Encontro - Almoço da ELO

Lisboa
18 de Abril de 2001


Minhas Senhoras e meus Senhores

O tema que escolhi para vos falar hoje está naturalmente relacionado com os propósitos da vossa associação. Versa as relações entre os sectores público e privado na cooperação para o desenvolvimento e as condições, muitas vezes difíceis, em que ela se realiza nos países aos quais se destina.

Mau grado o progresso da civilização, temos vindo a assistir, nestes últimos anos, ao aprofundamento das desigualdades, a nível internacional, e ao aumento chocante da pobreza e da miséria, em especial no continente africano.

O mundo globalizado em que vivemos encerra em si grandes contradições: se tem contribuído, em muitos casos, para o crescimento económico, através do aumento das trocas comerciais, do acesso mais fácil ao capital e da difusão dos princípios da economia de mercado, tem, por outro lado, aprofundado as clivagens entre ricos e pobres, contribuindo para a marginalização e exclusão de milhões de seres humanos.

Estamos hoje plenamente conscientes da magnitude das implicações negativas da pobreza e da miséria: com efeito, tal como a riqueza gera mais riqueza, também a pobreza gera maior pobreza. Tal como existe um ciclo virtuoso do desenvolvimento, existe um ciclo vicioso do subdesenvolvimento. Desde logo, como poderão populações mal nutridas, debilitadas física e intelectualmente, acossadas por doenças graves, subsistindo precariamente em grandes centros urbanos, tantas vezes sem emprego ou domicilio fixo, tornarem-se produtivas, eficientes e responsáveis?

Por isso, considera-se hoje que o processo de desenvolvimento não se resume ao crescimento económico, muito embora este seja fundamental; implica, também, acesso à educação e aos cuidados primários de saúde, de modo a proporcionar o desenvolvimento dos recursos humanos, bem como reforço das instituições, da administração pública e da sociedade civil e respeito pelas normas da democracia e dos direitos humanos.

Os problemas com que se deparam os países em vias de desenvolvimento, especialmente os mais pobres, não poderão ser vencidos apenas através da ajuda pública ao desenvolvimento. O papel da iniciativa privada é decisivo na criação de riqueza e de emprego. Se esta, só por si, não basta para garantir o desenvolvimento, a sua ausência torna-o impossível.

O papel central, hoje assumido pela iniciativa privada, no combate à pobreza, na criação de riqueza e na promoção do desenvolvimento, é de resto confirmado pelos números: enquanto que, em 1992, os fluxos financeiros para os países em vias de desenvolvimento se repartiam em partes iguais entre ajuda pública e fluxos privados, em 1999 estes últimos representavam já 64% do total. Embora a estrutura e o dinamismo da iniciativa privada varie muito de país para país, ela é actualmente o motor do crescimento económico e a fonte da maior parte do emprego na grande maioria dos países em vias de desenvolvimento.

Mas a iniciativa privada, incluindo o investimento estrangeiro, só poderá florescer num enquadramento público favorável. A existência de recursos humanos qualificados, de infra-estruturas, de transparência e fiabilidade da administração pública e, bem entendido, de paz e estabilidade social são, neste respeito, essenciais. É, precisamente, porque os países mais pobres não oferecem, muitas vezes, as condições ideais para atrair o investimento estrangeiro que há lugar a uma cooperação entre agentes públicos e privados para o promover.

O dinamismo, a flexibilidade, a criatividade e a capacidade mobilizadora, a nível local, da iniciativa privada transformam-na assim num parceiro insubstituível do Estado na política de cooperação. O principal desafio que se coloca actualmente à Comunidade Doadora Internacional, é o de saber quais são os mecanismos que melhor garantirão sinergias entre esforços públicos e privados nessa cooperação e quais as responsabilidades sociais que sobre ambos impendem fora da área exclusiva das trocas comerciais ou dos investimentos.

Compete, naturalmente, em primeira instancia, aos governos dos países em vias de desenvolvimento assegurarem as práticas de boa governação que proporcionem este enquadramento. Mas compete também à Comunidade Doadora Internacional compreender os factores económicos e sociais que contribuem para um crescimento elevado e duradouro do sector privado e utilizar criteriosamente a cooperação para o promover.

As filosofias subjacentes às intervenções dos sectores privado e público, se bem que naturalmente distintas, não são, por isso, incompatíveis e podem — devem — ser complementares.

Na óptica do investimento privado a promoção do desenvolvimento tem naturalmente de passar por uma noção de retorno, tal como sucede em qualquer negócio. Mas, a par dele, é conveniente que os empresários assumam a necessidade de desenvolverem uma dimensão social complementar da sua actividade, formando e promovendo mão de obra local e procurando uma inserção positiva nas sociedades de acolhimento. A responsabilidade social das empresas é hoje aceite com naturalidade nas nossas sociedades, bem mais desenvolvidas e prósperas. Deve, também, sê-lo, por maioria de razões, nos países em vias de desenvolvimento.

Já na ajuda pública ao desenvolvimento, não é o retorno financeiro que está em causa, mas deveres de solidariedade e objectivos de política externa do Estado, gerais e particulares.

Desta diferenciação, decorre uma divisão natural de tarefas :

À ajuda pública para o desenvolvimento compete em primeiro lugar contribuir para a criação de um enquadramento favorável à libertação das energias criativas e dos recursos da iniciativa privada ;

A esta compete identificar as oportunidades de investimento e de parceria, promovendo assim o aparecimento de pequenas e médias empresas nos países em vias de desenvolvimento, a base de qualquer processo de crescimento económico no mundo contemporâneo.

Um exemplo desta desejável complementariedade é a promoção, através da ajuda pública, de um enquadramento legal favorável à actividade empresarial. Só um nível de protecção jurídica adequado, incluindo regras sobre o investimento e o comércio e mecanismos que assegurem a sua efectiva aplicação é gerador de confiança. Apenas neste tipo de ambiente estarão reunidas as condições propícias ao desenvolvimento da iniciativa privada, algo que os empresários podem e devem exigir a bem do desenvolvimento.

Outro exemplo de possível colaboração é a identificação de áreas de concentração para parcerias público-privadas, no âmbito das quais compromissos mútuos possibilitam investimentos a nível estruturante de utilidade e sustentabilidade garantida.

As potencialidades destas parcerias são múltiplas, constituindo ainda um terreno a explorar. Não poderão elas, por exemplo, consubstanciarem-se também em qualificados centros de racionalidade económica, promotores do investimento privado e fornecedores de formação profissional?

Não poderia naturalmente deixar de me referir à desejável diversificação da cooperação para o desenvolvimento. Uma vez mais, também aqui, as motivações dos sectores público e privado, se bem que não inteiramente coincidentes, são complementares :

Ao Estado importará sobretudo assinalar o seu apoio a determinados países e marcar a sua presença, ainda que simbólica, em áreas estrategicamente significativas. Aos investidores privados, buscar novos mercados e novas perspectivas de negócio.

A globalização significa, também, regionalização : todos os grandes Acordos Internacionais, desde as regras da OMC à Convenção de Cotonou, preconizam a constituição e a consolidação de blocos comerciais regionais. Isto significa que os mercados de parceiros, eventualmente exíguos ou com pouco potencial à primeira vista, poderão, num horizonte temporal não muito distante, transformar-se em mercados regionais com um potencial comercial bastante mais amplo. Uma boa base num determinado país poderá assim proporcionar o acesso a mercados por enquanto fora do alcance de empresas portuguesas.

São pois estas as potencialidades, significativas, da colaboração entre a cooperação portuguesa para o desenvolvimento, eixo estratégico da nossa política externa, e o sector privado. Queremos uma cooperação cada vez mais rigorosa, mais eficaz, mais diversificada e regularmente avaliada. Estamos seguros de que a iniciativa privada saberá corresponder a essa crescente exigência, contribuindo também para o nosso esforço comum.

Meus Senhores,

A minha presença hoje, entre vós, tem o valor de um estímulo. Estímulo à ELO, cujo papel nesta articulação entre o público e o privado se nos afigura da maior relevância para os seus associados, com cujo precioso contributo o Estado português sabe poder continuar a contar, dentro de um quadro de confiança e de respeito mútuo.

Estou plenamente convicto de que a ELO, pelo perfil dos seus associados e pelos objectivos que prossegue, perfeitamente adaptados às exigências da actual conjuntura internacional, reúne boas condições para, em parceria com as instituições nacionais vocacionadas para a cooperação, se afirmar como um espaço privilegiado de troca de informações, de reflexão e de arranque para projectos no terreno.

Gostaria de formular à direcção da ELO os meus agradecimentos pelo honroso convite que me foi dirigido, deixando aqui o meu incentivo amigo ao prosseguimento e diversificação da vossa acção de tanto relevo.