizinhos, no quadro da União Europeia, as cimeiras anuais bilaterais tornaram possível institucionalizar uma relação mais estreita entre os dois governos e as duas administrações, abrindo caminho, designadamente, para a negociação de um número muito significativo de convénios.

No plano tão sensível da água, foi possível, desde 1998, com a assinatura da Convenção sobre Bacias Hidrográficas Luso-Espanholas garantir que Portugal receba os caudais indispensáveis dos rios que nascem em Espanha e desaguam no nosso país. As estruturas de acompanhamento previstas nesse Convénio constituem um valioso instrumento de diálogo que deve ser privilegiado.

Estamos agora a negociar uma Convenção de Cooperação Transfronteiriça, que nos permitirá regular os diversos aspectos dessa cooperação.

Dispomos também de uma oportunidade única, no quadro da Agenda 2000, para dotar os dois países com novas infraestruturas rodoviárias ferroviárias e portuárias, fundamentais tanto para valorizar as respectivas posições internacionais e regionais de Portugal e Espanha, como para acomodar o previsível aumento do nosso intercâmbio bilateral.

Majestades
Minhas senhoras e meus senhores

A crescente convergência e a intensificação das relações entre Portugal e Espanha é uma história de sucesso, que constitui, para os dois Estados, um factor e uma oportunidade de desenvolvimento e modernização, mas comporta também, para cada um de nós, desafios.

É natural que, entre dois Estados soberanos e vizinhos, tão grande intimidade de contactos e tão elevado grau de interdependência produzam ocasionais atritos e conflitos de interesses, incluindo em domínios de relevância estratégica.

Temos de saber responder a essas situações com sabedoria, prudência e respeito de modo a não prejudicar a excelência de um relacionamento que considero de interesse vital para ambos os países.

Precisamos sempre de nos conhecer melhor, de forma a reforçar a confiança mútua e vencer preconceitos que, apesar de atenuados, ainda perduram na consciência colectiva dos nossos dois países.

Precisamos de aprender a valorizar a identidade, a especificidade e a diversidade das nossas nações e descobrir as suas complementaridades.

Devemos também assumir, de forma clara e inequívoca, a defesa dos interesses comuns dos dois Estados, bem como os valores partilhados da democracia, do respeito pelos direitos humanos, da solidariedade. A memória ainda viva do autoritarismo e do isolamento fortalece o nosso apego à democracia; sabemos que ela é um bem precioso, que não foi fácil conquistar e que é imperioso defender, contra a xenofobia, a intolerância e a violência.

Não podemos por isso calar a nossa indignação perante a sucessão de actos criminosos que têm abalado a Espanha nos últimos meses e que visam desestabilizar a sua democracia e minar os fundamentos do Estado de direito.

Saiba Vossa Majestade que conta com a nossa solidariedade e a nossa cooperação no combate ao terrorismo.

Majestades
Minhas senhoras e meus senhores

Quando começa o novo século, Portugal e Espanha têm perante si a obrigação de responder aos novos desafios da construção de uma Europa unida e livre e de contribuir para a formação de uma sociedade internacional mais justa e mais humana.

O nosso estatuto como Estados membros da União Europeia e da Aliança Atlântica, a prioridade que atribuímos ao reforço das relações com os países da orla sul do Mediterrâneo, o nosso comum empenho na criação de uma comunidade ibero-americana traçam linhas de rumo que cada vez mais nos aproximam e sublinham as nossas crescentes responsabilidades internacionais.

Tal como a Espanha, estamos na Europa por interesse e convicção. Estamos empenhados na construção de uma União Europeia que desejamos mais forte, mais coesa e mais unida, e na qual todos os seus membros, presentes e futuros, possam encontrar um lugar próprio. Estamos convencidos que a união das democracias europeias é decisiva para o futuro da paz e da liberdade na Europa.

Nesse sentido, apoiamos, sem reservas ou ambiguidades, o alargamento da União Europeia. Desde logo, não podemos negar a outros as oportunidades de que nós próprios beneficiámos para a consolidação dos nossos regimes democráticos; consideramos, também, que o alargamento será decisivo para garantir a segurança, a estabilidade e a prosperidade da Europa, de que todos beneficiaremos.

Do mesmo modo, queremos aprofundar o processo de integração europeia, fazendo evoluir as instituições da União, numa linha de continuidade, no respeito pelo princípio da igualdade entre todos os Estados membros e pelas suas identidades específicas. Consideramos, também, que a coesão económica e social continua a ser um valor fundamental e um pressuposto indispensável do processo de construção europeia.

A consolidação de uma Europa livre e unida representa não só um polo de estabilidade e equilíbrio na política internacional, como um exemplo de paz e cooperação nas relações entre os Estados, que considero ser um pilar fundador de uma sociedade internacional assente no respeito pelo primado da lei e da dignidade da pessoa humana.

Majestades
Minha senhoras e meus senhores

A Espanha é hoje em dia um país vibrante, que impressiona pelo seu dinamismo económico, pela sua criatividade intelectual, pela sua diversidade cultural. Vossas Majestades são o símbolo de união dessa nova Espanha, segura das suas capacidades e determinada a ocupar, na cena internacional, o lugar a que tem direito.

Portugal, pelo seu lado, é hoje uma nação confiante no seu futuro e um país aberto, orgulhoso da sua identidade secular, com ligações profundas à África, à América Latina, à Ásia. Permitam-me que refira, em particular, Timor-Leste, onde estamos empenhados em garantir, ao lado das Nações Unidas e dos responsáveis timorenses, a reconstrução nacional e um caminho pacífico para a independência.

Cada um dos nossos países possui um importantíssimo legado cultural que, hoje mais do que nunca, graças aos meios de comunicação electrónica, pode disseminar no mundo. Projectando as nossas identidades, daremos continuidade à nossa vocação universalista comum.

Temos as condições necessárias para assegurar aos nossos povos condições de estabilidade e desenvolvimento e para erguer ainda mais alto o prestígio de Portugal e Espanha na comunidade internacional.

É esta mensagem de optimismo e confiança que quero deixar a portugueses e espanhóis.

Na certeza que esta visita constituirá mais um marco na crescente aproximação entre os nossos dois países que Vossas Majestades tanto têm impulsionado.

Peço a todos que me acompanhem num brinde pela amizade entre Portugal e Espanha, pela prosperidade dos nossos dois países e pela felicidades pessoais de Vossas Majestades e de toda a Família Real.