Brinde proferido por sua Excelência o Presidente da República Portuguesa por ocasião do almoço oferecido em sua honra pelo Presidente da Câmara de Bordéus, Senhor Alain Juppé

Bordéus, Hôtel de Ville
09 de Maio de 2001


Permita-me, antes de mais, dizer-lhe o meu profundo agrado por me encontrar em Bordéus, cidade que visito oficialmente pela primeira vez, mas na qual vislumbro um ar de família, quiçá, pelas afinidades que finalmente justificam a sua geminação com o Porto, quiçá, pela sua vocação atlântica e de ponto de confluência de tradições e culturas, que a tornam num símbolo dessa Europa, aberta ao mundo e aos outros, à qual pertencemos e para a qual procuramos traçar um rumo novo e ousado.

Agradeço-lhe, Senhor Presidente da Câmara, em nome dos que me acompanham nesta visita, e no meu próprio, as palavras tão amáveis que me dirigiu. Conhece bem as sólidas relações de amizade que existem entre Portugal e França, a estima e o apreço particular que muitos dos meus compatriotas nutrem pelo seu país que os recebeu como exilados nos anos de regime autoritário ou onde tantos se refugiaram e muitos outros procuraram uma vida nova e encontraram uma segunda pátria. Os primeiros evocam o espírito da liberdade e a solidariedade republicana, que são o fundamento de uma cidadania europeia. Os segundos, tão bem representados na comunidade portuguesa em Bordéus, constituem exemplos concretos das virtudes da integração, das quais nos devemos todos orgulhar.


Por uma feliz coincidência, festejamos hoje o dia da Europa. Esta efeméride imprime simbolismo redobrado à minha presença aqui. Creio de facto que devemos apostar numa Europa assente em relações de proximidade entre os seus cidadãos, com cidades geminadas e regiões unidas por laços privilegiados de parcerias e cooperação, numa Europa de nações, solidárias e atentas ao interesse geral e ao bem comum.


Creio também que devemos encorajar iniciativas como as que me trazem a Bordéus, - participar no encontro L’Europe des Littératures, em que a literatura portuguesa ocupará um lugar central bem como os seus passeurs em França (tradutores, críticos literários, animadores culturais). Trata-se de projectos conjuntos, que estimulam o diálogo e o debate, que incitam à descoberta mútua e ao intercâmbio de experiências, reforçando a consciência de uma matriz cultural comum, na infinita variedade das suas manifestações.


Neste momento em que a União Europeia está confrontada com profundas mudanças, a começar pelo alargamento às novas democracias da Europa central e oriental, sabemos que só uma ideia política da Europa pode firmar um projecto de longo alcance, assente numa comunidade de valores, expressão renovada do nosso património cultural comum.


Não é o lugar nem o momento para me alargar sobre os desafios com que nos confrontamos, abster-me-ei de glosar sobre o futuro da União. No entanto, tenho por certo de que a União Europeia precisa de um desígnio e de uma dimensão política, seja qual for o modelo que venha a ser adoptado. A Europa só pode ser fruto da vontade, da lucidez e da liberdade e jamais de uma imposição.


O caminho da integração política da Europa nunca seguiu nenhum modelo clássico e conseguiu sempre conjugar os imperativos de uma crescente articulação política entre os Estados Membros e o respeito pela sua igualdade e individualidade. Na próxima etapa, que corresponderá a uma segunda fundação da União das Democracias Europeias, teremos de ir mais longe sem, todavia, perder as virtudes singulares da via europeia.


É este um repto à nossa capacidade de aliar sentido da história e visão do futuro, que exigirá instinto político e pensamento criador, percepção do interesse geral e respeito pela vontade particular, idealismo de intenções e realismo pragmático.


Portugal é um Estado antigo, uma velha nação com forte identidade e uma democracia nova. Estou certo que nessas três qualidades encontraremos a sabedoria e a vontade para fazer a nossa parte do futuro da Europa.


Portugal e a França estão ambos animados pelo mesmo ensejo, empenhados na progressão do projecto europeu, em prol de uma União em que, pequenos ou grandes, mais ou menos prósperos, todos os Estados tenham uma voz própria, sem prejudicar, no entanto, o equilíbrio, a unidade e a coesão de conjunto.


Peço a todos que me acompanhem num brinde pelo bem-estar pessoal do Senhor Juppé, pela amizade entre Portugal e a França e pela perenidade da Europa.