Sessão Solene "20 anos", na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa

Lisboa
09 de Novembro de 2000


É com muito prazer que participo nesta sessão comemorativa do 20º aniversário da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação felicitando-vos pelo importante trabalho que têm desenvolvido ao longo destes anos.

A Democracia trouxe a Portugal novas possibilidades de desenvolvimento do ensino da Psicologia e das Ciências da Educação, até então sem expressão significativa no nosso ensino público. Lembro-me do tempo em que eram receadas as consequências que o aprofundamento do estudo sobre o Homem e sobre as Instituições Educativas pudesse trazer ao regime.

A criação das Faculdades de Psicologia e Ciências de Educação constituiu um marco importante no desenvolvimento das Ciências Humanas em Portugal.

A Educação tem sido uma prioridade do meu mandato. Porque acredito que é uma base da democracia, essencial também ao desenvolvimento das pessoas e das sociedades.

Tenho procurado, por isso, acompanhar de perto a evolução das situações educativas e conhecer os seus problemas.

Permitam-me que partilhe convosco algumas das reflexões que tenho vindo a fazer ao longo dos últimos anos e que vos deixe alguns desafios. Conheço o vosso trabalho prestigiado nos campos da Psicologia e da Educação e sei que são uma escola que pode desempenhar um papel de relevo para o desenvolvimento educativo.

Uma primeira reflexão diz respeito à expansão do acesso a todos os níveis de ensino verificada, desde o pré-escolar, aos ensinos básico, secundário e superior. Essa evolução tem sido particularmente sensível na educação pré-escolar e no terceiro ciclo do ensino básico, onde se registou, na última década, um aumento de frequência que ronda os 27%. No ensino superior o crescimento verificado foi igualmente muito elevado, não existindo paralelo nos outros países da OCDE.

Esta nova possibilidade de acesso dos portugueses à educação foi, porventura, a maior transformação dos últimos tempos na nossa sociedade, que terá seguramente consequências ao nível do desenvolvimento educativo, socio-económico e cultural do nosso país. Graças a este crescimento os portugueses estão hoje mais habilitados para enfrentar o futuro como profissionais e como cidadãos.

Foi-me grato verificar, igualmente, que a sociedade portuguesa atribui uma importância crescente à educação, encarada hoje como um investimento importante que interessa prosseguir.

Apesar deste progresso, de que nos devemos orgulhar, sei que há ainda muito a fazer, quer para aumentar os níveis de escolarização de todos os portugueses quer para melhorar a qualidade dos processos educativos e o funcionamento das instituições. Nunca será demais lembrar a dívida da democracia para com as gerações que foram privadas do acesso à educação e à cultura.

Uma segunda reflexão – em que tenho muitas vezes insistido - diz respeito à necessidade de melhorar as oportunidades de educação e formação ao longo da vida. Uma aprendizagem ao longo da vida iniciada na escolaridade básica, ponto de partida essencial para que cada um saiba e possa gerir o seu processo educativo.

O mundo precisa de cidadãos mais conscientes dos riscos que corre hoje o nosso planeta, mais capazes de fazer opções em matéria da informação que consomem, mais preparados para assimilar a evolução do conhecimento científico e para contribuir, designadamente, para a prevenção das doenças. Todos sabemos que a informação que adquirimos na escola é rapidamente ultrapassada, sendo necessário adquirir competências de aprendizagem e, sobretudo, o gosto pelo trabalho e pelo conhecimento.

Considero da maior importância organizar respostas formativas para os portugueses que foram vítimas de uma educação que excluía a maior parte das pessoas. E essas respostas têm de ser diferentes, exigindo uma compreensão psicológica destes novos públicos e das suas formas distintas de aprendizagem, sendo necessária uma atenção privilegiada às questões de orientação e desenvolvimento das carreiras. Para que cada pessoa tenha a possibilidade de direccionar o seu percurso formativo, é preciso desenvolver a oferta de oportunidades de aprendizagem, formais e não formais, e criar as condições para a participação em processos de formação, que respondam, em cada momento, às suas necessidades. Por outro lado, embora reconheça as dificuldades envolvidas, terão de se desenvolver meios e processos de reconhecimento de saberes e de competências que valorizem o esforço e as diferenças individuais.

Tenho de admitir, com pesar, que tem sido difícil encontrar os projectos e os meios de acção adequados em matéria de educação e formação de adultos. O seu desenvolvimento tem de ser, a meu ver, objecto da maior atenção de todos exigindo um esforço de redefinição de políticas de coordenação intersectorial e da missão das instituições educativas, designadamente no que diz respeito à sua adaptação a novos públicos.

Sei que a educação de adultos é um domínio em que a vossa Faculdade se tem destacado. Gostaria de vos pedir que continuem esse percurso, contribuindo para a melhoria de um sector tão importante para o desenvolvimento do país.

Uma terceira reflexão diz respeito à inovação necessária no funcionamento das escolas de modo a prevenir os abandonos precoces e a exclusão escolar.

A democratização do acesso à educação trouxe às instituições novas realidades, designadamente no que diz respeito à heterogeneidade cultural e social dos seus alunos e à necessidade de assumirem novas funções, visando a sua integração. Nos meus contactos com as escolas tenho sentido que esta é uma das principais dificuldades com que se defrontam os professores.

Algumas das escolas que visitei encontraram processos para fazer face a esses problemas, nomeadamente através da organização de projectos de escola inovadores, de parcerias com entidades locais e do trabalho com as famílias. Ainda no início desta semana, tive a oportunidade de conhecer um projecto desenvolvido numa escola de ensino básico, em Vialonga, no qual existe um ambiente educativo notável e um grande envolvimento colectivo dos professores visando a integração escolar dos alunos.
Ao visitar estas escolas tenho pretendido não só valorizar e, de alguma forma, homenagear o trabalho realizado, como também conhecer os processos adoptados para uma melhor integração educativa, designadamente em zonas urbanas com problemas sociais particularmente difíceis, situação que muito me tem preocupado.

Saio destas visitas profundamente reconhecido por um trabalho de grande dedicação e qualidade. Mas também com grande apreensão face às dramáticas situações vividas por muitas crianças e jovens. Tenho a consciência de que é urgente actuar, criando condições para que a mudança das escolas se processe de forma regular, não dependendo tanto de condições de militância e de meios extraordinários. Condições que têm conduzido ao desencanto que sobrevem, muitas vezes, a um grande investimento .

Considero, e tenho-o dito em vários contextos, que hoje se pede demais à escola e que só com uma coordenação, por exemplo, de esforços de autarquias, pais, autoridades ligadas à saúde, à protecção de menores, poderemos prevenir, de forma mais eficaz, as situações de exclusão. A educação exige uma responsabilidade social assumida por todos.

A gestão das escolas exige mudanças que devem ser apoiadas através de formação e avaliação. É preciso tornar possível uma maior responsabilidade pelos percursos escolares dos alunos, um maior apoio ao desenvolvimento das suas carreiras e mais qualidade nas aprendizagens. O contributo da Psicologia e das Ciências da Educação pode ser muito importante. Este é mais um desafio que deixo à vossa Faculdade, sabendo que também nestes domínios vêm desenvolvendo um trabalho significativo.

Uma quarta reflexão diz respeito às consequências do importante e necessário crescimento do ensino superior.

Parece haver unanimidade sobre a existência hoje de um número exagerado de cursos e instituições. Importa agora corrigir esta situação, reflectir sobre factores como a empregabilidade, a pertinência dos cursos e os elevados níveis de insucesso escolar existentes.

É, igualmente, preciso organizar a rede de ensino superior, coordenando recursos e projectos existentes. Há que flexibilizar o relacionamento entre instituições encontrando formas inovadoras e criativas de articulação e cooperação designadamente entre universidades e institutos politécnicos. Não podemos fechar-nos nas nossas instituições e no nosso país. As nossas formações devem ser repensadas num contexto europeu, sendo necessário um trabalho em conjunto para a sua valorização e competitividade.

É, igualmente, necessário encontrar novas respostas para os elevados índices de insucesso escolar. Nesse sentido, é importante repensar conteúdos, métodos de trabalho e processos organizativos. Há que enfrentar com rigor, mas também com inovação o acesso ao ensino superior de novos públicos. Estamos face a um novo problema do ensino superior que não pode ser ignorado e que exige um grande esforço dos seus docentes. Repensar a sua formação, critérios de acesso, progressão na carreira e mobilidade, parece-me hoje uma necessidade.

Minhas senhoras e meus senhores

A democratização das escolas portuguesas exige hoje, mais do que nunca, mudanças consistentes e apoiadas. Mudanças que integrem os esforços de muitos que se empenharam ao longo dos últimos anos em experiências com resultados positivos e úteis à melhoria da qualidade da educação. A avaliação e o conhecimento da experiência dos últimos anos deve, a meu ver, ser tida em conta.

Mas, acima de tudo, é necessário conceber processos de apoio e de formação inicial e contínua de professores de todos os níveis de ensino. O apelo que vos deixo, ao terminar esta intervenção, é para que se concentrem e coordenem esforços neste domínio que considero decisivo.

Muito obrigado pelo importante trabalho, científico e pedagógico, realizado por esta instituição.