Cerimónia de Tomada de Posse do Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas, General Alvarenga de Sousa Santos

Palácio de Belém
12 de Outubro de 2000


Quero, em primeiro lugar, cumprimentar Vossa Excelência, Senhor General Alvarenga de Sousa Santos, no momento em que toma posse como Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas.

Uma distinta carreira como Oficial da Força Aérea Portuguesa, a vasta experiência internacional, o consolidado prestígio como chefe militar no exercício de funções de comando são testemunho das suas altas qualidades e penhor do seu espírito de bem servir. Estou certo que saberá desempenhar o mais alto cargo da hierarquia militar com o rigor, a determinação e o sentido de responsabilidade indispensáveis nesta fase de evolução da instituição militar.

Quero também reiterar o meu elevado apreço pelo modo exemplar como o General Espirito Santo exerceu as suas funções na chefia do Estado-Maior-General. A sua lealdade, dedicação e inteligência, bem como as qualidades de comando, reveladas, designadamente, nas crises do Kosovo e de Timor-Leste, tornaram-no merecedor do reconhecimento de Portugal e das Forças Armadas.

As Forças Armadas portuguesas tiveram uma significativa evolução na última década, designadamente pela sua projecção internacional, que se iniciou com a participação de forças militares portuguesas nas missões das Nações Unidas em Moçambique e em Angola, a partir de 1993. A sua presença não só revelou as melhores qualidades dos nossos soldados, como contribuiu, decisivamente, para fortalecer as relações bilaterais com os dois maiores Estados africanos de língua portuguesa, uma prioridade permanente da política externa portuguesa.

Nos últimos cinco anos, num quadro de mudanças acentuadas na política internacional, Portugal teve de responder a circunstâncias imprevistas, que puseram à prova a sua credibilidade externa e a sua posição na comunidade internacional.

Em condições difíceis, a capacidade de resposta das suas Forças Armadas foi decisiva para enfrentar, com pleno sucesso, esses desafios e consolidar o nosso estatuto como membros de parte inteira da Aliança Atlântica, da União Europeia e das Nações Unidas.

A participação de um forte contingente nacional na Força de Implementação dos acordos de paz na Bósnia-Hercegovina demonstrou a nossa determinação de intervir, ao lado dos nossos aliados, para restaurar a segurança e pôr fim a uma guerra atroz.

Pela primeira vez, desde o fim da Grande Guerra em 1918, as forças armadas portuguesas voltaram a estar empenhadas num teatro de guerra europeu, em nome do direito internacional e dos valores humanitários partilhados pelas democracias e no cumprimento das nossas responsabilidades pela segurança europeia.

Idênticas motivações justificaram a nossa intervenção na crise do Kosovo, no quadro da Aliança Atlântica, perante a perseguição indiscriminada e a deportação forçada de uma comunidade indefesa, bem como a presença de forças militares portuguesas na missão de paz das Nações Unidas que assegurou o seu regresso e a instalação da administração internacional no Kosovo.

Os mesmos valores e as responsabilidades próprias de Portugal em Timor-Leste determinaram a nossa resposta à crise timorense. A diplomacia portuguesa pôde mobilizar a comunidade internacional a favor da independência de Timor, como resultado do voto expresso dos Timorenses, e garantir uma intervenção militar imediata em Timor-Leste em nome da coerência com os mesmos valores humanitários que justificavam a nossa presença na Bósnia-Hercegovina e no Kosovo.

Desde a primeira hora, as autoridades portuguesas puseram à disposição das Nações Unidas uma importante força militar, incluindo meios terrestres, aéreos e navais. Na fase seguinte, com a formação da administração transitória das Nações Unidas, as forças armadas portuguesas passaram a garantir a segurança de Dili e de uma parte significativa do Território, indispensáveis no contexto da transição pacifica para a independência de Timor-Leste.

Em três crises sucessivas, superando a complexa questão dos recursos e meios, as Forças Armadas portuguesas souberam estar à altura das respostas determinadas pelas nossas obrigações internacionais. Revelando as suas qualidades de coragem, dedicação e profissionalismo, os soldados portugueses desempenham com grande distinção as suas missões, prestigiam a condição militar e honram o nome de Portugal.

É inestimável o serviço que as Forças Armadas prestam aos interesses nacionais no cumprimento das missões de paz na Bósnia-Hercegovina, no Kosovo e em Timor-Leste e em todas as acções de cooperação militar que estão em curso em vários países, nomeadamente da CPLP. A posição de Portugal na Aliança Atlântica, na União Europeia e nas Nações Unidas adquiriu uma relevância acrescida, ganhou credibilidade a democracia portuguesa pela sua determinação na defesa dos valores da liberdade e do direito, fortaleceram-se as nossas relações externas, a começar pela profunda solidariedade que nos une à nação timorense.

Contra os mais pessimistas, mostrámos ser capazes de nos ultrapassar, numa linha de coerência com os valores da nossa democracia e a nossa vocação universalista, que recusam um isolamento egoísta e a mediocridade da resignação.

Na fase presente, torna-se imperativo consolidar posições. Nesse contexto, é prioritário completar os processos de modernização qualitativa e de profissionalização das Forças Armadas, impostos, nomeadamente, pelas mudanças internacionais que condicionam a definição das nossas políticas de defesa e segurança. Esses processos foram fortemente estimulados pela participação portuguesa em missões militares internacionais. Mas se a modernização das Forças Armadas é uma tarefa essencial e incontornável, ela não pode ser dissociada das opções a tomar no sentido da necessária reconfiguração e racionalização do sistema de forças nem das indispensáveis acções de reestruturação e redimensionamento. São processos que estão interligados e que se inserem no grande desafio que é, para Portugal, a reforma estrutural das Forças Armadas.

O sucesso da reforma –que é um processo em curso e de longa e faseada execução, que vai muito para além da temporalidade das legislaturas – está dependente, em larga medida, do desejável equilíbrio que, permanentemente, se consiga obter entre a eficácia, o redimensionamento, a optimização dos recursos criteriosamente disponíveis, no contexto orçamental do país e, finalmente, a dignificação da condição militar.

Trata-se de questão de grande importância para o futuro de Portugal, visto na dupla perspectiva da sua solidez interna e da sua projecção internacional.

Porém, devo uma vez mais referir, agora em cerimónia de grande importância porque portadora de futuro, que muito dependerá de um novo Conceito Estratégico de Defesa Nacional, o que releva da função político-legislativa. Não se trata de literatura, mas sim de opções e prioridades. Como está legalmente fixado, e também resulta da experiência e do bom senso, só a partir desse conceito poderemos chegar – porque teremos incorporados os novos dados – a um conceito estratégico militar realista e eficaz, e também à enumeração das missões das Forças Armadas no novo contexto e dos sistemas de forças a constituir e ao modo de assegurar o seu estado de prontidão.

Todo este vasto processo, onde não pode haver equívocos nem sobressaltos estéreis, exige clareza na actualização dos conceitos fundadores de todo o sistema, firmeza na condução das políticas de reestruturação e redimensionamento, empenho na dignificação realista das carreiras militares, no contexto das possibilidades nacionais, e a continuação de um espírito de unidade na instituição militar.

Pela minha parte, e no quadro estrito das minhas competências, sempre me pronunciei –com os pressupostos acima enunciados- a favor da modernização e re-equipamento das Forças Armadas, atentas as prioridades decorrentes do emprego efectivo de forças e os condicionamentos financeiros do Estado. É indispensável garantir uma maior capacidade às Forças Armadas, que lhes permitam desempenhar, com crescente eficiência, as suas funções insubstituíveis de defesa da soberania e dos interesses nacionais. Mas sem esquecermos, como elemento de necessária ponderação, o país que somos.

Sei, Senhor General, que considera estimulantes os desafios, conheço a sua determinação para reformar e modernizar as Forças Armadas, confio na sua capacidade de decisão e comando.

Estou certo que cumprirá, com distinção, as missões que lhe estão confiadas, e quero reiterar-lhe a expressão do meu apoio institucional e pessoal no desempenho das suas altas funções.

Muito obrigado.