Sessão Comemorativa do 1º de Dezembro

Lisboa
01 de Dezembro de 2000


As datas e símbolos nacionais assentam a sua força expressiva na permanência e estabilidade. Tenho todavia entendido que me cabe impulsionar uma renovação das formas comemorativas e uma atitude participativa e pedagógica em relação às próprias referências das celebrações nacionais.

Quero agradecer ao Sr. General Themudo Barata a colaboração dispensada a este intuito e o empenhamento da Sociedade Histórica da Independência Nacional na celebração continuada deste dia 1º de Dezembro.

Agradeço igualmente aos senhores oradores convidados, Professores Luís Reis Torgal e Eduardo Prado Coelho, que nos permitiram hoje olhar criticamente o passado e a modernidade, aliar a História com a Prospectiva.

A escolha do Mosteiro de Alcobaça para tentar essa síntese parece-me agora particularmente feliz. Enquanto vos ouvia, Senhor Presidente da Câmara, Senhor General, Senhores Professores, não pude deixar de sentir o testemunho que também estas pedras encerram, das gerações e gerações de “construtores da nacionalidade” que aqui se estabeleceram, logo no primeiro reinado de Portugal.

A expressão “construtores da nacionalidade” não é minha, é de uma grande figura alcobacense, cujo centenário se cumpriu no ano passado, o Professor Joaquim Vieira Natividade. Ninguém como ele soube evocar os cistercienses, “monges pacíficos, propulsores infatigáveis do desenvolvimento agrícola, que lavraram campos regados pelo sangue das batalhas, entre as devastações e as ruínas do incêndio e do saque”, e que, a seus olhos, assumiam “a estatura gigantesca de construtores de uma nacionalidade”.

Alcobaça é um dos especiais lugares de memória em que Portugal e os portugueses se reconhecem. Não apenas pelo monumento, que é magnífico, aliás justamente reconhecido como património mundial, ele que é provavelmente a mais importante abadia cisterciense que hoje pode ser vista na Europa. Mas também pela obra fundamental e pioneira que os monges de Alcobaça legaram ao país, em variadíssimos domínios: na agricultura e na hidráulica, na ciência e na técnica, no ensino tanto profissional como académico, na língua, no livro e na cultura.

Minhas Senhoras e meus Senhores

Quando celebramos um dia nacional começamos por sublinhar um vínculo histórico, seleccionado pelas gerações que nos precederam. Mas não podemos esquecer que dos traços de união com o passado fazem parte também os sonhos e os desejos que projectamos sobre o futuro.

Ao longo da história, os portugueses moldaram uma identidade assente em criações colectivas, como a Nação, o Território, a Língua e o Património Cultural.

Apesar dos contrastes geográficos, os portugueses criaram uma unidade territorial, impedindo que esses contrastes fossem factor de divisão. Essa unidade permitiu e integrou realidades geográficas específicas como os arquipélagos dos Açores e da Madeira. A valorização da unidade territorial deve ser continuada. Há que garantir ordenamento, equilíbrio, complementaridade e desenvolvimento a todas as partes do território português.

A língua é outra das criações identitárias de Portugal. A unidade linguística fortaleceu Portugal, facilitou a comunicação e emprestou dinamismo à expressão cultural. Com o fim do Império, tornou-se uma das oportunidades mais significativas para o estreitamento das relações, não só entre Portugal e os países onde existem comunidades de portugueses, como entre Portugal e os países onde o português é língua oficial.

Este factor tem merecido menos atenção do que provavelmente seria justo e necessário. Temos estado menos preocupados do que devíamos com o ensino da língua e com o estudo da língua. Sinto que temos que encontrar meios para que o conhecimento da língua se torne mais efectivo e a sua prática mais qualificada.

Além da língua, há um conjunto de criações culturais acumuladas e transmitidas que constituem o património cultural. Dispomos hoje de um consenso em torno do objectivo estratégico de defesa e valorização do património cultural, desde que defendido de utilizações puramente ideológicas. O consenso democrático em torno do património pode e deve ser aprofundado.

Há em primeiro lugar que reconhecer que o conceito de património se ampliou muito e abrange realidades mais amplas e diversas do que há algumas décadas. É também indispensável garantir o maior rigor histórico na avaliação do património. Finalmente, importa que as políticas de património se articulem de forma consistente com a educação e a escola.

A unidade nacional cedo conseguida foi uma pedra chave da independência política. Poupou o país a rupturas fratricidas. A coesão nacional evitou que momentos de especial dramatismo, no passado mais longínquo ou em tempos mais recentes, como o 25 de Abril e a descolonização, tivessem originado uma conflitualidade incontrolável.

A coesão nacional, que hoje se revê num Estado de Direito e num regime Democrático, tem que ser também alimentada pela cidadania. Quem diz cidadania, diz autonomia dos indivíduos, autonomia das comunidades, autonomia das organizações, e diz eliminação dos privilégios e dos corporativismos. Quem diz cidadania diz sociedade mais forte, instituições mais transparentes e sobretudo mais responsáveis. A partilha da responsabilidade tem de ser reequilibrada a favor das pessoas e da sociedade. O caminho do revigoramento da nação não é hoje o de um qualquer patriotismo fora do tempo mas o de uma verdadeira inversão de tendência a favor da cidadania.

Minhas Senhoras e meus Senhores

Temos orgulho no que somos e nas realizações em que projectamos o que de melhor pudémos e soubémos, mas também estamos conscientes de que a encruzilhada é apertada e o espaço para a afirmação de Portugal e dos portugueses não nos é oferecido. Só nós o podemos garantir, com o nosso trabalho e com a nossa inteligência, com a nossa determinação e, atrevo-me até a dizer, com a nossa capacidade para superarmos os nossos próprios limites.

António Vieira, um construtor de mundos - no velho mundo, peninsular, e no novo mundo, americano - recomendava frequentemente aos seus ouvintes que perscrutassem o futuro nas circunstâncias da história. "Em profecias e benefícios começados, o mesmo é referir o passado, que prognosticar o futuro", dizia.

É desse prognostico que me ocuparei agora, como sempre aliás o tenho procurado fazer, com o empenhamento e com o sentido das responsabilidades próprias por que pauto os meus actos.

A educação é e continuará a ser um factor absolutamente decisivo. Portugal joga a força da sua posição na Europa e no Mundo através da qualificação que o seu sistema escolar puder garantir. Se não conseguirmos converter este factor de atraso num factor de competitividade, o caminho será mais estreito.

A promoção da sociedade educativa terá de se articular com as exigências complexas de uma sociedade de informação que queremos que nos implique vantajosamente. Ora a vantagem só pode vir do facto de sermos capazes de mobilizar conhecimentos avançados em todos os domínios do saber, e nomeadamente nos domínios que se relacionem, directa ou indirectamente, com o desenvolvimento da base tecnológica e coma mudança organizacional das empresas. Em suma, temos que ter à nossa disposição o trunfo de uma atitude favorável à ciência e à inovação científico-tecnológica.

São desafios cruciais como não me canso de sublinhar.
Portugal prossegue com determinação o objectivo de fortalecer a sua posição na Europa. Com determinação e com sacrifícios, que muitos foram os que esta caminhada também já nos impôs. Eles não podem ter sido realizados em vão, e certamente continuaremos a ter de enfrentar desvantagens e a ter de vencer obstáculos difíceis para recuperar atrasos acumulados.

Esse caminho só pode ser trilhado de forma consistente desde que a democracia garanta, também ela, níveis mais elevados de qualidade no seu funcionamento. Este repto tem que ser enfrentado com muita clareza.

As instituições democráticas têm que dar prova de responsabilidade a todos os níveis e a todo o momento. A autoridade democrática é uma questão de regra e de escrupuloso cumprimento, e é uma questão de sentido de serviço público dos que exercem um mandato popular.

Não nos perdoariam, as gerações futuras e nesse caso justamente se deixássemos claudicar esse sentido da responsabilidade, se deixássemos ceder as finalidades das instituições aos pequenos interesses e às ambições pessoais.

Em nome dessa solidariedade com o futuro, temos de ser confiantes mas também exigentes até ao fim.

Muito obrigado.

VIVA PORTUGAL.