VII Congresso Nacional de Professores

Aula Magna, Lisboa
21 de Março de 2001


Com a minha presença nesta importante reunião de professores, quero partilhar convosco o sentimento de urgência que sinto face à necessidade de mudar a educação no nosso país.

Sentimento que resulta de uma atenção sistemática que tenho dedicado a este sector, do contacto frequente com pais, professores e alunos, das visitas assíduas a escolas. A minha atitude continuará a ser a de ver na educação a grande prioridade. Quero afirmá-lo aqui, perante vós, neste início de mandato, como o fiz igualmente perante as associações de pais no passado sábado.


Caras amigas e caros amigos

A relação que me liga a vós é, para alem da estima, a de uma sólida afinidade de preocupações. Apesar das diferenças que marcaram os nossos percursos, acredito que temos uma identidade de pensamento e de aspirações quanto às finalidades da escola que são, a meu ver, a aquisição de conhecimentos, a realização pessoal dos alunos, a aprendizagem da cidadania e a formação para o mundo de trabalho.
Essas grandes finalidades mantêm-se. Mas, porque o mundo mudou e porque a população escolar coloca novas exigências, a escola tem de ser diferente do que foi no passado, mesmo passado recente.

É pois de um novo mandato para a escola que vos quero falar na primeira parte da minha intervenção.

Considero meu dever lembrar o investimento realizado nos últimos anos, para aumentar a capacidade de acolhimento a todos os níveis de ensino. Tal esforço é um motivo de orgulho para todos nós e a evolução que ele representa é particularmente sensível na educação pré-escolar e no 3º ciclo do ensino básico. Também no ensino superior o aumento da frequência verificado não encontra paralelo em qualquer outro país da OCDE. Este aumento do acesso trouxe à escola populações com origens culturais e capacidades de integração muito diferentes.

Face a esta evolução, torna-se necessário à escola pública assumir um novo mandato, pondo em prática as mudanças necessárias à sua democratização. Atenção, porém: não é de baixar os níveis de exigência que se trata. Refiro-me, sim, a uma escola que terá de ser capaz de encontrar novos equilíbrios entre as necessidades do conhecimento e a capacidade de atender às diferenças culturais dos seus alunos.

Não devemos pensar, como aqueles que julgam ser possível um regresso ao passado, que a escola se deve preocupar apenas com a transmissão estática de conhecimentos, ignorando a evolução da população que a frequenta. Quero falar-vos de uma Educação para Todos, de uma educação em que nenhuma criança deve ser deixada para trás.

Não vos escondo o meu sentimento de preocupação perante o futuro da escola e da educação. Contudo, o empenhamento e a capacidade de inovação que tenho presenciado, permitem-me aliar a essa preocupação a esperança no futuro. É por isso - e é também pelo grande apreço pela vossa missão - que venho aqui dizer-vos, hoje, que é preciso um grande esforço de mudança, no dia-a-dia das escolas, nas práticas docentes, na organização da educação e também nas políticas educativas. É preciso um grande esforço de todos, numa tarefa de tão grande complexidade.

Quero dizer-vos, ainda, que acredito na importância de um sindicalismo forte, moderno e aberto. Sindicalismo que, para além de contribuir para prestigiar os professores e defender os seus direitos, deve ser colocado ao serviço de uma escola centrada no aluno, onde exista mais igualdade de oportunidades e onde todos possam aprender.


Caras e caros professores

A evolução a que assistimos hoje – ao nível da informação, da economia, da família, das sociedades, da vida política e social –, requer uma nova atenção sobre a educação.

A aquisição dos instrumentos essenciais para compreender o mundo tem de continuar a merecer grande atenção de todos. Sabemos o peso que tem hoje, na vida das crianças e dos jovens, o impacto produzido pelos media. Não podemos recusar a sua importância. Mas sabemos também quanto a sua influência pode ser redutora e simplista, assente muitas vezes no sensacionalismo, na massificação, no imediatismo, na superficialidade. Essa influência exige uma actuação crítica da escola, não no sentido de ignorar a influência desses canais de comunicação, muitas vezes encarados como “rivais” da escola, mas visando desenvolver a capacidade de ler e compreender o mundo, de organizar e analisar a informação, recebida por vias informais. Para preparar os cidadãos para ler o mundo, a escola não pode falhar uma das suas missões essenciais que é ensinar a ler, a escrever, a interpretar, a perspectivar, a usar o espírito crítico.

O primeiro desafio que vos quero colocar é, por isso, dirigido em especial à escola do 1º ciclo, onde muito do futuro das crianças é traçado. Quero pedir o vosso empenhamento, muito especial, ao nível da aprendizagem da leitura e da escrita, que considero decisivas.
Aprender a ler e a escrever é conquistar um poder essencial sobre a própria vida, é adquirir a capacidade de poder organizar e criticar a informação recebida, de exprimir o que se pensa, de descobrir o mundo, de conquistar a liberdade. Trata-se de um instrumento essencial para a vida de qualquer pessoa, que todas as crianças devem adquirir e que requer um grande esforço, sobretudo nas primeiras fases da escolaridade.

O segundo desafio que vos quero lançar diz respeito à necessidade de encontrar estratégias de enquadramento e apoio aos alunos que encontram dificuldades e se desmotivam, evitando que venham a abandonar a escola. A escolaridade obrigatória tem de ser organizada de modo a que todos aprendam a cumprir os seus deveres de estudo e frequência das aulas. Não é aceitável que os alunos decidam por eles próprios se querem ou não frequentar as aulas. É necessário criar ambientes de trabalho motivadores e regras claras e mais exigentes de frequência das aulas.

Uma escola democrática não pode ser uma escola laxista ou indiferente a percursos de insucesso e abandono escolar. Temos de evitar, para bem dos alunos e da sociedade, que a escola continue a produzir gerações de jovens sem qualificação.

O terceiro desafio diz respeito à preocupação que tenho com o aumento da violência e da indisciplina na escola, problemas a que me referi recentemente. Trata-se de uma questão política de fundo que põe em causa a democracia e a tolerância, porque cria um clima de coacção psicológica e de perturbação na vida dos alunos e da escola. A solução destes problemas tem de ser encontrada com firmeza, com o contributo das equipas educativas.

Tenho ouvido, frequentemente, uma referência à necessidade de reencontrar a autoridade dos professores. Considero a autoridade absolutamente essencial à criação de um clima de trabalho. Mas, também neste caso, não podemos sonhar com o regresso ao passado. Os professores são os primeiros a saber que, se lhes compete serem os principais responsáveis pela organização do trabalho tendo em vista os objectivos de aprendizagem a atingir, não é mais possível esperarem encontrar turmas inteiras de alunos passivos a ouvir as lições. Cumpre ao professor transmitir conhecimentos, mas é também seu papel organizar as aprendizagens. Há por isso uma nova concepção de autoridade que exige participação dos alunos. A primeira palavra deve ser do professor, mas compete-lhe organizar o trabalho na sala de aula, de modo a que a palavra seguinte seja dos alunos.

O quarto desafio que vos deixo diz respeito à criação de equipas educativas que assumam uma dimensão de integração e educação para a cidadania. Considero ser necessário o desenvolvimento de novas competências profissionais que permitam ao professor sair da sala de aula e participar na organização da escola, como espaço de cultura, de aprendizagem, de respeito e de cidadania. Toda a vida escolar e educativa deve ser orientada por professores, mesmo que nela participem outros agentes educativos.

Há, por outro lado, que responder a novos desafios do mundo de hoje. Refiro-me, por exemplo, à educação ambiental e patrimonial, à prevenção rodoviária, ao combate à toxicodependência, à educação sexual, à educação jurídica e política, à educação para os media, essenciais ao exercício da cidadania.

Como sabem, preocupa-me profundamente o alheamento dos cidadãos, e sobretudo dos jovens, face à vida cívica. E se, por um lado, esta situação se deve a conteúdos e práticas da vida política pouco motivadores, há que apontar, igualmente, como factores responsáveis por esse alheamento o desconhecimento que os cidadãos têm seus direitos e deveres. É necessário nesta matéria desenvolver conteúdos, e também práticas, que permitam aos jovens adquirir na escola competências de participação.

A nova escola de que vos falo exige, também, dos professores um novo mandato. Repensar a profissão docente no quadro desse novo mandato é essencial para a escola. A segunda parte da minha intervenção diz respeito a esse novo mandato dos professores.

Tenho defendido que a escola e os professores, por si só, não poderão resolver todos os problemas que se lhes apresentam hoje e tenho apelado à criação de uma responsabilidade social partilhada por todos: pais, professores, serviços de orientação educativa, autarcas e serviços sociais, serviços de segurança. Mas os professores têm o papel mais decisivo na educação.

Permitam-me que partilhe convosco quatro preocupações que se prendem com a profissão docente.

A primeira preocupação diz respeito à formação – inicial e contínua – dos professores. Formação que deve preparar para o exercício de novas funções. Sabemos todos como a formação é condição essencial para a aquisição de novas competências, sem as quais não será possível enfrentar as dificuldades e promover uma educação de qualidade.
Uma segunda preocupação, também relativa à evolução da vossa profissão, diz respeito a um necessário reforço da colegialidade docente.

Sabemos que a maioria dos problemas que se colocam no dia-a-dia das escolas exige uma permanente concertação, nomeadamente no que se refere ao planeamento e à organização das aprendizagens e, também, ao nível da sua avaliação. A profissão docente deixou de poder ser uma actividade solitária, assente em compromissos individuais, para ser baseada em equipas pedagógicas. Há, pois, aqui, uma nova concepção da função docente e exigências de novos processos de organização da escola

Uma terceira preocupação tem a ver com a necessidade de repensar, em conjunto, a ética profissional docente.

Todos nós temos recordações dos professores que nos marcaram pela sua competência e também, muitas vezes, pelo seu exemplo. Esta influência que o professor exerce nos alunos pode ter grandes consequências: boas e más.

Trata-se, assim, de uma profissão de grande responsabilidade o que exige, por isso, uma reflexão muito especial. Sei que sois hoje confrontados com situações de grande complexidade e com dificuldades que vos obrigam a penosas deslocações das vossas residências familiares ou ao exercício docente em escolas e zonas sociais muito difíceis. Preocupo-me com os problemas pessoais que daí decorrem, dando origem a grandes desânimos ou processos de stress e de instabilidade para os quais é necessário encontrar soluções.

Os alunos não podem ser penalizados por isso. As soluções devem, a meu ver, colocar em primeiro lugar o seu interesse. Há que rever os processos de colocação, de modo a permitir uma maior estabilidade e um relação de maior responsabilidade com a escola e com os alunos.
Peço-vos, por isso, que, no quadro da reflexão sobre a vossa carreira, pensem a dimensão ética da docência e as regras do exercício profissional.

Em quarto lugar quero propor-vos uma simples ponderação – e é só disso que se trata aqui - sobre o reconhecimento do mérito no desenvolvimento da carreira docente. Não é uma questão de fácil resposta no contexto actual, mas, mesmo assim, acho que deve ser abordada.

A solução dos problemas da escola exige dedicação, esforço, capacidade de inovação e pesquisa de novas soluções. São qualidades pessoais e competências essenciais que devem ser valorizadas e reconhecidas profissionalmente.

Tenho conhecido, nos meus contactos com as escolas, experiências notáveis em que educadores e professores se empenham na solução de situações da maior dificuldade social e pedagógica. Visitei projectos interessantíssimos e falei com os seus protagonistas, a quem muitas vezes tenho designado por notáveis anónimos.

Deixo estas perguntas:

Como estimular estas experiências? Como evitar que os seus protagonistas caiam no desencanto? Como inserir nas carreias uma valorização do mérito?


Minhas Senhoras e Meus Senhores

Na terceira parte da minha intervenção, quero propor-vos uma reflexão sobre o futuro da educação. A consciência clara dos prejuízos causados pelos atrasos que este sector apresentou durante décadas é uma razão para concentrarmos esforços de modo a melhorar as condições de acesso e frequência da escola e da educação ao longo da vida.

Temos, como todos sabemos, níveis muito baixos de qualificação da população activa. A democracia tem uma dívida a saldar para com os adultos que foram privados do acesso à educação ou que a abandonaram precocemente. Os dados sobre a evolução neste sector mantêm-se preocupantes. Tardamos em encontrar políticas e, sobretudo, práticas adequadas.

Considero que não devem ser adiados os esforços para coordenar as políticas de educação e formação de adultos dependentes dos vários sectores governamentais. Mas os esforços têm de ser concentrados, igualmente, ao nível da organização dos sistemas de creditação de saberes e competências e, também, dos ritmos e práticas de formação.

Não podemos continuar a ter níveis tão elevados de abandono na educação de adultos. Há que encontrar estratégias e práticas mais motivadoras, tornar as escolas mais atractivas, formar os formadores.

Este é o último desafio que vos quero deixar hoje. Tenho conhecido profissionais muito dedicados, com um trabalho de grande militância neste sector. Acredito que os professores poderão ter um papel decisivo. Peço-vos, por isso, um grande empenhamento para que se criem novas e consistentes oportunidades de formação para os adultos.

A dimensão do que falta fazer exige um esforço generalizado a todos os níveis de ensino, assumindo-se uma perspectiva de educação ao longo da vida. É necessário que as crianças e os jovens aprendam a gostar de aprender. Esta é uma condição para que as pessoas voltem à escola em outras etapas da vida ou se integrem em projectos de formação noutros contextos.

Preocupa-me saber que, anualmente, um número muito elevado de jovens abandona a escola, sem vontade de continuar a sua formação. Sei que existem já alguns projectos que pretendem reconciliar estes jovens com a educação e a formação, mas é necessário prosseguir estas políticas com convicção. E é preciso que a formação proposta àqueles que abandonaram a escola seja diferente e mais adequada à etapa da vida em que se encontram.

A democracia exige mais investimento dos portugueses na sua própria educação ao longo da vida. São precisos, para isso, processos educativos que motivem as crianças, os jovens e os adultos.

Acredito no papel importante dos sindicatos. Quero acreditar que em Portugal haverá uma convergência de esforços para desenvolver a aprendizagem ao longo da vida, para mudar a educação, tornando-o verdadeiramente um imperativo que todos assumam como seu.

Desejo-vos os maiores êxitos para o Congresso e para a vossa vida profissional

O país, e sobretudo os alunos, precisam do vosso profissionalismo, da vossa dedicação e da vossa generosidade. Muito obrigado a todos.