Conferência do Diário Económico

Porto
26 de Março de 2001



Quero em primeiro lugar saudar o Diário Económico pela presente iniciativa e agradecer ao seu Director, Dr. Sérgio Figueiredo, o convite que, com o todo o gosto, aceitei para estar presente nesta sessão de abertura.

Aproveito para lhe desejar, e a todos os que consigo fazem este órgão imprescindível da informação portuguesa, as maiores felicidades.

A Conferência do Diário Económico conta com um extenso e qualificado painel de conferencistas, cujas observações são ouvidas e respeitadas. Eu próprio me conto entre aqueles que as escutam e tomam na devida conta. Não pretendo evidentemente concorrer com eles, nesta breve intervenção.

- Dr. Leonardo Ferraz de Carvalho
- Prof. Marcelo Rebello de Sousa

Gostaria, antes, de partilhar convosco as minhas preocupações e as ambições sobre o tema que nos é proposto.

Julgo saber que, neste momento em que vos falo, estarão naturalmente preocupados com a queda das bolsas de valores. Recearão que se

concretize, por exemplo, a hipótese de uma recessão na economia norte-americana.

Estou pois consciente destas vossas preocupações.

Quase me dava vontade de dizer que este é o pior momento – a pior conjuntura, para falar como os economistas – para fazer um seminário económico.

Mas sei que os senhores empresários também estão preocupados com a reforma fiscal. Por isso estão aqui, e eu entendo que tenho algumas palavras a dizer-lhes, como aliás já sucedeu no passado.

Uma palavra, em primeiro lugar, sobre a necessidade de manter um impulso reformador relativamente ao sistema fiscal, e o sentido em que esse impulso deve prosseguir. Uma segunda sobre o objectivo central da economia portuguesa que tem de ser o de crescer, e crescer bem.

Quanto à primeira:

É a da necessidade de manter um impulso reformador sobre o sistema fiscal.

Não ignoram os senhores empresários o contexto em que surgem os primeiros passos da reforma fiscal.

Não ignoram a sensação generalizada de que a fiscalidade é pouco eficiente e é injusta.

É certo que a capacidade de arrecadar receita fiscal tem crescido, premiando as medidas de reforço da administração fiscal. Tem também procurado integrar no sistema faixas de rendimento que lhe escapavam, e que o faziam sem qualquer justificação. Há que prosseguir esta via.

Contudo, é no desequilíbrio da distribuição dos encargos que residem os principais problemas do sistema.

Não ignoram certamente a convicção comum de que em Portugal pagam impostos os trabalhadores por conta de outrem e um certo número de outros cidadãos – que muitos consideram no mínimo ingénuos.

Esta convicção é provavelmente, aqui e ali, exagerada. Mas existe e não está fora da realidade. Importa então considerá-la nas suas justas proporções.

Já tive ocasião de enunciar o que me parecem ser os quatro pontos cardeais de uma boa reforma fiscal:

· aumentar a equidade fiscal;

· valorizar a competitividade das empresas;

· ser acompanhada de uma racionalização das despesas do Estado;

· merecer a adesão convicta de larga maioria dos cidadãos, bem como dos agentes económicos, garantindo a sua corresponsabilização para o interesse público;

O impulso reformador terá de fazer dos impostos instrumentos de equidade, como tal percebidos pela comunidade. Os impostos têm que ser vistos como factores de coesão e solidariedade nacional. Devem contribuir para aumentar a igualdade de oportunidades entre os cidadãos e ajudar os mais fracos.

Além disso, o sistema fiscal, valorizando o trabalho produtivo, será igualmente um factor de modernização económica do País.

A reforma fiscal não deve ser vista como um incentivo desregulado ao aumento da distribuição e do subsídio. Tem que promover a equidade e, simultaneamente, estimular a competividade das empresas e a criação de riqueza, sem as quais não há a possibilidade de redistribuir.

Importa igualmente que a reforma fiscal decorra articuladamente com as reformas da Justiça e da Administração Pública, cujos fins são complementares.

Só este percurso reformador, que deve ser contínuo, permitirá a desejada racionalização da despesa pública, permitindo a fixação de metas programadas e por todos assumidas.

Entendo, finalmente, que a reforma fiscal deve captar permanentemente uma larga base de apoio. Sem o sentimento generalizado de que a reforma é justa, ela não passará das boas intenções vertidas em Leis da República.

De facto, a reforma deve ser evolutiva e consensual. Uma reforma estrutural como esta constitui certamente um processo, capaz de garantir os ajustamentos e correcções que a própria evolução da economia e da sociedade exigirem.

Agora, quanto à segunda palavra:

A reforma fiscal é um instrumento, não pode é ser tomada como um objectivo em si mesma da política económica e financeira

Julgo saber que, lá bem no fundo, alguns de vós têm por vezes o pensamento de que os impostos – alguns impostos, pelo menos – representam apenas um custo para as empresas.

Não me surpreenderia, por isso, que se esquecessem que, para lá da função de solidariedade nacional, os impostos financiam a formação de mão de obra, as infra-estuturas, a administração e o império da lei, sem os quais não há crescimento económico, não há livre empresa nem sequer há uma sociedade que mereça o qualificativo de «civilizada».

Em mercados concorrenciais, como são os nossos, cada vez mais, certos impostos constituem sem dúvida, também, um custo empresarial.

Mas os senhores empresários sabem, melhor do que eu, que a competitividade não resulta apenas da carga fiscal; resulta, sim, de uma multiplicidade de factores, devidamente relacionados entre si.

Entre esses factores estão a inovação, a organização, a qualidade da gestão. Está em suma, porque não dizê-lo, falando perante tantos de vós, o espírito empresarial.

Estes factores são indispensáveis para que a economia portuguesa cresça, como tem que crescer, a prazo, acima da média europeia.

As empresas têm que ser mais competitivas, a produtividade tem de aumentar.

O crescimento da economia portuguesa e da sua competitividade não podem assentar hoje em situações do passado, como o baixo salário. Esse factor não assegura, a prazo, a sustentabilidade do crescimento económico e é causa de insuportáveis desigualdades sociais.

Algumas situações forçam-me até a interrogar-me sobre se a tentação de apostar no crescimento extensivo e na mão de obra barata não estará a assomar junto de alguns dos nossos empresários.

Não será essa tentação que explica, ao menos em parte, o recrutamento de trabalhadores vindos de outros países, nomeadamente do Leste europeu, mas tantas vezes sem aproveitar devidamente a sua qualificação?

Não será essa mesma tentação que explica que a parte das empresas privadas no financiamento da investigação científica e do desenvolvimento tecnológico seja significativamente inferior à dos restantes países da Europa Ocidental e da OCDE?

Não será essa mesma tentação que explica, em boa parte, o reduzido número de marcas e patentes registadas por empresas portuguesas?

Quando vejo estes sinais, interrogo-me como avaliarão os empresários e os técnicos portugueses a parte que lhes compete na corresponsabilidade social nestes tempos de globalização e de alargamento da União Europeia.

É certo que o sistema fiscal tem de ser um estímulo à competitividade e à produtividade e não um factor de estagnação. Os sinais, que através dele se dão aos empresários, têm que ser sinais modernizadores.

Mas não é menos certo que os empresários têm que apresentar mais e mais propostas reformadoras, inovadoras, modernizadoras.

Têm, inequivocamente, como outros, um papel decisivo na concepção de um novo pacto social que nos permita enfrentarmos com êxito a globalização.

Precisamente porque são empresários, cabe-lhes uma acção insubstituível na motivação de toda a comunidade para a modernização da economia portuguesa. E esta implica nos tempos de hoje e no nosso contexto, uma concertação dinâmica.

Não ignoro o muito que foi feito pelos empresários e pelos técnicos portugueses. Tenho acompanhado pessoal e directamente a acção de muitos deles e continuarei a fazê-lo.

Como sabeis, tenho procurado incentivar as acções modernizadoras. Elas não podem parar. Na próxima década ficará decidido se a economia portuguesa passará a fazer concorrência às mais desenvolvidas do mundo ou se, pelo contrário, terá que competir com as economias atrasadas da periferia.

Finalmente.

Têm-se ouvido queixas em relação aos passos já dados na reforma fiscal. Ouve-se dizer que ela afecta a competitividade das empresas portuguesas e, portanto, da economia portuguesa.

Por isso, uma terceira palavra sobre esta preocupação dos empresários com a reforma fiscal.

Mesmo atendendo ao facto de os passos dados serem ainda um ponto de partida - e todos sabemos que a busca da equidade e da competitividade são imperativos nacionais - não podemos ficar surdos a essas queixas, se se provar que são pertinentes e justas – no caso de estar a ser prejudicada a concretização daqueles imperativos.

Estou certo que serão ouvidos se as suas posições forem um contributo para aumentar a equidade fiscal e uma corresponsabilização, na parte que incontornavelmente lhes cabe, no bem comum.

Minhas Senhoras e meus Senhores

Devo também tirar lições desta vossa presença numa Conferência sobre a reforma fiscal, e da simpatia com que me escutaram . Provam que não há más conjunturas para realizar um encontro sobre a economia portuguesa. Que talvez seja mesmo uma boa ocasião.

Será a melhor se estiverdes dispostos – como creio que o estais – a fazer frente às dificuldades e a vencê-las.