30º Aniversário da Comunidade Islâmica


21 de Novembro de 1998


Começo por agradecer, muito reconhecido, a minha designação como Sócio Honorário da Comunidade Islâmica de Lisboa. É uma distinção que me honra e que recebo como testemunho reiterado da vontade dos portugueses muçulmanos de contribuírem para que Portugal seja cada vez mais uma terra de tolerância, na qual a diversidade seja vista como um factor de enriquecimento e nunca como uma razão de discriminação.
   
Ao longo dos trinta anos da sua existência, a vossa Comunidade tem realizado uma persistente acção de afirmação de identidade cultural e religiosa, que tem o seu símbolo maior na construção desta Mesquita.
   
A instauração da democracia, com a Revolução do 25 de Abril, e a consagração constitucional da liberdade religiosa como princípio fundamental do Estado democrático e laico constituíram uma mudança fundamental no sentido do respeito por todas as confissões religiosas, permitindo-lhe a livre expressão e, ao mesmo tempo, a plena integração dos seus membros na comunidade nacional, sem exclusões.
   
Como Presidente da República, tenho procurado contribuir para que o reforço da coesão nacional, que é um dos grandes objectivos do meu mandato, signifique também a participação de todos os portugueses na vida colectiva, na plena igualdade de direitos, quaisquer que sejam as suas opções em matéria religiosa ou filosófica. É essa uma das razões da minha presença aqui.
   
Mas há outras razões. Estou também aqui para saudar a Comunidade Islâmica de Lisboa, nesta data tão significativa, e para a felicitar pela magnifica ideia de assinalar os seus 30 anos de existência com dois colóquios tão interessantes: um sobre "Tolerância e Convivência Fraterna do Islão e Outras Religiões - sua Universalidade e Ecumenismo"; outro, sobre a "Herança Árabe-Islâmica em Portugal nos Campos Artístico, Cultural e Científico". Ambos contaram com a participação de prestigiadas personalidades da nossa vida cultural e os temas tratados são do maior interesse e actualidade.
   
A tolerância e o diálogo entre as religiões são, de facto, uma condição de paz e devem constituir uma preocupação fundamental do nosso tempo, nesta passagem para o próximo século e milénio.
   
A reflexão que fazemos sobre o passado e a lição meditada da História ensina-nos que é preciso estarmos sempre atentos, prevenindo e combatendo todos os fenómenos de intolerância e de fanatismo que conduzem à violência e à guerra, negando o essencial da mensagem fraterna das religiões.
   
Digo-o como representante de um País que, em vários momentos da sua História, conheceu o fanatismo e o dogmatismo e sabe que isso constituiu sempre uma causa de decadência, de graves e prolongadas consequências.
   
Os muçulmanos foram também vítimas dessa intolerância, que, negando a liberdade e a diferença, obrigava à uniformização. O Portugal democrático que hoje somos tem, pelo contrário, consciência de que é herdeiro de um legado cultural vasto, rico e plural, no qual a cultura islâmica tem um lugar importantíssimo, como tem sido repetidamente revelado pelo notável trabalho desenvolvido, nos últimos anos, por reputados investigadores. Isso mesmo foi posto em evidência pelo Prof. Eduardo Lourenço, meu querido amigo, na sua tão lúcida conferência.
   
Essa consciência investe-nos na responsabilidade de defendermos o universalismo, o diálogo e a convivência entre os povos, as culturas, as religiões e os países. Estou certo de que os portugueses muçulmanos darão um contributo fundamental para este objectivo do nosso tempo.
   
Renovo à Comunidade Islâmica de Lisboa as minhas calorosas saudações e, neste seu aniversário, evoco "os puros ecos de esperança" de que falava num verso o grande poeta Al-Mutamid, nascido em Beja, em 1040, cuja memória homenageei, junto do seu túmulo, na minha visita de Estado a Marrocos.
   
Essa esperança de que falava o poeta é, para nós como para ele, a esperança de um Mundo melhor, de uma Humanidade mais livre e mais feliz.