Sessão Solene Comemorativa do XXVII Aniversário do 25 de Abril

Assembleia da República
25 de Abril de 2001


Senhor Presidente da Assembleia da República

Senhor Primeiro Ministro e Senhores Membros do Governo

Senhores Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional

Senhor Procurador Geral da República

Senhor Presidente do Tribunal de Contas

Senhores Ministros da República para os Açores e para a Madeira

Senhores Presidentes das Assembleias Regionais dos Açores e Madeira

Senhores Conselheiros de Estado

Senhor Provedor de Justiça

Senhores Deputados Constituintes e Constituídos

Senhores Representantes do Corpo Diplomático

Exmªs Autoridades Políticas, Civis, Militares e Académicas

Senhores Ex-Presidentes da República

Senhores Ex-Presidentes da Assembleia da República

Senhores Ex-Primeiros Ministros

Senhores Convidados, Senhores Presidente e demais membros da Associação 25 de Abril


Neste dia, a que tão justamente damos o nome da Liberdade, celebramos esse valor em que assenta a nossa sociedade e que durante décadas nos foi negado. Celebramos a liberdade, conscientes de que, mais do que evocá-la, devemos praticá-la, renová-la, enraizá-la.


Neste aniversário de tão grata memória, comemoramos a democracia com a certeza de que temos constantemente de a aperfeiçoar, vivificar, aprofundar, pois é próprio dela reconhecer-se sempre imperfeita e inacabada. Essa característica, que pode parecer uma fraqueza, é, afinal, a sua força, a sua grande superioridade. Os totalitarismos é que se julgam perfeitos, absolutos e inultrapassáveis. A democracia tem consciência de que nada está definitivamente adquirido e de que a insatisfação é o seu melhor aliado.

Assim, olhando o caminho que percorremos, desde 25 de Abril de 1974, e o muito que conseguimos avançar, fazemos um balanço largamente positivo. Esse balanço entendêmo-lo, porém, como uma responsabilidade de ir mais além, de fazer mais, de fazer melhor. A história da democracia deve ser a história de uma exigência que não enfraquece, de uma vontade que não afrouxa, de uma responsabilidade que não diminui.

Sabemos que o Portugal de hoje é muito diferente, para melhor, daquele País oprimido, isolado e estagnado que a Revolução do 25 de Abril transformou. Mas sabemos também que temos o dever de tudo fazer para que os nossos filhos e netos vivam, no futuro, num país mais moderno e mais justo do que o nosso.

Por isso, o meu apelo, neste dia, é este: sejamos exigentes, sejamos insatisfeitos! Sejamos exigentes para não perder o que já alcançámos. Sejamos insatisfeitos para melhorar o que ainda não está bem.

Como Presidente da República e no plano em que me coloco, que é o dos grandes objectivos nacionais, dirijo-me aos portugueses, a todos, representantes e representados, governo e oposição, para vos dizer: recuperemos a energia da liberdade, façamos de Portugal a nossa ambição. Não nos deixemos invadir pelo desânimo, nem vencer pelo fatalismo. Não nos deixemos distrair pelas pequenas questões. Concentremo-nos no essencial. Quaisquer que sejam as dificuldades, a democracia contém as possibilidades de lhes dar resposta. Não nos esqueçamos que é do nosso futuro como comunidade nacional que se trata: não desistamos de ter um rumo claro, um caminho aberto, uma esperança activa.

Senhor Presidente

Senhores Deputados

Nesta sessão, por feliz decisão da Assembleia da República, que saúdo, assinalamos um quarto de século da nossa Constituição. Assinalar desta forma os 25 anos da Lei Fundamental do nosso regime democrático é, por si só, celebrar a afirmação da nossa maturidade política e da nossa capacidade de vencer divisões, sobretudo se pensarmos nas circunstâncias conturbadas em que o texto constitucional de 1976 foi elaborado e aprovado, se recordarmos as controvérsias que, a seu propósito, se geraram.

Muitos duvidaram, então, da longevidade de uma Constituição tão ideologicamente vincada. A passagem do tempo fez, porém, esbater o que nela havia de mais conjuntural e deixa sobressair agora o que, sendo já essencial no texto inicial, foi capaz de suscitar o consenso da nossa comunidade e garante, por isso mesmo, a sua vigência no futuro.

Se considerarmos o tempo que decorreu desde 1976, verificamos que se desvaneceu progressivamente a tendência para a manutenção artificial de uma querela constitucional: a Constituição deixou de ser um objecto central de controvérsia política. Deixou de ser responsabilizada, seja da parte dos Governos seja das oposições, por pecados que verdadeiramente não lhe podem ser imputados.

Ao invés, consolidou-se a sua força normativa. Reforçou a capacidade, que deve ser a sua, de legitimação, de integração e de consenso nacionais. Por isso cumpre o papel para que está originariamente vocacionada: o de limitação e controlo do exercício do poder político; o de separação de poderes; o de salvaguarda e garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos.

Na vigência da Constituição, conseguimos alcançar objectivos dificilmente tidos como possíveis há 25 anos. A consolidação do regime democrático, a integração europeia e a afirmação internacional do nosso país no concerto das nações, a modernização e o progresso económico, a generalização do acesso ao ensino e à cultura, a vitalidade das regiões autónomas e do poder local, a consciencialização ambiental, constituem o valioso legado da democracia às gerações do século XXI.

Por tudo quanto a Constituição permitiu que fosse realizado durante estes 25 anos, é devida uma justa homenagem aos deputados constituintes de 1975. Gratamente a expresso agora, aqui, em nome de Portugal.

É claro que o texto constitucional evoluiu significativamente desde 1976. Podemos, contudo, dizer que a Constituição é a mesma - porque nela perduram os princípios estruturantes fundamentais.

Tal como foram logo então definidos, no essencial, permanecem, inalterados na sua substância, os mesmos vínculos materiais da Constituição à forma republicana de governo, ao Estado de Direito, ao regime democrático, ao equilíbrio, separação e interdependência entre os órgãos de soberania, ao Estado unitário com regiões autónomas e à descentralização política e administrativa.

Ao contrário do que alguns temiam, esta é também uma Constituição cujo apego a princípios e valores não impede a adaptação e a abertura às mudanças ditadas pelos novos tempos. Se dúvidas houvesse quanto a essa capacidade de renovação interna, aí estão as diferentes revisões constitucionais a dissipá-las, designadamente de 1982 —que deu ao sistema político o cunho definitivo que ainda hoje apresenta— e a revisão de 1989, que consensualizou valores constitucionais e eliminou possíveis obstáculos a um desenvolvimento económico equilibrado.

Ao longo destes 25 anos, a Constituição demonstrou sobejamente a sua capacidade, não apenas de garantir, com sucesso, a transição para uma democracia plenamente institucionalizada, como também para dar forma ao quadro jurídico estabilizado do novo regime democrático.

A estabilidade constitucional é, em si mesma e enquanto factor de integração nacional, um valor a preservar. A Constituição só desenvolve a plenitude da sua força normativa se não estiver sujeita à precaridade, transitoriedade e contingência que afectam tantas leis ordinárias. Sem pôr em causa a eventual necessidade de alterações da Constituição ditadas pelo imperativo nacional ou pelo aparecimento de novas e imprevisíveis situações, a Lei Fundamental só ganhará se fôr preservada de alterações supérfluas que possam ser substituídas, com vantagem, pela intervenção legítima do legislador ordinário.

Sempre que a Assembleia da República assume poderes de revisão e enquanto os respectivos processos não chegam ao seu termo tenho mantido, e continuarei a manter, a reserva que me é exigida pela exclusividade das competências parlamentares neste domínio. Com a autoridade que essa prática de contenção me confere, permito-me, hoje, chamar a atenção para a necessidade de dar cumprimento às injunções que resultam da revisão constitucional de 1997 e que não foram deixadas à discricionaridade do legislador ordinário. A esse respeito, congratulo-me com a disposição manifestada por esta Assembleia no sentido de dar cumprimento à norma constitucional que concede a grupos de cidadãos eleitores a faculdade de apresentarem candidaturas às autarquias locais.

Senhor Presidente

Senhores Deputados

Nas preocupações que levaram à última revisão constitucional estava a premência de reforma do sistema político. Essas preocupações são legítimas e exigem o empenhamento de todos na superação dos bloqueios e deficiências de um sistema cujo funcionamento, sendo embora globalmente positivo, apresenta sintomas persistentes de erosão, designadamente no que se refere ao afastamento e desmotivação de tantos cidadãos.

Mas atenção: como tenho salientado em inúmeras ocasiões, a solução não estará, porventura, numa busca de soluções crispadas exclusivamente em torno de alterações constitucionais e legislativas que acabem por não corresponder, na prática, às expectativas que nelas se depositaram. É possível e necessário, no quadro institucional e constitucional vigente, aperfeiçoar e corrigir o funcionamento do sistema político. Para tanto basta, em grande parte dos casos, pura e simplesmente dar cumprimento às leis em vigor.

Na sequência do que aqui vos disse no dia da minha posse e reportando-me à carta enviada ontem ao Senhor Presidente da Assembleia da República, gostaria de abordar, ainda que sucintamente, a questão do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

Como sabem, desde há muito que este tema merece a minha atenção. Assumi, na altura própria, posições públicas perante o total desfasamento da realidade que representava a anterior lei do financiamento. Mal pareceria, depois de ter vivido, como candidato, a experiência da aplicação da nova legislação, que não partilhasse convosco as minhas reflexões.

É indiscutível que a actual lei representa um progresso no sentido da contenção de certo tipo de despesas, inúteis ou sumptuárias, e de maior transparência dos financiamentos privados. Considero, todavia, que, apesar disso, se deve caminhar assumidamente no sentido do reforço do financiamento público das campanhas eleitorais, tornando-as mais independentes dos financiamentos privados. Só prosseguindo esse caminho se contribui para uma verdadeira transparência da vida nacional.

É importante, neste caso, continuar o esforço legislativo iniciado e ampliar de forma ousada a reflexão em torno deste tema. Nada devemos recear: o aumento dos encargos do Estado pelo financiamento dos partidos políticos e das campanhas, consequência natural desta orientação, corresponde a um investimento público na consolidação da democracia e a um contributo para o reforço da credibilidade e independência do sistema.

Há princípios reguladores das campanhas que se tornaram obsoletos face à evolução das sociedades, embora o essencial seja a determinação dos partidos para pôr fim a práticas de campanha eleitoral hoje ultrapassadas e inúteis. Contudo, o esforço de contenção das despesas eleitorais, tão importante perante os gastos extremos a que se chegou, não pode, todavia, ser elevado a limites que condicionem a efectiva capacidade de transmissão de uma mensagem política e a visibilidade da campanha eleitoral.

Assumido com sobriedade, pelos partidos e pelas candidaturas, o recurso aos meios necessários e assegurada a fiscalização rigorosa das receitas e despesas, um maior financiamento público pode vir a constituir uma decisiva garantia de transparência, igualdade das candidaturas e reforço da confiança dos cidadãos no sistema político.

Penso, em suma, que o valor do financiamento público actual é insuficiente e que o seu reforço, acompanhado de uma redução dos gastos eleitorais, representará uma garantia de maior transparência da vida política. E este é, como sabem, um objectivo fundamental por que tenho lutado.

Senhor Presidente

Senhores Deputados

Como já referi, o nosso país registou, desde 1976, mudanças notáveis, um progresso e um desenvolvimento significativos. Mas há ainda muito a fazer. Todos sabemos que acontecimentos recentes trouxeram à luz do dia debilidades e carências que muitas vezes não vemos ou não queremos ver. Esse país esquecido, isolado, pobre existe e está entre nós. Não reclama apenas os nossos bons sentimentos. Exige acção e solidariedade.

A consciência das nossas fragilidades não deve ser, no entanto, motivo de desânimo colectivo ou de retorno a um pessimismo que queremos ultrapassado. Demonstrámos já, sobejamente, que somos capazes de realizações notáveis, de nos mobilizarmos por causas nacionais, de nos empenharmos, com sucesso, na modernização do país.

Assim, os importantes desafios que temos de vencer não nos devem atemorizar, paralisar ou levar-nos a enterrar a cabeça na areia. Devem, pelo contrário, servir para nos consciencializarmos de que o nosso desenvolvimento é, em muitos casos, ainda frágil, de quanto de aparente pode haver na nossa modernidade. A solução não está, seguramente, numa auto-flagelação gratuita ou num passar de responsabilidades e culpas de uns para os outros - poder local e poder central, governo e oposições, Estado e sociedade.

A lição que temos de reter é esta: os problemas não se resolvem com meras proclamações nem com voluntarismo. Resolvem-se com estudo, trabalho metódico, eficácia, com solidariedade, com coesão económica e social. Há que desenvolver, a todos os níveis – e eu assumo integralmente a responsabilidade que compete ao Presidente da República – uma cultura de exigência e de rigor, de prestação de contas, de responsabilização, de avaliação de resultados. E, quando é esse o caso, há que pôr em movimento o mecanismo de sanção do desleixo, da negligência, da incompetência, da irresponsabilidade.

O Estado de Direito é um Estado em que o império da lei é posto ao serviço da protecção da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais dos cidadãos. Temos, porém, de acabar com a atitude que leva a reivindicar - e ainda bem! – os nossos direitos, mas a não querer assumir – e ainda mal! – nenhum dever para com os outros e a comunidade.

Portugueses,

Na passagem do aniversário do 25 de Abril de 1974 e nos 25 anos da Constituição, quero saudar calorosamente os militares de Abril e renovar-lhes o nosso testemunho de reconhecimento e de homenagem. Não esquecemos a sua coragem e a sua generosidade.

Foi a aprovação e a actualização da Constituição do Estado de Direito que consagrou os principais desígnios originários do Movimento das Forças Armadas e a adequada integração das Forças Armadas no regime democrático.

É ainda nessa linha que as Forças Armadas colaboram em missões de protecção civil e de satisfação de necessidades básicas das populações, cooperam na satisfação dos compromissos internacionais do Estado Português e participam em missões humanitárias de cooperação e de paz que dão, na actualidade, uma nova dimensão à protecção internacional dos direitos do homem e ao progresso das instituições democráticas.

Essa participação em missões internacionais representa um desígnio nacional e contribui para a nossa afirmação externa. Os militares dos três ramos das Forças Armadas têm cumprido essas missões com profissionalismo, competência e coragem, prestigiando o nome de Portugal a instituição e a que pertencem.

Cabe-nos agora participar no debate sobre os caminhos, as responsabilidades e os novos desafios que o futuro coloca à Defesa Nacional e às Forças Armadas portuguesas. Por isso, não me tenho cansado de referir a necessidade de as modernizarmos e reequiparmos, com vista a ultrapassar insuficiências e a adequar os meios existentes às necessidades. Sabemos que este processo é gradual e terá necessariamente de ter em conta as prioridades e os condicionalismos financeiros globais da acção do Estado. É, todavia, indispensável que as nossas Forças Armadas possuam elevados padrões de proficiência num contexto modernizado.

Para a reforma estrutural das Forças Armadas, é necessário o empenhamento responsável de todos os níveis de decisão, orientado por uma visão global da Defesa Nacional. Só assim se chegará à racionalização, à valorização e à optimização dos recursos existentes. Este é o tempo certo para o fazer.

A Assembleia da República vai apreciar brevemente alterações legislativas de importância fundamental para as nossas Forças Armadas e para a nossa política de defesa nacional. Refiro-me a diplomas relativos ao envolvimento de forças portuguesas no estrangeiro, à programação militar, às bases de organização das Forças Armadas e ao exercício de direitos fundamentais por parte dos militares.

Como Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas, cumpre-me assinalar a importância destes instrumentos legislativos e manifestar o desejo de que a sua aprovação assente num consenso nacional duradouro, quanto às orientações e aos objectivos estratégicos da política de defesa.

Temos feito, nos últimos anos, um esforço de adaptação e actualização de conceitos e de normas, procurando responder às profundas transformações entretanto ocorridas no plano internacional e no plano interno. É necessário que esse esforço seja acompanhado de um debate nacional em torno das novas definições e actualizações estratégicas que, como todos reconhecem, são indispensáveis às exigências de um novo ciclo internacional. Este é um imperativo nacional e uma responsabilidade de cidadania.

Decorreram já mais de dezoito anos desde a aprovação da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas. É tempo e há condições, agora, para retirarmos as devidas lições da vigência de uma lei aprovada num contexto político datado, marcado por polémicas conjunturais e pela controvérsia sobre a natureza do sistema político a construir após o período de transição constitucional.

Na última revisão constitucional, a Assembleia da República deu o devido relevo à participação portuguesa nas missões humanitárias e de paz assumidas pelas organizações internacionais de que Portugal faz parte. Importa, agora, numa altura em que o Parlamento debate o acompanhamento de tais missões, dar a justa importância ao enquadramento jurídico e ao papel que nelas deve caber aos diferentes órgãos de soberania. A discussão em curso poderá ser uma ocasião excelente para uma clarificação de papéis e de responsabilidades, sem que para isso seja necessária uma revisão constitucional.

Nessa revisão constitucional de 1997, foi decidido ainda, por unanimidade, conferir uma representatividade mais alargada à composição do Conselho Superior de Defesa Nacional. Penso ser também esta a ocasião oportuna para, dando cumprimento à decisão constituinte, se proceder a uma reflexão sobre a natureza, composição e funções de um órgão relativamente ao qual é possível, agora, depois de quase duas décadas de funcionamento, ter um juízo assente na experiência.

A política de Defesa Nacional e a organização e disciplina das Forças Armadas são pilares essenciais do Estado democrático. Aos Deputados incumbe um papel fundamental e insubstituível na adequação e actualização da definição conceptual estratégica e do quadro legislativo em que elas assentam. Estou certo de que a Assembleia da República me acompanha neste conjunto de preocupações.


Portugueses!

Nos próximos vinte e cinco anos, o nosso País continuará a conhecer grandes transformações e vai ter que vencer muitos e exigentes desafios. Algumas dessas transformações são imprevisíveis, outras resultarão de tendências que já hoje estão presentes na nossa sociedade e que devemos analisar.

A diminuição da taxa de natalidade, conjugada com o aumento da expectativa de vida, significa que teremos uma população cada vez menor e cada vez mais envelhecida. Ambas estas tendências não são só portuguesas, são comuns à generalidade dos países europeus e preocupam-nos. Neste quadro, a elevação dos níveis de desenvolvimento vai passar pelo aumento da imigração e exige uma significativa subida da produtividade.

Se a imigração permite o crescimento económico em extensão, só o aumento da produtividade aumenta a riqueza que cada um de nós produz. Sendo certo que é difícil aumentar a produtividade a um ritmo tal que dispense a imigração, também sabemos que o acréscimo da imigração não aumenta, só por si, o rendimento individual. Para aumentarmos o nosso rendimento individual, temos que aumentar a produtividade. Este aumento deverá ser um objectivo permanente nos próximos 25 anos. Políticos, empresários, sindicalistas, universitários, todos os cidadãos terão que se perguntar, a cada instante: como produzir o mesmo com menos gasto de trabalho, de capital, de matérias primas, com menos desgaste da natureza? Como produzir mais com o mesmo dispêndio de factores de produção? Como conter a despesa pública sem sacrificar a qualidade dos serviços?

Por outro lado, o aumento da imigração pode constituir um factor de tensão social. Assim acontecerá se não soubermos ou não quisermos proporcionar aos imigrantes condições de integração na nossa sociedade. As dificuldades da integração estão a pôr-se para muitos imigrantes vindos da Europa de Leste e são notórias numa parte da segunda geração de imigrantes de origem africana.

Se, esquecendo as nossas responsabilidades morais de país de emigração – que aliás continuaremos a ser –, não resolvermos a integração dos imigrantes estaremos a criar problemas sociais melindrosos. Perante as novas condições da imigração, o nosso dever passa agora por uma política de acolhimento que, desde o momento da chegada, permita assegurar condições de integração. O apoio ao ensino do português, a informação sobre a legislação portuguesa e a divulgação de um quadro de direitos, mas também de deveres, a que os imigrantes estão obrigados são os melhores caminhos para prevenir futuros fenómenos de exclusão social.

Temos de ganhar consciência de que a nossa sociedade está em permanente transformação e que essa transformação gera instabilidade. Devemos preparar-nos para respondermos às mudanças das relações sociais, procurando novos pontos de equilíbrio e tendo sempre em vista assegurar, em termos modernos, a coesão social.

Assim, é preciso encarar a família de uma forma nova, sabendo que é hoje um modelo em profunda evolução. Só assim ela poderá continuar a ser o primeiro factor de integração social. Temos que melhorar a escola que é, depois da família, o mais forte factor de integração. Temos que estimular a vida associativa, fonte de enriquecimento pessoal e de dinamização social.

Só reforçando a integração social e a coesão nacional, estaremos em boas condições para enfrentar as consequências de um panorama internacional e europeu que se afigura tão cheio de promessas como pleno de riscos.

Esses riscos derivam de fenómenos como o aumento das desigualdades entre ricos e pobres, que mina a coesão de tantas sociedades, gerando instabilidade, violência e conflitualidade; como a SIDA e outras epidemias; como as agressões contra o ambiente e a dificuldade da comunidade internacional em concertar medidas para as conter, ainda recentemente postas em evidência pela controvérsia em torno do protocolo de Quioto; como o crime organizado e globalizado; o tráfico de drogas e, agora, também, de seres humanos; e ainda fenómenos como a multiplicação de conflitos de base étnica e religiosa; os fundamentalismos religiosos, de que o Afeganistão recentemente nos deu um terrível exemplo; a ausência de regulação do mercado mundial de capitais.

Eis uma lista de ameaças a lembrar-nos que passámos de um mundo de guerra fria, assente no equilíbrio do terror, para um tempo de incerteza e instabilidade em que, aos valores da democracia, se opõem não tanto as ideologias de cariz totalitário, caídas em descrédito, como o espectro da ingovernabilidade e anarquia em largas zonas do mundo. Perante ele, devemos tudo fazer, mesmo que seja dando pequenos passos, para aumentar a segurança e a paz da humanidade, até porque num mundo globalizado os problemas dos outros rapidamente se tornam problemas nossos.

Nesse sentido, o aprofundamento e o alargamento da União Europeia devem ser assumidos como um insubstituível factor de estabilidade, de paz e de desenvolvimento, que particularmente nos responsabiliza e desafia. Devemos dar a nossa melhor contribuição para esse processo, valorizando ao mesmo tempo a nossa vocação universalista e os laços que nos unem aos países lusófonos.


Portugueses!

Como não me tenho cansado de dizer, a resposta aos desafios que enfrentaremos nos próximos anos resume-se numa palavra: educação. Só a educação nos permitirá ter voz e estar presente numa Europa e num mundo em mudança permanente.

A educação é condição indispensável para melhorar a qualidade da política, reformar a administração pública, aumentar a competitividade das empresas, assegurar a reforma da segurança social, vencer os desafios da integração europeia e da globalização. Sem mais e melhor educação não entraremos plenamente na sociedade da informação, não aumentaremos a produtividade, não nos tornaremos suficientemente competitivos. Da educação depende muito o civismo, a vivência da liberdade e a realização da democracia. Considero, por isso, que nunca será demais frisar, neste Dia da Liberdade, a sua importância.

Os avanços que fizemos nos últimos anos não devem iludir-nos sobre o muito que há a fazer nas escolas portuguesas, nos laboratórios e centros de investigação, nas empresas. É claro que o ponto de que partimos, em 1974, era muito diferente daquele em que estavam os outros países da Europa ocidental. Essa é, verdadeiramente, a mais terrível, a mais persistente, a mais pesada herança da ditadura.

O acesso à educação condiciona a nossa capacidade de compreender e interpretar o mundo, de fazer escolhas e de exercer a cidadania. Numa sociedade em que o acesso à informação se generaliza, é preciso que a educação ensine a organizar, a escolher, a exercer o espírito crítico e o livre exame. Não podemos aceitar a inevitabilidade de uma sociedade amorfa, conformista, indiferente, em que a competição, o individualismo e o lucro sejam os únicos valores dominantes. É necessário desenvolver, desde o ensino pré-primário, a capacidade de cooperar, de assumir atitudes solidárias, de eleger valores. Nunca será demais sublinhar a importância da educação para a leitura, da educação científica, da educação ambiental e patrimonial, da educação para a comunicação social, para a prevenção rodoviária, para a adopção de estilos de vida saudáveis, para a solidariedade internacional.

Sou a favor de uma escola de exigência, de responsabilidade e de disciplina, uma escola de cidadania, que dê consciência dos direitos, mas também dos deveres. Acredito que vamos ser capazes de vencer o desafio educativo porque a educação começa a ser olhada como uma responsabilidade social de todos.


Portugueses!


No último quarto de século vencemos desafios tão difíceis como aqueles que temos pela frente nos próximos vinte cinco anos. Vencemo-los porque a Constituição de 1976, que institucionalizou a democracia e o Estado de direito em Portugal, se tornou num factor de coesão.

Foi a Constituição republicana e democrática, que permitiu a organização livre dos portugueses e o desenvolvimento da democracia, que tem permitido compatibilizar a solidariedade com a competitividade, a única forma socialmente útil de criar riqueza.

Foi a democracia instituída pela Constituição que possibilitou a nossa entrada na União Europeia, deu sentido ao esforço nacional graças ao qual fomos fundadores do Euro e permitiu a Portugal reafirmar o seu lugar no mundo.

É a democracia que tem permitido mobilizar a energia criadora dos portugueses para que se cumpra o sonho trazido pelo 25 de Abril.

É a democracia que permite reforçar e actualizar os laços entre os portugueses que vivem e trabalham em Portugal e os que vivem e labutam nas sete partidas do mundo, assegurando a sua participação na vida colectiva.

Foi a democracia que nos permitiu dar passos decisivos no sentido da igualdade entre mulheres e homens, que nos deu o impulso para combatermos a exclusão, as assimetrias, as discriminações.

Foi a democracia que nos permitiu consolidar o Estado laico, a liberdade religiosa e a liberdade de não ter religião.

Foi a democracia que propiciou a criação de um clima estável de convivência cívica e de tolerância.

Será a Constituição republicana e democrática que permitirá, nos próximos 25 anos, enfrentar e vencer os desafios de hoje e os que surgirão amanhã.

Será a democracia – uma democracia mais participada - que, no próximo quarto de século, permitirá manter a unidade dos portugueses na sua diversidade.

Será a democracia – uma democracia mais dinâmica - que nos possibilitará continuar a vencer os desafios de integração europeia.

Será a democracia – uma democracia mais sólida - que, no próximo quarto de século, harmonizará a solidariedade social e a defesa do ambiente com o necessário aumento da competitividade económica e da modernização.

Será a democracia – uma democracia mais aprofundada – que nos permitirá ter uma sociedade mais aberta, um país mais descentralizado, um território mais ordenado, um poder local mais renovado.

Será a democracia – uma democracia mais transparente – que atrairá mais jovens para o serviço público e que reforçará o prestígio das instituições e a sua ligação aos cidadãos.

Será a democracia – uma democracia mais moderna – que criará melhores condições para a afirmação da nossa comunidade científica e dos nossos criadores culturais.

Será a democracia – uma democracia do século XXI - que nos fará sentir a todos mais cidadãos, mais participantes, mais responsáveis, mais livres.

Por isso, dirijo-me aos portugueses, para vos dizer: não esqueçamos que está nas nossas mãos fazer com que as gerações futuras nos olhem como os portugueses que, com sabedoria e esforço, foram capazes de vencer as dificuldades e construir um novo Portugal – o Portugal do 25 de Abril. Essa honra de amanhã é a nossa responsabilidade de hoje. Lutemos, pois, em conjunto, por mais e melhor democracia; lutemos por uma democracia de cidadãos e por uma República de mulheres e de homens livres.

Viva a Liberdade!
Viva o 25 de Abril!
Viva Portugal!