XXVI Encontro Nacional das Associações de Pais

Exponor, Matosinhos
17 de Março de 2001


É com muito prazer que participo no XXVI Encontro Nacional de Associações de Pais dedicado ao tema “Educar Hoje... Perspectivando o Futuro”.

Como sabem, considero o papel das Associações de Pais decisivo para a melhoria da educação. A resolução dos problemas que se colocam hoje à escola depende, em larga medida, da sua capacidade de trabalho com as famílias. Por isso, é necessário haver um esforço, das duas partes para se encontrar novos caminhos para esta colaboração.

Estou aqui convosco, no início do meu novo mandato, para reafirmar a minha convicção de que a educação é a condição indispensável ao nosso desenvolvimento e deve constituir uma prioridade nacional. O que hoje fizermos na educação determinará, de forma decisiva, o futuro do país e da democracia, e disso dependerá também a melhoria de vida dos portugueses e a sua capacidade de enfrentar um Mundo cada vez mais complexo, exigente e competitivo.

Apesar das dificuldades, temos percorrido, desde 1974, um caminho muito importante, aumentando de forma significativa o acesso a todos os níveis de ensino. Contudo, continuamos com muitas carências e atrasos. Devemos, pois, continuar a fazer um grande esforço, quer em matéria da formação dos jovens, quer em matéria de qualificação da população activa. Temos de ser capazes de diminuir o desfasamento relativamente aos nossos parceiros europeus.


Minhas Senhoras e Meus Senhores

A experiência mostra-nos que o aumento da cooperação dos pais com a escola é essencial, quer ao nível do apoio aos próprios educandos, quer ao nível da participação em projectos conjuntos.
Permitam-me que partilhe convosco uma reflexão sobre o papel da escola, elemento central do desenvolvimento educativo.

Hoje, como ontem, a escola deve assumir como finalidades a aquisição de conhecimentos, a realização pessoal dos alunos, a aprendizagem da cidadania e a formação para o mundo do trabalho, com tudo o que essa formação representa em matéria de capacidade de adaptação à mudança. Para assumir estas finalidades, a escola tem de responder eficazmente à evolução da população escolar, trabalhar com as famílias e com os outros parceiros educativos.

A generalização do acesso à educação deu à população escolar uma grande diversidade cultural, social e étnica. Preparadas, no passado, para lidar com populações resultantes de sucessivos processos de selecção, as escolas ainda não encontraram, de forma sistemática, uma organização favorável ao desenvolvimento, num quadro de grande heterogeneidade, das potencialidades de todas as crianças e jovens.

A grande orientação para a escola do nosso tempo, aceite mesmo pelas filosofias mais liberais, é de que nenhuma criança deve ficar para trás. Por isso, se as finalidades da escola devem continuar a ser idênticas, a sua organização e as estratégias pedagógicas e educativas têm de ser obrigatoriamente diferentes das de ontem. E devem ser diferenciadas tendo em conta os seus alunos.

Temos, assim, de reconhecer que existe hoje um novo mandato para a escola. Esse mandato obriga a procurar um novo equilíbrio entre o esforço para promover a aquisição de conhecimentos e a capacidade de atender às diferenças culturais dos alunos e também às suas dificuldades. Há que transformar a instituição educativa num espaço de estudo, de cultura, de civismo, de convívio, de aprendizagem de hábitos de trabalho e de esforço, de respeito por regras.

Quero – queremos todos – ter uma visão optimista sobre o futuro das crianças portuguesas. Para isso precisamos de vencer o desafio da educação.


Caros Amigos

Proponho-vos, agora, uma reflexão mais específica sobre dois problemas cuja solução é essencial ao cumprimento das finalidades da escola.

O primeiro problema prende-se com o insucesso escolar e com a desmotivação de um grande número de crianças portuguesas. A situação de insucesso atinge de forma mais significativa as crianças e os jovens provenientes de meios mais desfavorecidos.

Existe ainda um número preocupante de alunos que, apesar de inscritos na escolaridade obrigatória, não frequentam a escola ou frequentam sobretudo o pátio e a cantina, faltando às aulas. São situações inaceitáveis. Todavia, foram-me relatados casos em que a participação dos pais na resolução do problema teve resultados muito positivos. Penso que têm de ser encontradas formas de garantir que os alunos sejam estimulados e cumpram os seus deveres de frequência da escolaridade obrigatória. Essa frequência não pode ser deixada ao critério dos alunos, pois é uma questão essencial para a democratização efectiva da escolaridade.

Sabendo embora que o ambiente de vida explica as dificuldades e o desinteresse, somos obrigados a reconhecer que, por vezes, a desmotivação e o insucesso escolares revelam falta de capacidade da própria escola para organizar aprendizagens motivadoras.

Não podemos, como muitas vezes se faz, tentar encontrar os responsáveis pelo insucesso numa das partes, desresponsabilizando as outras. Pelo contrário, devemos reconhecer que só com o esforço conjugado de todas as partes – das famílias, da instituição educativa e dos próprios alunos – poderemos criar uma escola mais eficaz.

Escola que necessita de meios, quer ao nível da orientação educativa e dos apoios aos alunos, quer ao nível das condições de trabalho que proporciona, designadamente, quanto a meios bibliográficos, informáticos, laboratoriais, oficinais. Esses meios não são uma condição suficiente, mas são uma condição necessária. E com eles é mais fácil mobilizar os alunos para o estudo.

A formação dos professores constitui, igualmente, uma estratégia essencial para a mudança da escola e, em particular, para as mudanças curriculares que são necessárias.

Um segundo problema, muitas vezes associado ao insucesso escolar, prende-se com a indisciplina e a violência na escola. Sei que esta é hoje uma das preocupações dos pais.

Tenho seguido de muito perto a situação nesta matéria. Trata-se de um tema delicado que deve ser encarado, prioritariamente, de um ponto de vista da prevenção de situações que são prejudiciais a todos. A sua compreensão exige, obviamente, que se considerem factores que vão desde a organização da vida escolar à segurança nas cidades, ao urbanismo, à protecção social.

Considero, no entanto, que existem alguns motivos de preocupação e que se impõem, aqui também, mudanças essenciais. A escola deve ser o lugar onde se aprende a cidadania e não o desrespeito pelas regras de vida moral, social e pública.

É importante distinguir nesta matéria três tipos de fenómenos. Por um lado, os comportamentos de perturbação das aulas, muito frequentes; em segundo lugar, a pequena violência que se tem vindo a instalar, sobretudo nos recreios de algumas escolas; em terceiro lugar um conjunto de comportamentos violentos mais graves mas, felizmente, ainda raros. Não deixarei de me referir a eles, porque constituem fenómenos que uma sociedade democrática deve ser capaz de ultrapassar. Todos estes problemas devem, e podem, ser combatidos.

A indisciplina constitui, em muitas escolas, um factor de perturbação do funcionamento das turmas e da aprendizagem. É necessário prevenir estes comportamentos, designadamente através da motivação dos alunos e através de práticas participadas de gestão na vida da turma. Mas é preciso, igualmente, possuir regras claras para sancionar comportamentos perturbadores da vida colectiva. A escola tem de ter condições de estudo e trabalho. O ambiente escolar tem de ser tranquilo e organizado para permitir um trabalho eficaz a professores e alunos. Os professores têm um papel essencial, organizando o trabalho baseado no respeito de todos.

Um segundo aspecto para o qual há que organizar mecanismos de prevenção, traduz-se em pequenos furtos ou em outras práticas que atemorizam os alunos. São comportamentos atentatórios da liberdade que devem ser combatidos. A ignorância ou a impunidade d estas práticas, encoraja o aumento do clima de coacção psicológica, que é incompatível com a liberdade e com a democracia.

É essencial assumir uma educação de base sólida para todas as crianças e jovens, promovendo práticas e conteúdos de educação para a cidadania. A educação para a cidadania deve ter como base a aprendizagem dos direitos e deveres de cada aluno, da tolerância e do respeito pelos outros.

A violência mais grave não é frequente, mas ainda assim deve ser objecto da nossa preocupação. Esta violência é, aliás, a mais divulgada pela comunicação social, promovendo, por vezes, uma notoriedade que afecta muito as escolas envolvidas, na medida em que as pode estigmatizar. É necessário apoiar estas escolas na procura de soluções eficazes, evitando que se instale delas uma imagem negativa que motiva a instabilidade docente, prejudicando ainda mais o seu funcionamento. Há que evitar, a todo o custo, que nestas escolas o estigma dê origem a pretextos de afirmação a alguns dos seus alunos, que se assumem como heróis, pela negativa, em consequência da fama adquirida.

A violência na escola tem de poder ser enfrentada com celeridade, não se permitindo a impunidade que põe em causa a segurança e a liberdade. Sei que estão a ser feitos estudos visando introduzir alterações legislativas. Espero que venham a clarificar responsabilidades, direitos e deveres.

É motivo de redobrada preocupação o facto da violência acontecer sobretudo nas zonas mais débeis e degradadas do ponto de vista social e urbanístico, estando com frequência ligada a razões de natureza familiar (famílias desagregadas, com experiência escolar muito reduzida, com problemas económicos). Viver e crescer nesses ambientes constitui, como sabemos, um factor de risco, que põe em causa a igualdade de oportunidades. A organização urbanística das grandes cidades e a carta escolar devem, assim, ser pensadas tendo em vista o interesse das crianças e os problemas educativos e culturais das populações.

A prevenção destas situações só se fará através de uma melhor e mais adequada protecção das crianças em risco. É importante para isso apoiar e desenvolver o trabalho que as Comissões de Protecção de Menores vêm realizando em conjunto com as outras entidades que intervêm no domínio da infância e da juventude.

Começam a existir, também, em alguns casos, no seio das forças de segurança, novas práticas de apoio às crianças e um novo estilo de relação com as escolas e com as famílias. Isso é muito positivo. Esse trabalho, inovador, incidindo sobre a protecção das crianças e dos jovens, promove a criação de um clima de segurança sendo essencial à prevenção de práticas violentas e à formação de uma consciência cívica.

A este respeito, é ainda se sublinhar as potencialidades do trabalho das equipas multidisciplinares para a solução de casos muito graves, infelizmente frequentes, de abandono e violência sobre crianças. Acredito, igualmente, nos efeitos positivos da Reforma do Direitos de Menores em curso.

Minhas Senhoras e Meus Senhores

Se as grandes finalidades da escola continuam a ser as mesmas –educar, instruir e formar –, aquilo que se lhe pede hoje é muito mais. Com efeito, são muitos os desafios de uma escola que deve fazer com que todos aprendam e se tornem cidadãos educados, cultos e intervenientes. As instituições educativas, por si só, não podem dar todas as respostas necessárias. As novas funções que são exigidas à instituição educativa requerem abertura e novas parcerias.

Torna-se cada vez mais necessária a conjugação de esforços de diferentes entidades, designadamente das escolas, das associações de pais, das autarquias, da segurança social, das forças de segurança e ainda da administração da justiça. Mas é, ao mesmo tempo, indispensável clarificar competências e responsabilidades. Cooperação não quer dizer diluição de responsabilidades próprias.

A escola tem de ter os meios necessários ao desempenho dessas novas funções. Considero que existem três condições essenciais a criar prioritariamente, nas zonas mais sensíveis, mas que deverão ser generalizadas:

- A primeira condição diz respeito à estabilidade dos professores e à existência de equipas docentes com funções educativas assessoradas por psicólogos e assistentes sociais.

É urgente criar também mecanismos de orientação eficazes que possam ajudar os alunos a conhecer os percursos escolares e fazer opções. Para muitos pais a complexidade crescente dos sistemas de educação e de formação torna muito difícil o apoio aos filhos. A orientação e o trabalho das equipas educativas constitui um poderoso meio de prevenção dos abandonos precoces de escolaridade.

- A segunda condição diz respeito à necessidade de frequência de uma escola a tempo inteiro. Não é aceitável que, sobretudo nas zonas sensíveis, existam, nas escolas do 1º ciclo, regimes duplos. Não é aceitável que as crianças dessas escolas passem as manhãs ou as tardes ao abandono, quando a família vai trabalhar.

A escola pública tem de ser uma escola a tempo inteiro, responsável pela criação de um ambiente de educação e protecção das crianças, com cantina, biblioteca e tempos livres. A família tem de poder encontrar na escola pública um ambiente de socialização, desenvolvimento cultural e protecção dos filhos.

Temos de conjugar esforços para definir situações de emergência em zonas mais difíceis permitindo a frequência da escola e de outras actividades num horário de dia inteiro.

O papel das autarquias será aqui essencial. Acredito, aliás, nas potencialidades da acção dos Municípios na melhoria da educação. Quero louvar a iniciativa de muitas Associações de Pais e das autarquias na organização de tempos livres. É imprescindível que este trabalho prossiga.

- A terceira condição diz respeito ao desenvolvimento de uma responsabilidade social que deve ser dos diferentes parceiros educativos e, em particular, dos pais. Estou convencido de que a melhoria da qualidade do ensino e dos ambientes educativos das escolas exige um maior empenhamento dos pais e da comunidade.

É necessário desenvolver estratégias de apoio e formação às famílias visando um melhor desempenho das suas tarefas educativas.


Minhas Senhoras e Meus Senhores

Quero deixar aqui um apelo para que continuem e reforcem o vosso trabalho, essencial à melhoria da educação em Portugal e à integração de todas as crianças e jovens. Há que valorizar essas experiências positivas e pesquisar caminhos para uma cooperação ainda mais motivadora para os pais.

Estou certo de que é necessário que os pais tenham uma maior intervenção no sistema educativo e nas escolas. É preciso pedir-vos mais, mesmo sabendo que isso exige esforço e muitas vezes sacrifício.

A ligação da família à escola pode ser geradora de novos equilíbrios, de uma maior responsabilidade social dos professores e de uma maior atenção da comunidade.

Desejo-vos os maiores êxitos para o vosso trabalho. Podem contar com o meu apoio.