VIII Congresso Nacional do Mutualismo


12 de Novembro de 1998


A longa história do mutualismo português justificaria, por si só, a minha presença nesta sala para responder favoravelmente ao convite que me foi feito - e que aceitei com muito gosto - para presidir a esta Sessão Solene de Abertura do vosso VIII Congresso.

Ao prazer de participar nesta iniciativa da União das Mutualidades Portuguesas junta-se uma outra razão, a que venho atribuindo a maior importância desde o início deste meu mandato: a de contribuir para que seja reconhecida à questão social o lugar central da agenda política que lhe pertence.

Perante esta assembleia, desejo, uma vez mais, usar de inteira frontalidade, e reafirmar que, no meu entender, os direitos sociais não são um luxo que as sociedades devam reservar para épocas de desafogo económico mas algo que é inseparável da universalidade da cidadania.

E assim sendo, como creio que é, os direitos sociais devem ser entendidos como um dos instrumentos fundamentais do desenvolvimento, precisamente aquele que as sociedades avançadas criaram para articular a democracia política com o funcionamento do mercado.
   
Minhas Senhoras e Meus Senhores,

É certo que, para o bem e para o mal, os modelos de desenvolvimento das sociedades avançadas conhecem uma crise, profunda e prolongada, cujas consequências todos conhecemos.

Os nossos dias não são os do crescimento económico forte e sustentado, os da escassez e raridade do desemprego, os do lento mas quase sempre garantido aumento do poder de compra das famílias, ele mesmo baseado no estereótipo do homem trabalhador e da mulher ocupada com as tarefas do lar e da educação dos filhos.

A nossa época é, como bem se sabe, uma outra, totalmente diferente.

A nossa época é a das sociedades em que a participação feminina no mercado de trabalho aumentou ao mesmo tempo que o modelo tradicional de família se diferenciou, é a das sociedades em que as noções tradicionais de trabalho e de emprego foram postas em causa, em que o desemprego de longa duração se tornou uma presença constante nas sociedades mais desenvolvidas.

É uma época em que a inovação tecnológica é, justamente, vista tanto como uma promessa quanto como uma ameaça.

É uma época em que a educação e a formação conheceram graus de desenvolvimento sem precedentes, mas em que, todavia, não foram oferecidas aos que procuram emprego e aos que correm o risco de o perderem oportunidades suficientes para obterem as qualificações necessárias.

É uma época em que as formas clássicas de pobreza convivem com novas formas de precarização do estatuto social dos cidadãos.

É uma época em que a crise das solidariedades entre familiares, vizinhos e companheiros de trabalho não é acompanhada de modelos alternativos suficientemente eficientes.

É, por último mas não menos importante, uma época em que se reafirmou a indispensabilidade da intervenção pública nos domínios da economia e das políticas sociais ao mesmo tempo que se tornaram notórios os inconvenientes de delegar na administração pública toda a responsabilidade e todos os meios da solidariedade social.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Não repetirei aqui o enunciado dos motivos que me têm levado a afirmar que a lógica de funcionamento dos mercados financeiros, os desafios da competitividade das empresas e os problemas da equidade no emprego e no trabalho puseram em causa os equilíbrios em que se baseou o pacto social tradicional.

É para mim muito claro que estamos todos - repito, todos - perante a necessidade de reinventar a solidariedade social, repensando as possibilidades e as responsabilidades que cabem aos cidadãos, às associações e às organizações não governamentais, às empresas, aos sindicatos, à administração e aos poderes públicos.

Como já disse, há imperativos de lucidez e de cidadania que tornam incontornável a exigência de reformar os sistemas de protecção e de segurança social que asseguraram à Europa e à generalidade dos países avançados largos períodos de crescimento económico e de desenvolvimento social.

Depois de duas décadas em que alguns se deixaram encantar com as promessas neo-liberais, não creio que ainda haja lugar para as concepções minimalistas do Estado que pretendiam reduzir a intervenção dos poderes públicos ao mínimo possível e o campo das políticas sociais públicas a um espaço residual, cujos limites seriam determinados pela competitividade empresarial.
 
Mas, neste final de século e de milénio, julgo que perdemos igualmente o direito à ilusão estatista: não é razoável esperar que os poderes públicos façam tudo e tudo bem feito.

Porque os espaços regionais conhecem uma integração crescente, porque as possibilidades de governo económico dos estados-nação já não são as tradicionais e porque conhecemos melhor as insuficiências dos sistemas tradicionais de protecção social, parece pouco avisado transferir para o espaço e as instituições públicas toda a responsabilidade pela garantia dos níveis de equidade social que permitem a universalidade da cidadania.

Julgo que, nos tempos em vivemos, teremos que ser cada vez mais capazes de distinguir a universalidade de direitos da uniformidade dos métodos de intervenção social, tal como deveremos reequacionar as prioridades, as responsabilidades e os meios de que dispomos e de que carecemos.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

O mutualismo português tem uma história que o honra e que mereceria ser melhor conhecida por muitos dos nossos compatriotas.

É uma história que se cruza com a do desenvolvimento do associativismo e da participação social e política dos cidadãos.
 
É uma história em que os problemas do acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde e à protecção na reforma ocupam um lugar central.

É uma história em que as relações com os poderes públicos nem sempre foram fáceis, em que a tolerância da independência do mutualismo coabitou, por vezes, com a limitação da sua relevância económica e social .

Essa história confere ao movimento mutualista o direito a que as suas propostas de participação na melhoria do acesso dos cidadãos à saúde, no desenvolvimento do voluntariado cívico e social e na melhoria dos sistemas de protecção social sejam escutadas com toda a atenção.

Desejo, por isso, que este vosso Congresso cumpra a exigência, que os temas e as intervenções previstas prometem, de dotar o movimento mutualista português do protagonismo que pode e deve ter na construção de um Portugal mais moderno e mais solidário.

Aguardo, pois, com muito interesse, as conclusões a que venham a chegar.
   
Muito obrigado pela vossa atenção.