Inauguração do novo Anfiteatro da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

Coimbra
06 de Abril de 2001


Esta homenagem ao professor Doutor Rui Alarcão é, pela evidência da sua justiça, um acto natural, assim sentido por todos. Jurista distinto, professor dedicado e prestigiado, homem de cultura, cidadão com sentido exemplar do serviço público, durante os anos nem sempre fáceis em que foi reitor, o Professor Rui Alarcão soube, pelas suas qualidades, merecer a confiança e o apoio sucessivamente reiterados de professores, estudantes e funcionários.

Pelo que é, por tudo o que tem feito e pelo contributo decisivo que deu para o desenvolvimento da Universidade de Coimbra, expresso-lhe, em nome do país, o mais afectuoso reconhecimento.

Quero também nesta ocasião felicitar a Faculdade de Direito de Coimbra por este magnífico anfiteatro, obra de um dos mais notáveis arquitectos portugueses. Tenho já afirmado, noutras ocasiões, que o ensino superior tem sido um campo onde a arquitectura pôde conceber obras da maior valia. Sei que ainda existem muitos problemas e que nem todos os edifícios do ensino superior puderam ser renovados, não apresentando a qualidade desejada, mas é com orgulho que avaliamos o muito que foi realizado. É importante que tenhamos consciência de que Portugal é hoje um dos países da Europa que sobressai pelo seu valioso conjunto de edifícios de ensino universitário e politécnico. Esta obra é, infelizmente, ainda pouco conhecida dos portugueses. Torna-se, por isso, necessário divulgar melhor o notável património arquitectónico construído nas últimas duas décadas, traço essencial da imagem do Portugal moderno. Esta pedagogia é também necessária para que os cidadãos, e em especial os seus mais directos utentes, aprendam a observar, valorizar e conservar esse património. É de educação patrimonial e cívica que estou a falar.


Minhas Senhoras e Meus Senhores

Permitam-me que neste inspirador ambiente partilhe convosco algumas preocupações sobre o futuro do ensino superior e sobre a sua qualidade.

Quis marcar este início de mandato com um conjunto de intervenções dedicadas à educação, área central para o desenvolvimento económico, cultural e social do país.

O que está em causa não são, como tantas vezes se pensa, apenas questões de política sectorial. O que está em causa é o futuro dos portugueses e é, também, a posição de Portugal na nova sociedade do conhecimento.

O ensino superior sofreu em Portugal um processo de expansão sem paralelo nos outros países da Europa. Entre 1985 e os nossos dias o número de alunos que frequenta o ensino superior, público e privado, aumentou três vezes e meia. O ensino superior público, universitário e politécnico, tem hoje duas vezes e meia mais alunos.

Este processo de expansão trouxe um vasto alargamento da cobertura do país por instituições de ensino superior, a diversificação institucional e de oferta de cursos, a formação avançada do corpo docente a um ritmo sem precedentes. No entanto e apesar do processo de democratização do acesso ao ensino superior, a composição social dos alunos dos diferentes sub-sistemas de ensino superior traduz, ainda, significativas desigualdades.

As mudanças rápidas a que assistimos obrigam-nos a pensar o futuro que queremos para as nossas instituições.

Se durante anos a pressão dos candidatos ao ensino superior obrigou a que fossem encontradas soluções, por vezes pouco compatíveis com os níveis de qualidade que desejaríamos, hoje, ultrapassada a fase de crescimento exponencial, é dever de todos nós repensar o ensino que temos e o ensino que queremos. Não nos podemos deixar arrastar por respostas pontuais e avulsas e devemos alicerçar essa reflexão num profundo conhecimento da realidade existente e num património comum de cultura e valores.

A grande questão que temos de enfrentar é a de encontrar as vias que permitam conciliar as oportunidades de acesso com a qualidade do ensino e da investigação.

A formação das pessoas continua a ser o esforço mais nobre da educação. Apesar do crescimento verificado, continuamos a ter um défice de qualificação dos portugueses, designadamente ao nível da população activa, sendo este um dos obstáculos de maior peso ao desenvolvimento do país.

O crescimento trouxe novos problemas ligados à composição social e cultural dos alunos que frequentam hoje as nossas escolas. Estas questões obrigam a repensar a articulação do ensino secundário com o ensino superior, a pedagogia universitária, os meios de estudo e trabalho à disposição dos alunos e, também, a Acção Social Escolar. Estas são estratégias para enfrentar os problemas de insucesso escolar, que é necessário ultrapassar, sem que isso signifique diminuição dos níveis de exigência.


Por outro lado, a necessidade de dar respostas adequadas aos adultos que frequentarão cada vez mais as nossas instituições, leva a que se considerem novas formas de valorização de competências e das formações obtidas fora do sistema formal, tendo em vista a sua creditação. O ensino à distância poderá dar contributos muito significativos para que as nossas escolas possam ser frequentadas por novos públicos.

Actualmente, o ensino nas grandes universidades, em todo o mundo, alterou-se profundamente nos seus processos de organização, sendo cada vez mais frequente o recurso a sistemas de comunicação interactiva e à distância. Algumas universidades portuguesas começam também a ensaiar estes caminhos. Ainda bem.

É preciso saber reagir aos novos desafios da sociedade de informação. O ensino superior enfrenta uma concorrência cada vez maior na produção e difusão do conhecimento. Precisa de formar e atrair novos investigadores, aproveitar estrategicamente os recursos, abrir-se ao que de mais inovador se faz. Não esquecendo nunca o seu papel insubstituível na formação cultural, científica e experimental dos alunos, cabendo-lhe desenvolver a capacidade de organizar e questionar a informação.


Minhas Senhoras e Meus Senhores

Por tudo isto, permitam-me que vos proponha uma breve reflexão sobre o desenvolvimento do ensino superior.

Como é do vosso conhecimento, tenho devotado grande interesse à educação em geral. No último ano, em particular, uma grande parte da minha actividade dediquei-a a visitas e contactos no sector do ensino superior público e privado, universitário e politécnico. Senti que existe a consciência – felizmente bastante partilhada – de que é necessário encontrar novas respostas, nomeadamente em matéria de autonomia, de organização do ensino, da investigação científica e da necessidade de estabelecer novas parcerias e novas relações com a sociedade, tendo presente a necessidade de abertura a novos públicos.

Por tudo o que vi e ouvi, tenho, hoje, consciência de que o crescimento, que em si mesmo foi positivo, nem sempre se processou da melhor forma. Pronunciei-me já, várias vezes, sobre a necessidade de repensar os ritmos, os modos de crescimento e a articulação entre os diferentes sub-sistemas de ensino superior. Existem, actualmente, alguns equívocos relacionados com o crescimento do ensino superior sobre os quais importa reflectir:

Primeiro equívoco - O ensino superior tem sido por vezes encarado como um mero instrumento de desenvolvimento regional e de fixação de populações. A expansão rápida da rede do ensino superior criou a ideia de que esse processo de expansão poderá continuar a desenvolver-se ao mesmo ritmo dos últimos anos e que cada distrito, e mesmo cada cidade, podem aspirar a possuir uma unidade de ensino superior, como motor de desenvolvimento. De facto, sabemos que, em muitos casos, a criação de escolas superiores contrariou processos em curso de declínio populacional, trazendo novos clientes para o comércio local e promovendo novas actividades económicas e culturais. Gerou-se a ideia de que o número de instituições pode crescer indefinidamente e de que o ensino superior pode ser equacionado como substituto de actividades produtivas e como modo de rejuvenescimento da população. São sem dúvida, aspirações legítimas. Sabemos, porém, que o ensino superior, digno desse nome, implica a existência de comunidades académicas consolidadas, capacidade de investigação científica, docentes altamente qualificados. Erguer um edifício é um primeiro passo, necessário, mas seguramente o mais acessível e fácil de conseguir. Construir uma escola superior com credibilidade é mais difícil, exige anos de investimento na formação avançada dos docentes, na criação de equipas de investigação, o que não é compatível com a proliferação de processos voluntaristas avulsos e pouco consistentes. Se o ensino secundário e o ensino profissional devem ser sobretudo planeados e articulados com as necessidades do desenvolvimento local e regional, o ensino superior tem de ser equacionado em termos de uma rede que articule necessidades regionais e nacionais e que tenha em conta os recursos existentes.

O segundo equívoco é considerar-se como prioridade para os alunos a frequência de escolas de ensino superior perto da área de residência.

Todos sabemos que, para um estudante que dispõe de boas condições – ao nível do alojamento, da alimentação, dos meios de estudo –, a primeira prioridade deve ser frequentar uma universidade com bons professores, uma universidade onde se faça investigação, onde existam laboratórios, bibliotecas adequadas e equipamentos culturais e desportivos que promovam um meio cultural estimulante. Todos nos lembramos da importância que teve, para muitos de nós, o meio académico, a vida cultural e cívica no nosso tempo de universidade. Para muitos jovens, o afastamento de casa – ainda que difícil para as famílias e para os próprios estudantes – pode constituir um desafio importante para o seu desenvolvimento pessoal, para a abertura de horizontes, criação de novos relacionamentos e interesses.

Será por isso preferível investir na Acção Social Escolar, em cantinas, bolsas e residências, do que continuar a criar novas, pequenas e mal apetrechadas instituições, já que não é possível assegurar a qualidade de um sistema excessivamente pulverizado.

O terceiro equívoco é o de que o desenvolvimento do ensino superior é exclusivamente sinónimo de mais universidades e mais escolas. Sendo Portugal um dos países europeus com maior número relativo de instituições de ensino superior, vale a pena interrogarmo-nos sobre os critérios para definir as necessidades de novas instituições. Para além dos custos inerentes à proliferação de instituições, os recursos não são ilimitados e têm de atender a todos os níveis de ensino. Sabemos, também, que deve existir uma avaliação crítica sobre a qualidade do ensino e da investigação. A diversificação da oferta de cursos e formações, necessária ao desenvolvimento do país, deve, em primeiro lugar, ser equacionada no quadro das instituições existentes e das suas necessidades de investimento em equipamentos e desenvolvimento científico. Todos sabemos que a procura de ensino superior tenderá a diminuir nos próximos anos e seria absurdo continuar a criar escolas sem as pensar numa estratégia global e sem consolidar as ofertas de ensino superior já existentes.


Minhas Senhoras e Meus Senhores

Nesta terceira parte da minha intervenção gostaria de vos propor uma reflexão sobre os desafios que nos chegam da Europa.

Tendo tomado consciência da necessidade de serem cada vez mais competitivos num mundo globalizado, grande número de países europeus, pertencentes ou não à União Europeia, perceberam que era necessário introduzir transformações convergentes nos seus sistemas de ensino superior. Por esta via, tornar-se-á, progressivamente, mais fácil a mobilidade de estudantes entre instituições do espaço europeu, ao mesmo tempo que estas se tornam mais atraentes para estudantes de fora da Europa. Ou seja, os sistemas de ensino superior serão mais abertos e a sua capacidade de afirmação dependerá da sua qualidade e das respostas que souberem dar às necessidades individuais e sociais de formação.

Portugal e o ensino superior português têm de saber dar resposta a este desafio. Para isso é necessário repensar a organização das formações e instituições, com flexibilidade, mas com rigor, é necessário responder às necessidades individuais e sociais de formação e valorizar os conhecimentos e competências obtidos fora do sistema formal, sem pôr em causa a qualidade.

Temos de acompanhar o movimento dos sistemas de ensino superior europeus, participar no debate das grandes questões e definir as estratégias que nos permitam ser competitivos no quadro europeu e, de parceria com os demais países europeus, ser competitivos num mundo global.

Ser competitivos a nível internacional não é incompatível com ser solidário com outros países menos desenvolvidos. Pelo contrário, poderemos, através da cooperação com os países africanos lusófonos e com Timor Loro Sae, oferecer uma referência válida de ensino em língua portuguesa.

Ser competitivos não significa também estar desatentos às questões sociais. Pelo contrário, significa oferecer aos cidadãos oportunidades de formação ao longo de toda a vida, proporcionar formações profissionalmente relevantes pelos conhecimentos e pelas competências que facultam, promover o desenvolvimento pessoal e social dos seus estudantes.

Sei que as nossas instituições de ensino superior querem e serão capazes de responder aos desafios. Penso que esta Universidade secular é um bom lugar para reflectirmos sobre os grandes e novos desafios que se põem ao ensino superior. Ao falar desses desafios, é do futuro de todos nós e de Portugal que estamos a falar.