Centenário do Professor Bento de Jesus Caraça

Instituto Superior de Economia e Gestão - Lisboa
18 de Abril de 2001


Senhor Presidente do Conselho Directivo do ISEG
Senhor Secretário-Geral da CGTP-Intersindical
Senhor Professor José Manuel Tengarrinha
Senhor Professor João Caraça


Minhas senhores e meus senhores


Quero agradecer o convite que me foi dirigido pelos organizadores e que me concede a honra de poder participar nesta homenagem a Bento de Jesus Caraça no Instituto Superior de Economia e Gestão.

Tem um significado muito especial o facto do centenário do nascimento de Professor Bento de Jesus Caraça ter lugar no seu instituto universitário, na sua casa, donde nenhuma força despótica o pôde retirar, e onde, a par do notável legado do pedagogo e do cientista, o seu exemplo moral permaneceu tanto mais forte depois de um processo infame ter forçado a sua demissão de professor catedrático do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras.

Cidadão exemplar, professor e matemático ilustre, Bento de Jesus Caraça foi um homem do seu tempo e que marcou o seu tempo.

A sua vida, demasiado breve e tão intensa, atravessou o período mais critico da Europa do século XX, arruinada por uma sucessão trágica de guerras e revoluções, em que todos os limites pareciam ceder e todas as utopias pareciam possíveis.

Como os melhores da sua geração em Portugal, Bento de Jesus Caraça foi um opositor destemido ao regime autoritário do Estado Novo, enfrentando, sempre com uma coragem inquebrantável, as perseguições, as humilhações e a prisão.

Durante os anos de chumbo, entre a consolidação do regime salazarista, na década de trinta, a guerra civil de Espanha e a II Guerra mundial, a sua militância política foi permanente.

Dirigente do Movimento de Unidade Nacional Antifascista e do Movimento de Unidade Democrática, onde se reuniram republicanos, comunistas e socialistas, Bento de Jesus Caraça tornou-se uma das figuras mais proeminentes da oposição, no momento mais alto da mobilização e da luta contra o regime, talvez o único em que esteve próximo o fim do salazarismo, na sequência da vitória dos aliados das Nações Unidas.

A sobrevivência do regime impôs-se por uma repressão brutal. Naturalmente, o Professor Bento de Jesus Caraça teve a honra de ser um dos primeiros perseguidos, objecto de um processo onde era acusado de difamação do Estado Novo e que antecipou a sua expulsão da universidade e lhe fez perder a sua cátedra do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, pouco antes da sua morte prematura.

Na concepção de cidadania de Bento de Jesus Caraça, o seu percurso notável como militante político e cívico é inseparável da sua acção constante como pedagogo, cientista, escritor e publicista.

Para o autor célebre da Cultura integral do indivíduo, um homem livre só podia ser um homem culto e nada do que era humano lhe podia ser indiferente.

Em coerência com essa visão profundamente humanista, Bento de Jesus Caraça, catedrático de Matemáticas Superiores aos vinte e oito anos e membro da Sociedade Portuguesa de Matemática, não só foi um reputado cientista, investigador e professor universitário, como se empenhou a fundo na realização de grandes projectos de divulgação da ciência, do conhecimento e da cultura.

Fundador e director do Centro de Estudos de Matemáticas Aplicadas à Economia e da Gazeta de Matemáticas, foi também o criador da Biblioteca Cosmos, uma colecção brilhante onde, entre 1941 e 1948, se publicaram centena e meia de volumes, destinados a tornar acessível ao maior número a cultura e a ciência modernas - um projecto sem dúvida pioneiro, cuja importância nesse campo permanece inultrapassada entre nós.

O catedrático do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, introdutor dos métodos da econometria e autor, entre outros, dos Conceitos Fundamentais de Matemática e das Lições de Álgebra e Análise, foi também um grande conferencista cujos temas - Galileu Galilei, a arte e a cultura, a escola única - revelam qualidades notáveis de curiosidade e erudição, tanto quanto a sua preocupação com a instrução dos trabalhadores que frequentavam a Universidade Popular Portuguesa, da qual foi Presidente.

Em todos esses domínios - a política e a universidade, a pedagogia e a ciência - Bento de Jesus Caraça deixou a sua marca inconfundível e marcou os seus contemporâneos e o seu tempo. Fez sempre uma diferença - na intervenção política, na defesa do espirito cívico, na luta abnegada pelos seus ideais, no avanço das ciências matemáticas, na organização da investigação cientifica, na modernização dos métodos pedagógicos, na expansão da cultura cientifica.

Homem de ciência, a sua vocação era a reflexão e soube traduzir o saber em acção. Professor, a sua carreira era a universidade e não hesitou em pôr em risco a sua posição em nome dos seus ideais políticos e da sua dedicação à causa pública. Homem de valores, a sua ética de responsabilidade recusava a separação entre os imperativos do cientista e do cidadão.

Nesses vários sentidos, podemos e devemos dizer de Bento de Jesus Caraça que era um homem tão completo como integro e corajoso.

Pelo valor do seu exemplo, marca também o nosso tempo. Somos seus discípulos. Espero que as novas gerações possam seguir o seu exemplo, no inconformismo, na inquietação e na procura dos ideais, bem como na visão, que permanece actual, da cultura integral do indivíduo.

Muito obrigado.