Inauguração da Avenida François Mitterrand

Lisboa
09 de Abril de 2001


A partir de hoje, Lisboa inscreve na sua toponímia o nome de François Mitterrand. Penso que é um acto de justiça e uma homenagem devida. Desde logo, porque o antigo Presidente francês conhecia e amava Lisboa como poucos estrangeiros. Conhecia os monumentos e as grandes praças, mas também os sítios belos e discretos, as pequenas ruelas. Gostava de passear pelo Chiado e pela Baixa pombalina, pelo Terreiro do Paço, que considerava uma das praças mais bonitas do Mundo, por Alfama e pela Madragoa. Sabia captar a originalidade, a atmosfera, o ambiente de cada lugar, a cultura de cada bairro. Quando falava ou escrevia sobre as cidades que guardava na memória, tinha o dom de as evocar em sínteses admiráveis.

Esta homenagem que prestamos a Mitterrand é-lhe ainda devida porque ele foi, sempre e desde sempre, um grande amigo de Portugal. Antes do 25 de Abril, foi solidário com os que lutavam pela liberdade. Nos anos de 1974 e 1975, dedicou um interesse e uma atenção constantes à revolução portuguesa e manteve uma atitude limpidamente clara na defesa da nossa democracia e uma confiança sem falhas na nossa capacidade de prosseguirmos o caminho da liberdade e da Europa. Mais tarde, foi fundamental no apoio que deu à nossa entrada na Comunidade Europeia, ajudando-nos a vencer dificuldades e obstáculos. Sem ele, sem a sua solidariedade, as coisas teriam sido mais difíceis. Nos seus escritos, há repetidas páginas que testemunham a sua fiel amizade a Portugal.

François Mitterrand era uma personalidade rica, fortíssima, enigmática, por vezes paradoxal. Gostava, aliás, de cultivar o mistério. Encarnou, de certa maneira, as contradições culturais e políticas da história do nosso século, vividas num país que as sofreu intensamente. Político de enorme talento e grande capacidade de adaptação, escritor de recursos notáveis, homem de acção e de reflexão, ao mesmo tempo, afectuoso e distante, secreto e afirmativo, arrojado e tímido, subtil e corajoso, homem que amava a vida e os seus prazeres, tendo porém sempre presente no horizonte a meditação da morte, Mitterrand ainda hoje não deixou de intrigar, de gerar interrogações e perplexidades. Os livros sem fim que suscitou e continua a suscitar são disso a prova.

Durante os quartoze anos da sua presidência, Mitterrand marcou a história da França e da Europa. Mesmo os seus adversários mais desapiedados o reconhecem. Como reconhecem que a sua fidelidade à construção da Europa representa o melhor do seu legado político e assentava numa funda convicção e numa longa visão cultural do nosso destino comum. Esse também é um tributo que lhe devemos e que hoje aqui renovamos.

Minhas Senhoras e Meus Senhores

Felicito a Câmara Municipal de Lisboa por esta ideia tão feliz. François Mitterrand acreditava na força dos gestos, dos símbolos e das palavras. Estou certo, estamos certos, de que lhe agradaria ver o seu nome ligado a uma cidade e a um país que ele distinguiu com provas de amizade. Este é, por isso, um acto de reconhecimento e de homenagem ao antigo Chefe de Estado de um país que admiramos, ao grande europeu e ao amigo de Portugal.