Conferência "Políticas de Combate à Exploração do Trabalho Infantil nos Países da Europa"

Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa
01 de Fevereiro de 2001


Minhas Senhoras e Meus Senhores,

É com muito gosto que saúdo a realização desta Conferência e que desejo a todos os que nela participam três dias de trabalho produtivo e agradável.

Permitam-me que interprete a presença de todos os que estão nesta sala num duplo sentido.

Antes de mais, como uma demonstração da vontade comum de contribuir para a erradicação da exploração do trabalho infantil das sociedades contemporâneas.

Depois, como uma homenagem a todos os que, em Portugal como noutros países, se batem por um desenvolvimento económico que reconheça e respeite os limites impostos pela dignidade humana e pela solidariedade social.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Portugal realizou no último quarto de século um conjunto de transformações políticas, económicas e sociais muito profundas.

Do derrube da ditadura à institucionalização da democracia, do fim da guerra colonial à integração dos retornados, do isolamento internacional à integração nas Comunidades Europeias vai um caminho onde as dificuldades já vencidas não ocultam a dimensão das que temos de ser capazes de ultrapassar.

Portugal, que é hoje um país de acolhimento para um número crescente de cidadãos estrangeiros que aqui procuram paz, segurança e condições mais dignas de existência, quer como tem sido notório, continuar a desenvolver activamente as políticas de integração e de solidariedade social.

Erradicar a exploração do trabalho infantil é uma das grandes causas sociais que, temos assumido com coragem e que temos de vencer numa luta sem tréguas. Portugal pode e deve desenvolver-se sem explorar o trabalho das crianças. O esforço realizado deve dar-nos alguma auto-estima, (que não esquece sentido crítico) de que andamos por vezes tão arredios. Ver palavras dos Srs. Hans Kruger e Kari Tapiola.

Em respeito pelas vítimas da exploração do trabalho infantil reconheçamos, porém, que não se trata de tarefa simples nem fácil.

De facto, as mudanças científicas, tecnológicas, económicas, demográficas, sociais e políticas que as sociedades conheceram nas últimas décadas transformaram profundamente as lógicas do desenvolvimento económico e das clivagens sociais, alteraram as relações de poder e fizeram emergir novas reivindicações e novos factores de risco social e ambiental.

Em consequência, quer a agenda política, quer a governabilidade das sociedades contemporâneas estão hoje perante um conjunto de oportunidades e de condicionalismos sem precedentes.

Nunca como hoje a humanidade viu o desenvolvimento científico e tecnológico coabitarem tão facilmente com o analfabetismo e a iliteracia, nunca como hoje as oportunidades de crescimento económico acompanharam tão de perto um aumento notório das desigualdades entre regiões e grupos sociais.

Uma situação com estas características é, certamente, uma época que mostra à saciedade a crise das estratégias e dos instrumentos tradicionais de intervenção política.

Mas, ao contrário do que afirmavam certas ideologias que fizeram moda durante os anos 80 e 90, não é, não pode ser, uma época de subalternização da política.

Bem pelo contrário, a responsabilidade colectiva pela garantia da efectividade dos direitos cívicos, políticos e sociais exige que façamos o que estiver ao alcance de cada um de nós para que os imperativos da competitividade empresarial não nos condenem à opção, mutuamente exclusiva, entre eficiência económica e justiça social.

Por mim, recuso a tese segundo a qual os poderes públicos nacionais e das organizações internacionais estariam hoje tão limitados que seriam incapazes de assegurar a efectividade dos direitos cívicos e políticos, ao mesmo tempo que os direitos sociais seriam um luxo só possível em momentos e em regiões excepcionais.

É cada vez mais claro que o mundo em que vivemos e o futuro que podemos construir não estão condenados a ser um espaço e um tempo em que os maiores e mais poderosos vencem sempre os mais pequenos e mais vulneráveis.

O mundo em que vivemos pode e deve transformar--se.

Pode e deve ser um espaço e um tempo em que a lógica do desenvolvimento sustentável se sobrepõe à extracção descontrolada e irresponsável dos recursos naturais.

Pode e deve ser um espaço e um tempo em que os valores da dignidade e da decência do trabalho humano e da universalidade dos direitos de cidadania definem as fronteiras que se impõem à procura legítima do aumento da competitividade empresarial.

Pode e deve ser um tempo e um espaço em que a luta contra a exclusão social não faz esquecer o combate à exploração do trabalho.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

A batalha que Portugal está a travar contra a exploração do trabalho infantil tornou-se, nos últimos anos, um ponto importante da agenda política, social e laboral nacional.

Espero que a Conferência que agora se inicia permita melhorar a compreensão que temos desta importante questão social, dentro e fora do nosso País.

Pela minha parte, quero começar por saudar os que vêm contribuindo para que fosse e seja possível confrontar todos e cada um de nós com a responsabilidade – intransferível! – de contribuir para que hoje conheçamos melhor as causas, a dimensão, as formas e as consequências da exploração do trabalho infantil em Portugal e no mundo.

Nas famílias e nas comunidades locais, nos sindicatos, nas associações cívicas e religiosas, nas empresas, nos departamentos da administração pública, nas universidades, nos meios de comunicação social, nos partidos políticos e nos órgãos de soberania há pessoas que se tornaram credoras do reconhecimento público pelo que vêm fazendo neste domínio.

Em segundo lugar, quero salientar a importância e agradecer o contributo que algumas organizações e personalidades deram, em diferentes instâncias europeias e internacionais, para que Portugal tenha podido dispor dos apoios qualificados com que contou e conta no combate que estamos a travar contra a pobreza e a favor do direito de todas as crianças que vivem em Portugal terem uma infância digna e saudável.

É um combate decisivo, até porque dele depende que as crianças e os jovens possam acreditar que o futuro que estão a construir com as suas famílias, com as escolas que frequentam e com as comunidades a que pertencem será mais livre e mais justo do que aquele que marcou as vidas das gerações que os precederam.

Por último, quero juntar a minha voz e garantir o meu apoio aos que, perante uma avaliação lúcida do caminho já percorrido, estão determinados a prosseguir essa longa e complexa batalha pela erradicação da exploração do trabalho infantil, seja ele feito nas empresas ou realizado a coberto da privacidade da família.

Os êxitos que já obtivemos mostram que, com o conhecimento aprofundado dos problemas, com o desenvolvimento, a adaptação e a coordenação de políticas e de instrumentos de intervenção e com a cooperação entre a esfera pública e privada é possível obter resultados mensuráveis nessas exigências centrais dos nossos dias que são a universalidade e a efectividade dos direitos de cidadania.

Mas, como bem sabemos, é ainda longo o caminho que há a percorrer.

Reitero, pois, o meu desejo de que os trabalhos desta Conferência permitam dar, dentro e fora de Portugal, alguns passos mais nessa direcção e desejo aos estrangeiros que connosco quiseram partilhar estes dias de reflexão uma estadia agradável no nosso país.

Muito obrigado pela vossa atenção.