Apresentação de Cumprimentos de Ano Novo pelo Corpo Diplomático Acreditado em Lisboa

Palácio Nacional da Ajuda
09 de Fevereiro de 2001



Senhor Núncio Apostólico

Senhores Embaixadores e Chefes de Missão


Agradeço-lhe, Excelência Reverendíssima, os votos tão gentis que me transmitiu em nome do Corpo Diplomático e as amáveis felicitações pela minha reeleição para um novo mandato.

São palavras que muito me sensibilizam e que recebo com reconhecimento. Peço-vos, Excelências, que igualmente transmitam aos vossos Chefes de Estado e aos vossos Governos os meus desejos sinceros de paz, bem estar e progresso neste novo ano que iniciámos.


Senhor Núncio Apostólico

Senhores Embaixadores e Chefes de Missão


Esta é a primeira ocasião em que me é dado, depois da eleição presidencial, pronunciar-me sobre temas de política internacional. Por isso, mais do que passar em revista os acontecimentos do ano transacto, quero aproveitá-la para, perante vós, que representais em Portugal a Comunidade Internacional, destacar alguns desafios que me parecem prioritários para o nosso devir colectivo.

Entramos no futuro, anunciado por este novo milénio, sob o signo da globalização. Ao longo da década de 90, a globalização foi celebrada, por vezes em tom de euforia, como advento de uma nova época de paz e prosperidade, sob a égide da economia de mercado e da democracia. Essa visão demasiado optimista da globalização tem sido crescentemente contestada. Nos últimos tempos, as vozes críticas subiram de tom e aprofundou-se a consciência dos desafios com que a Comunidade Internacional se confronta.

Pela minha parte, embora tendo presente que a globalização corresponde a um processo imparável de modernização e de mudança, sempre considerei que, a par das oportunidades que inegávelmente oferece, ela também envolve riscos para os quais nunca deixei de alertar.

Não sofre contestação que o crescimento das trocas comerciais, o acesso mais fácil ao capital proporcionado pela liberalização dos mercados, o avanço vertiginoso das novas tecnologias de informação e comunicação, o desenvolvimento da ciência, a disseminação dos valores da democracia e do respeito pelos direitos humanos devem constituir vias irrecusáveis de progresso e factores de esperança para o futuro da humanidade.

Não podemos, todavia, ignorar que existem outras facetas, menos positivas, da globalização, que constituem desafio para a Comunidade Internacional no seu conjunto. Refiro-me a uma série de questões que a todos afectam mas que nenhum Estado pode, individualmente, resolver e que, talvez por isso, se vêm de ano para ano agravando, sem que para elas se vislumbre verdadeira solução.

Quero focar quatro em particular: a exclusão económica, social e cultural derivada da crescente desigualdade entre nações e entre indivíduos, os problemas de saúde pública, as agressões contra o ambiente e o aumento da criminalidade organizada.

Quanto à primeira, não podemos deixar de ter presente a situação em que se encontram milhões de seres humanos, excluídos dos benefícios do desenvolvimento e dos avanços do conhecimento, vivendo sem horizonte de esperança, postos diariamente perante o contraste entre as suas dramáticas carências e as imagens de abundância que lhes chegam pela televisão.

Vivemos num mundo em que o fosso entre ricos e pobres não pára de se cavar. A extrema pobreza e o crescimento chocante das desigualdades são problemas para todos nós; não apenas por imperativo moral, mas por todo o cortejo de consequências que acarretam, por exemplo nos domínios da saúde, da educação, da violência urbana, das migrações e da conflitualidade. Estima-se que 3 mil milhões de pessoas, quase metade da população mundial, vive com rendimentos equivalentes a dois dólares por dia. As tendências demográficas tão pouco favorecem o combate à pobreza. Todos os anos cresce, embora a um ritmo cada vez mais lento, a população do nosso planeta. Somos já mais de seis mil milhões de pessoas. Estima-se que, dentro de 15 anos, seremos mais de sete mil milhões. 95% deste aumento ocorrerá nos países em vias de desenvolvimento e a maior parte dele em zonas urbanas.

Urge concentrar esforços para aliviar a pobreza e promover a igualdade de oportunidades. Não haja ilusões. O resultado desse combate depende, no essencial, do esforço e da competência de cada Governo. Mas a Comunidade Internacional tem o dever de, solidária e empenhadamente, participar. Acelerando o perdão da dívida; alargando a abertura dos mercados aos produtos dos países em vias de desenvolvimento, encorajando a boa governação, concentrando a sua cooperação nos domínios chave da educação, da formação profissional e da saúde.

Refiro-me, em segundo lugar, à saúde pública global e, em particular, às epidemias de doenças infecto-contagiosas -- designadamente a SIDA, a tuberculose e a malária -- causa de um quarto das mortes no mundo.

Só em África, para citar o caso mais grave, são já mais de 25 milhões de pessoas contaminadas pelos vírus da SIDA, a maior parte deles na força da vida. Por detrás da frieza dos números, esconde-se uma enorme tragédia humana, com consequências incalculáveis nos domínios político, económico e social. Em alguns dos países africanos mais atingidos, apesar de uma alta taxa de natalidade, prevê-se que a população diminua nos próximos 15 anos. Como tratar dos doentes? Como cuidar dos orfãos? Como reorganizar sociedades dizimadas pela perca de boa parte da sua força de trabalho?

Também aqui a responsabilidade primeira cabe aos Governos nacionais. A experiência mostra que os países que conduziram vigorosas campanhas de prevenção têm conseguido baixar a taxa de novas infecções. É prioritário intensificar estes esforços. Mas não chega. É preciso que os meios terapêuticos já existentes possam chegar aos doentes, a preços mais acessíveis. No domínio científico, é necessário atribuir máxima prioridade à descoberta de novas vacinas contra este terríveis flagelos. Lanço daqui um apelo: que a ciência, em articulação com a indústria, ponha o seu saber ao serviço deste objectivo e que, através de um esforço concertado, a nível internacional, sejam desenvolvidos, com urgência, novos meios de combate contra estas doenças.

Em terceiro lugar, refiro a necessidade de proteger o ambiente para as gerações vindouras. Muitos são os perigos que podem, neste domínio, ser invocados.

O aquecimento global é um fenómeno comprovado, que já não é lícito pôr em dúvida. É da maior importância que, em Maio próximo, na Conferência de Bona, seja possível superar as dificuldades que impediram o sucesso da Conferência da Haia e alcançar um acordo que permita a entrada em vigor do Protocolo de Quioto, iniciando-se assim o longo caminho de redução dos gases de estufa, que estão a alterar os frágeis e complexos equílibrios do clima planetário, com consequências imprevisíveis para a vida humana.

Outras questões ecológicas merecem a maior atenção, como a crescente escassez e contaminação dos recursos hídricos: a água é um bem limitado e, cada vez mais, precioso, que importa proteger nos vários níveis de intervenção -- nacional, regional e internacional -- para evitar que se torne fonte de melindrosos confrontos, tensões e dificuldades. Recordem-se, ainda, pela necessidade de lhes dar uma resposta articulada, os problemas conexos da sobre-utilização dos solos, da desertificação, do êxodo para as cidades e do crescimento descontrolado de gigantescas megalópolis.

O último desafio que quero hoje abordar é o combate ao crime organizado.

Ao abrigo da liberdade de movimentos de bens, serviços e capitais, e servida pelos novos instrumentos de comunicação, desenvolve-se, a nível internacional, a criminalidade organizada e a lavagem do dinheiro, que promovem a corrupção e minam o Estado de direito e a democracia.

Para além do tráfico ilegal de estupefaciantes e de armas, um outro tipo de tráfico, ainda mais sinistro, tem vindo a ganhar relevo: o de seres humanos. Destinos privilegiados de imigração, os países da União Europeia devem concertar as suas políticas neste domínio, para combater a imigração ilegal e a inaceitável exploração de seres humanos que lhe está associada, caminhando no sentido de uma política de imigração contratualizada, que assegure condições de vida dignas aos que buscam nos nossos países melhores oportunidades.


Senhor Núncio Apostólico

Senhores Embaixadores e Chefes de Missão


Como lidar, de forma consequente, com estes desafios? Não podemos pensar que os mecanismos do mercado e o progresso da ciência serão suficientes, só por si, para os vencer. Será necessário, também, agir politicamente, ao nível nacional e internacional, para atacar este conjunto de problemas, cada um deles grave em si mesmo, e mais graves ainda por se reforçarem mutuamente. As soluções passarão sempre, de forma predominante, pela acção dos Estados, pela competência que mostrarem na resolução dos problemas dos seus cidadãos no plano interno e pela gestão que fizerem da interdepêndencia, no dominio internacional.

A gestão da interdependência não passa apenas pelo reforço das instâncias multilaterais de vocação global - as Nações Unidas e as suas agências especializadas, e também a Organização Mundial do Comércio -- que fornecem o enquadramento no qual podem ser dirimidos, através do diálogo, os conflitos de interesse e podem progressivamente surgir e afirmar-se objectivos partilhados por toda a comunidade internacional.

Passa, também, pelo reforço e pelo progressivo alargamento das instituições de integração regional, não apenas na Europa, mas também na Ásia, na América Latina e em outras regiões do globo.

Passa, inevitavelmente, pela mobilização da sociedade civil. Neste domínio, as ONGs têm desempenhado um papel muitas vezes pioneiro na identificação de novos problemas e realizado uma acção meritória que é justo realçar. Importa também, cada vez mais, exigir às grandes empresas multinacionais que assumam a sua quota parte de responsabilidade social, no combate pela resolução dos problemas globais, por exemplo, da saúde e do ambiente. É ainda de assinalar o papel dos orgãos de comunicação social na tomada de consciência destes novos desafios.

Passa, fundamentalmente, pela afirmação de um conjunto de valores, que devem contituir a base da organização política do nosso mundo -- o respeito pelos direitos humanos, a democracia, a solidariedade. Porque só governos que respondem perante os seus cidadãos terão sempre presente o interesse público e só regimes abertos e atentos às necessidades e expectativas das populações terão capacidade para mobilizar as energias necessárias para vencer os desafios do século XXI.

Há que reconhecê-lo: o interesse nacional já não pode hoje ser separado do interesse global. Qualquer princípio de solução dos problemas de índole global começa pelo sentimento da co-responsabilização. Portugal está disposto a assumir a sua parte, na medida das possibilidades ao seu alcance.


Senhor Núncio Apostólico

Senhores Embaixadores e Chefes de Missão

Temos de saber pensar em novas formas de organização para a Comunidade Internacional do século XXI, tendo presente, naturalmente, o caminho já percorrido até aqui. Por estarem assentes em valores partilhados, as estruturas institucionais criadas na comunidade euro-atlântica, de que são exemplos, entre outras, a Aliança Atlântica, a União Europeia, o Conselho da Europa e a própria OSCE, sobreviveram ao fim da Guerra Fria e continuam a demonstrar uma notável capacidade de adaptação e atracção.

O grande desafio que temos pela frente é a integração não apenas das novas democracias da Europa Central e Oriental, mas também a inserção da Rússia e da Ucrânia numa ampla zona de paz, prosperidade e cooperação euro-atlântica, sob a égide da democracia e dos direitos humanos, no respeito pela soberania de cada um dos Estados que a compõem.

Na última década foram dados passos importantes nesse sentido. Temos agora de os consolidar e completar. Nesta grande tarefa, todas as estruturas institucionais da comunidade Euro-Atlântica têm um papel relevante a desempenhar. Por ser de todas a mais abrangente, permitam-me que refira, em particular, a OSCE, de que assumiremos, no próximo ano, a presidência.

O eixo fundamental da política externa portuguesa continua a ser a participação nessa comunidade. No plano da defesa, continuamos firmemente ancorados na Aliança Atlântica, ao mesmo tempo que damos uma contribuição activa para o reforço da capacidade militar da União Europeia. Como membros responsáveis da Comunidade Internacional, temos vindo a aumentar a nossa presença nas forças de manutenção de paz em operações sob a égide da ONU, destacando-se pelo seu peso a nossa presença em Timor.

No âmbito da União Europeia, que desempenha, em todo este processo, um papel central, continuamos plenamente empenhados em nos manter na primeira linha do processo de integração, certos de que essa é a melhor forma de defender o interesse nacional. Queremos uma Europa mais coesa e forte, aberta a parcerias com outras regiões, capaz de integrar novos membros sem se diluir, ambiciosa nos seus projectos mas respeitadora da identidade e da autonomia de cada um dos seus Estados-membros.

Concluiu-se o ano passado, na cimeira de Nice, uma longa negociação que visava preparar a União Europeia para o grande desígnio do alargamento. Regozijo-me por ter assim ficado aberto o caminho para a entrada de novos membros na União Europeia, que esperamos estejam em condições de participar, como membros de pleno direito, na próxima Conferência Intergovernamental prevista para 2004.

Apesar de todas as dificuldades, foi possível, em Nice, alcançar um compromisso razoável que garante a todos os Estados-Membros um nível aceitável de representação no processo de tomada de decisão. Importa agora unir os nossos esforços para vencer os importantes desafios que a agenda comunitária nos reserva para os próximos anos: em primeiro lugar o alargamento, mas também a introdução da moeda Euro, a coesão económica e social, a reforma da Política Agrícola Comum e a definição das perspectivas financeiras da União a partir de 2006.

A próxima revisão dos tratados, prevista para 2004, constituirá uma ocasião da maior importância para, no quadro de uma União alargada, re-equacionar os equilíbrios institucionais, clarificar a divisão de competências entre orgãos comunitários e Estados Nacionais e consolidar o conceito de cidadania europeia. A preparação dessa Conferência deve ser ocasião para um amplo debate sobre o futuro da construção europeia, que deve mobilizar todos os cidadãos e responsáveis políticos nos Estados Membros da União. Não existem fórmulas, determinadas à partida, para definir um modelo político que, desde a primeira hora, foi original e se mantém em permanente evolução. No domínio das propostas para o nosso futuro comum, estamos todos em igualdade de circunstâncias. O que importa é prosseguir, num quadro de solidária paridade, o caminho de progresso iniciado por Monnet e Schumann.

No âmbito da lusofonia, continuamos apostados no reforço da CPLP e das nossas relações bilaterais com todos os seus membros. Permitam-me que faça referência específica ao caso de Angola, para exprimir ao povo angolano a minha esperança de uma paz que não demore e permita o seu progresso e desenvolvimento. E, também, ao caso de Timor, que esperamos brevemente acolher, como membro de pleno direito, na nossa Comunidade. Deixo aqui uma palavra de confiança na capacidade dos timorenses para, em colaboração com as Nações Unidas, construírem um novo Estado, independente e democrático.

Senhor Núncio Apostólico

Senhores Embaixadores e Chefes de Missão


Antes de terminar, devo mencionar alguns acontecimentos particularmente marcantes da vida política internacional do ano transacto.

Lastimo a continuação e, em alguns casos, o agravamento de conflitos que marcam infelizmente o quotidiano internacional. Compreenderão que refira, em particular, o trágico retrocesso que se verificou no processo de paz do Médio-Oriente, após um processo negocial que nunca, como em Camp David, esteve tão próximo do sucesso.

Regozijo-me com duas importantes vitórias da democracia. Na Jugoslávia, a queda de Milosevic permite-nos encarar com nova esperança o futuro da região dos Balcãs. No México, o funcionamento da alternância, com a eleição do Presidente Vicente Fox constitui um sinal muito encorajador da implantação, cada vez mais sólida, da democracia na América Latina.

Foi eleito, no ano transacto, um novo Presidente dos Estados Unidos da América. Trata-se sempre de um acontecimento marcante, dadas as grandes responsabilidades dos Estados Unidos na cena internacional. Sem o seu empenhado contributo, não será possível resolver as grandes questões de âmbito global que a todos nos preocupam. Estou seguro que os Estados Unidos, nosso aliado, se manterão fiéis aos princípios do multilateralismo, que tanto contribuíram para formar, prosseguindo, com a Europa, uma parceria que desejamos cada vez mais equilibrada.

Para terminar, quero transmitir, por vosso intermédio, os meus sinceros votos de que o ano agora iniciado seja de paz e de progresso e portador de uma nova esperança para o futuro da humanidade. Peço especialmente aos Embaixadores dos países que tive o prazer e a honra de visitar no ano passado que transmitam os meus sinceros agradecimentos a Suas Excelências os Presidentes da Roménia, de São Tomé e Príncipe, de Moçambique, do Brasil e do Panamá pela forma tão cordial como me acolheram. E a Vossa Excelência Reverendíssima, peço que transmita uma palavra especial de agradecimento ao Santo Padre, que, no Ano Jubilar, de tão profundo significado para a Igreja, nos honrou com a sua visita, de que guardo grata recordação.


Muito obrigado e bom ano