I Congresso dos Editores Portugueses

Lisboa
18 de Abril de 2002


Felicito-vos calorosamente por este I Congresso dos Editores Portugueses, tanto mais que ele ocorre num momento crucial para a vossa actividade, em que dificuldades e problemas, mas também novos desafios e oportunidades exigem reflexão, debate e abertura.

A minha presença, nesta sessão inaugural, em resposta ao vosso amável convite, quer significar o interesse, o apoio e o reconhecimento que, como Presidente da República, presto a uma actividade com uma tão grande relevância cultural, social e mesmo económica.

Este Congresso reúne um elevado número de editores, com dimensões, experiências, histórias e orientações muito diversas. Institui assim um espaço plural de debate.

Na sua ordem de trabalhos estão inscritos temas de muito interesse, que dão uma boa ideia da complexidade dos problemas do vosso sector. Alguns desses problemas resultam, em larga medida, da revolução tecnológica e da globalização, cujos efeitos, como sabemos, se fazem sentir, ainda que de formas e com intensidades diversas, em todos os domínios e um pouco por toda a parte. Outros problemas são antigos e arrastam-se, tendo a ver com o nosso atraso cultural e educativo. Outros ainda, resultam das novas situações do mercado e da dificuldade em fazer-lhes frente. É claro que estes tipos de problemas se entrecruzam e potenciam.

Não obstante, o sector editorial alcançou, já, entre nós, uma posição económica e empresarial de muito relevo, envolvendo muitos trabalhadores e atingindo, a preços do consumidor, um valor anual de transacções de cerca de 100 milhões de contos. A esta relevância económica, junta-se uma importância social e cultural evidente, que tem aumentado. Esta verificação não impede, como disse, que se reconheçam as nossas debilidades.

Todos sabemos que os índices de aquisição de livros e de leitura constituem traços muito significativos do retrato que se pode fazer de uma sociedade. Infelizmente, entre nós, os índices de leitura e do consumo de produtos culturais ainda estão longe, apesar dos progressos, de atingir valores satisfatórios. A isto acresce o problema persistente da falta de descentralização cultural e a macrocefalia da capital. Ilustraremos com nitidez esta situação se dissermos que mais de 50% das vendas de livros ocorrem na área da grande Lisboa.

Importa tudo fazer para irmos gradualmente corrigindo os graves desequilíbrios e as assimetrias que perduram, tanto mais que, como sabemos, a exclusão cultural pelas suas consequências, é sentida cada vez mais como uma das mais graves formas de exclusão.

Conhecendo-se a importância do livro e da leitura no combate contra essa exclusão e o seu papel insubstituível no desenvolvimento da sociedade, é preciso um esforço sério de promoção e difusão do livro, nos seus tradicionais ou novos suportes. Esse esforço tem de continuar na escola e nas famílias, devendo prosseguir pela vida fora na actualização e na formação profissional. É necessário tudo fazer para generalizar o acesso a um bem tão importante como este, seja através da rede de leitura pública, das bibliotecas escolares, cuja importância quero sublinhar, e de outras instituições, seja através dos incentivos ao consumo privado.

Temos consciência de que a falta de enraizamento dos hábitos culturais não se resolve por decreto. É um combate que tem de durar várias gerações e que exige uma acção continuada, envolvendo o Estado central, as autarquias, as escolas, as associações culturais e cívicas, os criadores e produtores culturais, entre os quais os editores têm um lugar de relevo.

Sabemos que o sucesso da educação e da formação escolar depende da qualidade patrimonial dos edifícios, do nível de formação dos docentes, de acertados planos curriculares, de disciplina e da motivação da vida escolar. Mas depende igualmente – não o esqueçamos! - da existência de bibliotecas escolares bem apetrechadas, da existência de livros nas escolas, da facilidade de acesso à leitura, de manuais escolares de qualidade.

A educação para a leitura é parte fundamental da educação, pois é a leitura que permite consolidar a noção de que a cultura é transmissão e criação, é herança e inovação. É a leitura - e a escrita que lhe está associada - que permite a aprendizagem, o treino e o aperfeiçoamento da língua, o exercício do espírito crítico e do livre exame, a definição rigorosa de conceitos e de instrumentos de análise da realidade, a reflexão continuada, sem a qual tudo se torna vazio e efémero. Penso, por isso, que tinham razão aqueles velhos, aqueles generosos sonhadores e militantes da cultura que viram no livro um belo símbolo de emancipação humana e no acesso a ele a condição para uma sociedade mais justa e mais livre.

O livro representa ainda um instrumento fundamental na definição e na prática de uma política de língua. Temos de confessar que até agora, e apesar de alguns importantes casos de sucesso que conheço e que me é grato assinalar, ainda não se conseguiu estabelecer um programa consistente de cooperação e expansão editorial nos países lusófonos.

Esse programa tem necessariamente de envolver o Estado e as editoras e tem talvez de passar por parcerias e outras formas de associação com entidades desses países.

Caros Amigos,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Neste tempo de globalização, de comunicação instantânea de medias e de multimédia, precisamos criar respostas inovadoras, concertando esforços e acertando estratégias.

A sociedade de informação e de consumo cria novas oportunidades, dá-vos acesso a novas maneiras de comunicar com novos públicos, a novas formas de edição. Mas também apresenta perigos. Entre eles, está a uniformização, a massificação, a concentração, a diminuição da qualidade. Podemos designar simbolicamente esses perigos por esta expressão: a compulsão do best-seller, que seria uma espécie de tradução para o mundo editorial da ditadura das audiências da televisão.


Isso seria terrível! A história da nossa cultura mostra que o livro é muitas vezes fazedor de futuro e não apenas um notário do presente. Em matéria de cultura, temos de continuar a defender a criação livre, a diversidade e o pluralismo, temos de continuar abertos e atentos ao que é original, diferente, minoritário, específico, mesmo incompreendido. É muitas vezes aí que estão as raízes das grandes e importantes transformações e rupturas que mudam o mundo, a vida e a cultura.

Penso ser também esta a altura certa para se fazer um balanço da experiência do preço fixo, tendo em conta os seus objectivos, ponderando, se for caso disso, novas medidas, o aperfeiçoamento dos seus mecanismos ou a criação de outros instrumentos. Este Congresso não deixará de o fazer com grande conhecimento de causa.

Creio que, da parte do Estado, a definição de uma política de apoio ao livro e à leitura deve ser norteada por valores culturais permanentes, mas não pode fechar os olhos às grandes mudanças sociais e culturais em curso. Não devemos, a esse respeito, esquecer as lições da história, que nos ensinam que as grandes revoluções tecnológicas e os seus efeitos económicos, sociais e culturais provocam sempre, no momento em que se dão, injustificadas visões apocalípticas.

Como vos disse, essas grandes revoluções trazem coisas boas e coisas más, novas oportunidades e novos perigos; Compete-nos agir com vista a aproveitar as oportunidades e a controlar ou diminuir os riscos.

Exemplo disto é o que se tem passado na relação do livro com a Internet. De início, os receios de que a Internet representasse o fim do livro foram enormes e geraram acesas polémicas. Hoje, já ninguém acredita que a Internet possa pôr em causa o livro e a leitura.

Ao invés, os estudos realizados, em Portugal, apontam o livro como um dos produtos mais adquiridos através da Internet. Também a passagem do livro de suporte papel ao suporte digital apresenta algumas experiências recentes interessantes a que temos de estar atentos.

Penso, por isso, que a questão a pôr não é mais a de como proteger o livro das novas tecnologias de comunicação e informação, mas sim a de como aproveitar e potenciar essas tecnologias para facilitar o acesso ao livro, seja ele em suporte papel ou digital. O que exige respostas diferentes das tradicionais. A Internet representa um novo canal de distribuição, que obriga a uma nova filosofia de venda, de marketing dos produtos, da formação de recursos humanos e de serviços de apoio ao cliente.

Sei que os editores, os distribuidores e os livreiros nacionais estão atentos a esta nova realidade e sabem que não se pode encarar a Internet passivamente, como mera montra de exposição de livros. Temos ainda algum tempo para fazer a conversão do sistema de relação com os leitores.

Não tenhamos dúvidas: há toda uma nova geração de leitores à espera de quem lhes ofereça, em português, serviços de elevada qualidade e fiabilidade na Internet. No fim de contas, a Internet está a tornar-se na Biblioteca de Babel, de Jorge Luís Borges. Para a usar bem, é necessário quem a organize e saiba aconselhar o leitor na busca do prazer de ler.

Meus amigos,

A realização deste Congresso revela que os editores portugueses estão conscientes de que o momento é de pensar e de agir, é de analisar e de inovar.

Mostra ainda que os editores sentem que a sua actividade tem de ser encarada de modo mais empresarial, não se alheando, ao mesmo tempo, dos novos desafios culturais. Isso exige um investimento na modernização da gestão, uma permanente actualização tecnológica e uma aposta na qualidade do que se cria e produz. Sei que nem sempre é fácil e que há condicionalismos diversos. Tenho acompanhado as recentes dificuldades de alguns de vós e o que elas representam para a vossa actividade.

Como Presidente da República, quero manifestar-vos compreensão e o apreço do País pelo vosso trabalho e pelo vosso esforço. Mas a verdade é que, como normalmente acontece, os nossos problemas (o que se aplica a cada sector de actividade) começam por ser nossos, como também o princípio de solução tem sempre de ter a sua origem na capacidade do próprio sector em encontrar novos caminhos e de se responsabilizar por isso. Os editores portugueses são herdeiros de uma tradição muito rica, que, em muitos casos, regista provas de muita coragem e determinação ao enfrentar e vencer obstáculos difíceis. Não esqueçamos que uma parte da história da resistência à ditadura e de luta pela liberdade passou pelos nossos editores.

Permitam-me, a terminar, uma nota pessoal. Não reivindico qualquer outro título cultural a não ser, desde os tempos da minha infância e juventude, o de fiel leitor. Gosto de livros e sei bem a importância que eles tiveram na minha formação. Procurei passar essa herança aos meus filhos. Ao estar aqui, convosco, sinto-me por isso, de certa maneira, em casa.

Agradeço as palavras que me foram dirigidas e formulo os melhores votos para este vosso I Congresso. Continuem o vosso trabalho ao serviço da cultura, da língua, da educação e do nosso desenvolvimento.