Sessão Solene da Abertura do Ano Lectivo 2000-2001 do Instituto Politécnico de Santarém

Santarém
17 de Outubro de 2000


É com muito prazer que participo na cerimónia de abertura do ano lectivo do Instituto Politécnico de Santarém desejando aos seus alunos, docentes e funcionários os maiores êxitos.

Quero felicitar-vos pelo desenvolvimento do vosso Instituto e pela vossa capacidade de iniciativa. Quero também manifestar a minha satisfação por ter verificado o modo empenhado como o património da Escola Superior Agrária, onde nos encontramos, foi preservado e valorizado.

Permitam-me que partilhe hoje convosco algumas reflexões sobre o ensino superior e, em particular, sobre o ensino politécnico em Portugal.

Como é do vosso conhecimento, no passado ano lectivo levei a cabo, ao longo de vários meses, uma iniciativa com a qual quis conhecer melhor o ensino superior português, público, privado, universitário e politécnico. Não é uma tarefa fácil a de pretender conhecer uma realidade que evoluiu de forma extraordinariamente rápida surpreendendo-nos a todos com a capacidade de produzir novas respostas, com o crescimento exponencial do número de alunos e com o ritmo de criação de instituições. Este crescimento, com o qual todos nos devemos congratular, trouxe problemas que nos obrigam a concentrar esforços para que o desenvolvimento quantitativo, a que assistimos, se traduza em claros benefícios para os alunos e para o país.

Nas visitas e reuniões que realizei com responsáveis pelas instituições e com empregadores, pude constatar que a qualificação das pessoas é hoje assumida por todos como uma prioridade. Verifiquei também como é sentida a urgência da mudança, ditada não só pela evolução da ciência e da tecnologia e pela competitividade existente hoje no mundo como também pelos baixos níveis de formação da população adulta portuguesa.


Foi com agrado que encontrei vontade de inovar no ensino superior, no sentido de serem dadas respostas aos desafios do nosso tempo. Tive contacto com experiências muito positivas, designadamente num esforço de adequação dos cursos às características do mercado de trabalho, ao acolhimento de novos públicos, à produção de formações em novas áreas, ao relacionamento com o mundo económico e cultural.

Na renovação do ensino superior tem sido marcante o contributo do ensino politécnico, sendo de salientar três dimensões a que já me tenho referido noutros contextos:

A primeira dimensão diz respeito à adopção de novas estratégias curriculares traduzindo preocupações de formação profissional e ligação às regiões. É importante avaliar a inovação neste domínio e aprofundar quer ao nível do ensino politécnico quer ao nível da universidade o desenvolvimento destas formações, que devem contemplar igualmente a formação cultural e cívica dos alunos.

A segunda dimensão prende-se com o reforço de algumas áreas de formação tais como o ensino das artes, da saúde, da gestão, da agricultura, da formação de professores. Ao contribuir para a descentralização da rede de ensino superior, o ensino politécnico assume um papel essencial como instrumento de desenvolvimento local e regional e de fixação de quadros.

Em terceiro lugar, é importante sublinhar o contributo do ensino politécnico para a democratização do acesso ao ensino superior.

Estes elementos de uma identidade, reconhecida como muito positiva pelos seus docentes, alunos e empregadores são, contudo, muitas vezes pouco conhecidos. É com preocupação que constato quer a injustiça de uma imagem social desvalorizada, ainda muito presente na sociedade portuguesa, quer o desconhecimento sobre o trabalho desenvolvido pelas instituições de ensino politécnico.

Desvalorização que tem levado a que se procure aumentar indefinidamente o número de universidades ou de pólos universitários em vez de se investir na consolidação de um ensino superior de qualidade.

Já tenho afirmado, noutras circunstâncias, que uma instituição de ensino superior tem de ter massa crítica, tempo para afirmar o seu projecto e criar interacções com as regiões onde se insere. Ao pensar o futuro do ensino superior devemos ter essencialmente como preocupação garantir a qualidade pedagógica, a capacidade científica e cultural e a pertinência da sua acção. O tempo consagrado ao planeamento e desenvolvimento das escolas politécnicas públicas e à sua inserção regional é, à partida, um dado muito positivo.

Há que desenvolver um trabalho sistemático para que a imagem social das instituições se faça com bases factuais e sem preconceitos. E aí a avaliação terá de desempenhar um papel essencial. O conhecimento das instituições e dos resultados dos processos de avaliação bem como a observação dos percursos profissionais das gerações de diplomados deverão constituir elementos determinantes.

Minhas Senhoras e Meus Senhores

Permitam-me que, nesta reflexão sobre o ensino superior, utilize como referência as preocupações manifestadas por vinte e nove países europeus através dos seus Ministros da Educação reunidos em Bolonha no ano passado. As questões que se colocam na Europa têm a sua correspondência a nível nacional.

A primeira preocupação diz respeito à necessidade de aumentar os níveis de empregabilidade dos cursos, via para tornar as instituições mais solidárias com o futuro das pessoas que formam.

Não quero com isto afirmar que os cursos devam prescindir de preocupações científicas, culturais e cívicas determinantes do seu carácter de ensino superior. Entendo, porém, que tem de ser realizado um importante trabalho de desenvolvimento curricular com o objectivo de pensar a formação também em termos de competências necessárias para enfrentar um futuro profissional que se adivinha incerto e pelo qual cada um terá de lutar.

O caminho seguido neste domínio pelo ensino politécnico deve ser valorizado, dando-nos os dados existentes indicações de bons resultados comparativos em termos da empregabilidade dos seus diplomados.

A segunda preocupação prende-se com a mobilidade. É importante que, numa economia aberta, a circulação de estudantes e diplomados se processe com maior intensidade e facilidade. Este é também um factor decisivo para a construção de uma identidade europeia. Todos sabemos como pode ser rica, em termos culturais e de desenvolvimento pessoal, uma experiência de estudo num país diferente.

Existem, todavia, numerosos problemas de reconhecimento dos estudos realizados. Ao falar com estudantes portugueses senti que este era um obstáculo de base quer para a circulação entre países da Europa quer sobretudo no interior do nosso país. É necessário assegurar que os estudos realizados ou os conhecimentos e competências adquiridos, em qualquer instituição de ensino superior ou por qualquer outra via são devidamente valorizados por todos. Só assim será possível promover a mobilidade e a aprendizagem ao longo da vida.

Sei que existe no ensino politécnico um trabalho muito significativo que é importante prosseguir. O apelo que quero deixar é para que se processe uma maior articulação entre os sub-sistemas de ensino superior portugueses de modo a que Portugal possa vencer os obstáculos à mobilidade tanto ao nível nacional como europeu.


Uma terceira questão, identificada a nível europeu, refere-se à competitividade dos sistemas de ensino superior, traduzida pela capacidade de atrair estudantes do resto do mundo e de ver os seus diplomas reconhecidos.

Esta é uma questão que se coloca ao sistema de ensino superior português no contexto europeu, mas que sugere uma reflexão interna. A qualidade da formação oferecida não é a única, nem será a principal, razão para a escolha que os candidatos têm realizado da instituição onde pretendem estudar.

A par de melhor informação sobre as perspectivas profissionais é necessário compreender a influência de outros factores onde se incluem o próprio estatuto e designação da instituição.

Ao colocar estas questões temos a consciência de que muito há a mudar ao nível da organização e do funcionamento das instituições.

É preciso ter coragem para enfrentar os efeitos perversos da expansão do ensino superior, corrigindo-os.

É preocupante constatar, por exemplo, a generalização da ideia de que é possível criar em quase todo o país instituições de ensino superior, dando lugar à organização de movimentos nesse sentido. Sem pretender pôr em causa a legitimidade da existência destes movimentos, há que clarificar os limites para o aumento do número de instituições.

Tenho defendido e defendo a importância do acesso de um número cada vez maior de jovens e adultos ao ensino superior. No entanto, o alargamento do acesso não significa, necessariamente, o aumento do número de instituições.

Pelo contrário. O futuro obrigará, porventura, a uma reorganização e articulação das instituições existentes potenciando a sua experiência, os seus recursos humanos e as suas infra-estruturas.


A evolução do ensino superior nos últimos anos tem conduzido a uma aproximação de objectivos dos diferentes sub-sistemas que é necessário ter em conta, valorizando as inovações e experiências de cada um.

Seria, no entanto, inaceitável que a aproximação de sub-sistemas condenasse ao desaparecimento as diferenças existentes e os aspectos positivos de cada um deles, ou contribuísse para diminuir a capacidade científica das instituições.

Não devemos encarar o futuro com tabus que poderão conduzir a inexplicáveis investimentos em novas instituições por meras razões de preconceito. Há que valorizar as instituições já existentes em cada região dando-lhes condições para consolidarem os seus projectos e se afirmarem no campo científico, cultural e cívico e para que sejam capazes de se adaptar aos desafios colocados pela educação ao longo da vida.

É urgente o debate e a construção de consensos sobre o ensino superior em Portugal.

Por isso apelo, uma vez mais, à participação de todos para a definição de linhas de orientação que permitam a reforma do ensino superior público, privado, politécnico e universitário. A educação é tão importante que exige uma participação de cada um de nós, condição para tornar possível a afirmação da qualidade científica e pedagógica de todas as nossas instituições.