VI Congresso da Federação Nacional dos Sindicatos da Educação - "Educação - A Raíz do Desenvolvimento"

Coimbra
26 de Abril de 2001


É com muito prazer que participo na sessão de abertura do vosso Congresso. Com a minha presença quero sublinhar uma vez mais a importância que atribuo à educação e desejar a todos quantos aqui se encontram os maiores êxitos.

Quero também felicitar-vos pela escolha do lema dos vossos trabalhos “Fazer da Educação a Raiz do Desenvolvimento”, que considero da maior relevância.

Todos sabemos que o futuro dos portugueses e do nosso país estará profundamente associado àquilo que formos capazes de fazer na educação e na formação.

Após um longo período em que este sector foi esquecido e o acesso à escola constituiu um privilégio reservado a muito poucos, vivemos, felizmente, um tempo em que se acredita na educação. E é necessário que assim seja, quaisquer que sejam os nossos credos políticos ou pedagógicos.

É imperioso que a sociedade acredite, cada vez mais, na aposta educativa como instrumento decisivo do desenvolvimento.

Permitam-me que, nesta primeira parte da minha intervenção e a propósito do lema do vosso Congresso, refira alguns objectivos que considero hoje essenciais para a escola.

Alguns desses objectivos foram assumidos pelos Ministros da Educação da União Europeia e apresentados ao Conselho Europeu da Suécia em Março passado. Nesse trabalho, iniciado no Conselho Europeu de Lisboa, a educação e a formação surgem como poderosos meios de desenvolvimento e, também, de aperfeiçoamento da democracia. A educação e a formação têm vindo a assumir uma importância reforçada no contexto político europeu.

No documento em causa são referidas as rápidas mudanças no mundo do trabalho, que requerem permanentemente novas competências e capacidade de adaptação; a necessidade de adaptar as sociedades a um decréscimo da natalidade, motivando as pessoas para continuarem a aprender e a reconverter as suas carreiras em diferentes fases da vida; a redução das desigualdades e dos processos de exclusão social e a promoção da diversidade cultural.

A preparação dos cidadãos para a sociedade do conhecimento e a aquisição de capacidades básicas são consideradas preocupações maiores. Considera-se essencial que a educação promova o desenvolvimento de competências vocacionais e profissionais, de literacia, competências sociais e de trabalho em grupo, bem como o desenvolvimento da sensibilidade artística e cultural.

A formação de pessoas com capacidade de intervir, resolver problemas, desenvolver iniciativas empresariais surge igualmente como uma preocupação dos responsáveis europeus pela educação.

Considero muito positivo que se assumam para as escolas dos países da União Europeia alguns objectivos de desenvolvimento comuns, sendo claro, todavia, que não se trata de uniformizar modos de funcionamento.


Considerando estes objectivos gostaria de partilhar convosco três desafios essenciais ao desenvolvimento do sistema educativo português nos próximos anos:

O primeiro desafio diz respeito à necessidade de construir uma escola eficaz onde todas as crianças, jovens e adultos possam aprender e encontrar os apoios de que necessitam.

Uma escola para todos.

Não ignoro os problemas que a democratização do acesso trouxe às instituições, mas esses problemas devem constituir um estímulo para a construção de novas práticas educativas, que criem hábitos de trabalho e o gosto de aprender. A grande orientação para a escola do nosso tempo, aceite mesmo pelas filosofias mais liberais, é que nenhuma criança deve ficar para trás. É necessário, por isso, que se criem processos de apoio e orientação dos alunos que encontram dificuldades nos seus percursos. Existe hoje, tenho-o referido noutros contextos, um novo mandato para a escola. Mandato que obriga a procurar um novo equilíbrio entre o esforço para promover a aquisição de conhecimentos e a capacidade de diferenciar as propostas de trabalho para os alunos, tendo em conta as suas capacidades e interesses culturais. Mas que obriga também a que existam regras claras de avaliação dos alunos, e de exigência de frequência das aulas. A frequência da escolaridade obrigatória não pode ser assumida como opção dos alunos.

Uma escola para todos, que deve ser, a meu ver, prolongada em número de anos, tem de ser capaz de prevenir os abandonos da escolaridade obrigatória, dignificar e estimular a frequência de formações profissionais, contribuindo para que os jovens que saem da escola possam inserir-se com maior facilidade no mercado de trabalho.

O segundo desafio diz respeito à necessidade de formar cidadãos capazes de compreenderem e intervirem no mundo em que vivem. A escola deve preparar os alunos para serem capazes de fazer opções nos domínios da política, do ambiente, do património, ou relacionadas com a saúde e com a informação.

A educação para a cidadania deve ter como base a aprendizagem dos direitos e deveres de cada aluno, da tolerância e do respeito pelos outros.

Não vos escondo a minha preocupação com o crescimento, em algumas zonas, da indisciplina e de actos de violência na escola. Penso que devem ser, em primeiro lugar, tomadas medidas preventivas, de motivação dos alunos, de clarificação de regras de funcionamento das turmas e da escola, de participação na vida dos grupos. Mas é necessário possuir, igualmente, regras claras de sanção de comportamentos perturbadores da vida da escola. A impunidade põe em causa a segurança, a liberdade e a democracia.

A autoridade do professor têm aqui um papel decisivo, ensinando o respeito pelos outros, a tolerância e o cumprimento de regras.

O terceiro desafio diz respeito à necessidade de promover a educação ao longo da vida. Portugal é, infelizmente, um dos países da União Europeia com mais baixas qualificações da população activa. É preciso organizar sistemas de creditação de competências e saberes e adaptar pedagogias e ritmos de formação às populações que procuram novas oportunidades educativas.

A formação ao longo da vida deve estar cada vez mais acessível a um número crescente de pessoas. Trata-se de um desafio às instituições educativas e, em particular, às instituições de ensino superior que serão, cada vez mais, chamadas a produzir respostas neste sector.


Minhas Senhoras e Meus Senhores

Sei que a solução dos problemas que se colocam hoje aos sistemas educativos não é fácil. Ao contrário do que muita vezes se diz, estou convencido que a escola, por si só e sem o trabalho em parceria com as diferentes instâncias do meio envolvente, não os poderá ultrapassar. Tenho apelado por isso à necessidade de mobilização de uma responsabilidade social que deve ser de todos: agentes educativos, pais, autarcas, serviços sociais, saúde, justiça.

Do conjunto destas mudanças surge um novo mandato para a escola e para os professores que obriga a que se repensem as funções e a formação dos agentes educativos.

No final da minha intervenção gostaria de vos deixar sobre este tema três preocupações:

A primeira preocupação diz respeito à formação de professores e dos outros agentes educativos, um dos mais poderosos instrumentos de qualquer renovação no sector educativo. As mudanças no quotidiano das escolas foram de tal modo importantes que exigem a reformulação das funções educativas e, sobretudo, das novas competências exigidas aos professores e aos agentes educativos em geral. Se para um professor preparado para transmitir conhecimentos se exigia uma formação científica e didáctica profunda, são hoje indispensáveis competências no que diz respeito à organização das aprendizagens e à diferenciação das estratégias de ensino e apoio aos alunos. Neste plano é indispensável organizar processos de formação dos funcionários não docentes e, muito em especial, daqueles que enquadram os alunos durante os tempos não lectivos.

É, pois, necessário repensar a formação inicial e contínua para que os professores e os outros agentes educativos sejam capazes de exercer estas novas funções. Estaremos nós a preparar os jovens professores para associarem uma atitude de rigor relativamente aos conteúdos com estas novas funções?

Estaremos nós a orientar da forma necessária as políticas de formação contínua? Ficam as perguntas.

Uma segunda preocupação diz respeito à colegialidade docente.

A maioria dos problemas que se colocam hoje, no dia-a-dia das escolas, exige um trabalho de concertação das equipas pedagógicas, no que diz respeito ao planeamento, organização das aprendizagens e também na avaliação. Este trabalho exige um reforço da colegialidade docente, mas exige também uma atitude de pesquisa e reflexão que deveriam constituir uma base das estratégias de inovação e formação contínua.

Uma terceira preocupação tem a ver com a necessidade de pensar a ética profissional docente.

A profissão docente é das que maiores consequências pode ter sobre as pessoas. A influência que os professores exercem vai potenciar o desenvolvimento harmonioso de uma personalidade ou, pelo contrário, prejudicar esse desenvolvimento. Ser capaz de compreender essas influências constitui uma dimensão importante da profissão. Por isso, é essencial que cada professor seja capaz de avaliar o seu trabalho e as suas consequências. Estabelecer momentos de avaliação, de negociação, de análise de conflitos faz parte da construção de uma nova ética docente.

Sei que as condições do exercício da profissão são hoje muito difíceis e que exigem meios e transformações adequadas. Muitos de vós sois confrontados com situações difíceis de afastamento das vossas residências. São situações penosas que espero possam ser ultrapassadas. Penso que a resolução dos problemas que se prendem com as condições do exercício da profissão devem colocar, em primeiro lugar, o interesse dos alunos e a estabilidade essencial ao trabalho e ao desenvolvimento de projectos de escola. Só assim teremos profissionais realizados.

Há que rever os processos de colocação, de modo a permitir a formação de equipas e uma maior estabilidade, bem como uma relação positiva com a escola e com os alunos.

O desafio que vos deixo é para que aceitem ultrapassar tabus e analisem os caminhos mais adequados ao exercício de uma profissão em mudança, fruto de profundas alterações nos públicos que frequentam a escola, nos saberes e nas relações entre as pessoas.

A qualidade da educação exige da parte dos diferentes parceiros atitudes de abertura à negociação.

Uma palavra para os funcionários não docentes da escola. Quero agradecer-vos o carinho e o profissionalismo com que lidam com os alunos.

A todos vós desejo os maiores êxitos. O futuro do país em muito depende do vosso trabalho.