Comemorações do 10 de Junho - "Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas"

Porto
10 de Junho de 2001


Portugueses,

No ano primeiro do novo século, celebramos o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas nesta terra de onde houve nome Portugal. Ao fazê-lo, temos presente o simbolismo desta data e reafirmamos o vínculo às nossas raízes.

Cidade de memória, ligada aos mais decisivos acontecimentos da história nacional, o Porto foi também sempre uma cidade de futuro. Terra de liberdade, de rebeldia e de resistência à opressão, naqueles períodos em que a liberdade nos foi negada, a cidade de Garrett orgulha-se, com inteira justiça, dos seus pergaminhos democráticos e liberais.

Capital Europeia da Cultura em 2001, o Porto é, desde sempre, uma cidade europeia, aberta aos movimentos, às trocas, às correntes e às influências que foram moldando a Europa ao longo dos séculos e que aqui deixaram a sua marca num património material e moral em que todo o País se revê.

Comemorar, nesta cidade, o Dia de Portugal é dizermos renovadamente que somos e queremos ser um povo solidário no destino comum e firme na defesa do que nos une. O que nos une é um projecto de futuro, que se traduz em responsabilidade no presente. Cumpramos essa responsabilidade no presente e podemos ter confiança no futuro.

Nesta data e como é da tradição, dirijo-me, gratamente, aos portugueses, saudando-os, estejam onde estiverem. Dirijo-me, falando-lhes, como sempre faço, a linguagem da verdade e do rigor. Não ignoro que há preocupações. Sei que existe – e ainda bem que assim é – a consciência dos desafios que precisamos de vencer para não ficarmos para trás no caminho que temos vindo a percorrer.
Os problemas resolvem-se e os desafios vencem-se com decisão, vontade, competência e racionalidade, evitando-se tanto os adiamentos paralisantes como as dramatizações precipitadas. Os problemas ultrapassam-se e os desafios ganham-se com a noção clara de que as sociedades modernas são muito complexas e de que a sua coesão é frágil, exigindo a procura de soluções novas que recusem as receitas já gastas e assentem num princípio fundamental: aos direitos correspondem deveres e não se resolvem problemas sem a partilha dos custos das soluções.

Como Presidente da República estou, como me compete, atento aos sinais da sociedade e às expectativas das pessoas. Como Presidente da República, cumpre-me ser o cidadão mais atento, mais exigente, mais responsável, mais insatisfeito – insatisfação que deve começar comigo próprio. Compete-me ser o árbitro isento e equilibrado e, no exercício da magistratura de iniciativa que assumo, devo ser o mobilizador de vontades e de causas – e não o espectador passivo dos acontecimentos.

Sendo meu o entendimento de que a política é serviço de cidadania, não desistirei de lutar por princípios, causas, objectivos – causas, princípios e objectivos que tornem a nossa democracia mais sólida e o nosso país mais desenvolvido. Por essa luta todos somos responsáveis – Estado, sociedade civil, cada um dos portugueses. É um combate, sem tréguas nem adiamentos, de afirmação da cidadania e da participação.

Essa luta tem de ser contínua e participada, isenta de qualquer réstea de providencialismo ou populismo, que não tem nenhum sentido e representa sempre a menorização da cidadania e a infantilização dos cidadãos. Em democracia, não há homens providenciais. Tem de haver instituições fortes, sólidas e eficazes, que funcionem e cujos titulares assumam os seus deveres permanente e plenamente. Isto é o que faz de nós uma democracia moderna, adulta e com capacidade de se aperfeiçoar.

Penso, aliás, que, para vencermos as dificuldades políticas, económicas e sociais que temos pela frente, a primeira condição requerida é a clareza nos comportamentos e no assumir de responsabilidades. Pela minha parte e como tenho dito, não me substituo nem aos outros órgãos de soberania, nem às forças políticas, a fazer o que lhes cumpre. Mas o Presidente da República tem a responsabilidade, que assumo integralmente, de tudo fazer para garantir o regular funcionamento das instituições e de ser o intérprete, em cada momento, do interesse nacional.

Oponho-me, por isso, à criação de crises artificiais, pois considero a estabilidade um valor instrumental. Contudo, a estabilidade não é um fim que se baste, pois o que melhor a justifica são os resultados que permite alcançar.

O que vos quero dizer sobre o momento actual é claro: continuo a ter presentes as preocupações que venho enunciando, nomeadamente na minha tomada de posse. Conheço os problemas urgentes e os desafios complexos que temos de vencer, pois não podemos diminuir o grau de exigência sobre a qualidade do nosso futuro como país e como povo.

Temos de avaliar o mais correctamente possível a realidade e não devemos quer subavaliar, quer sobreavaliar os desequilíbrios económicos que existem e são sérios. A situação económica é complexa e difícil, requer correcção para evitar males maiores e poderá implicar, temporariamente, um crescimento económico mais lento do que desejaríamos. Mas já passámos por situações mais difíceis e vencemo-las com sucesso. Não há razão para acreditar que não possamos fazer o mesmo, se não perdermos tempo, se tivermos uma estratégia adequada e se houver as indispensáveis disponibilidades para as partilhas de responsabilidades e os compromissos necessários.

Por outro lado, acontecimentos trágicos recentes mostraram-nos a necessidade de aprofundar a solidariedade entre o litoral e o interior e de reforçar as condições de equidade e coesão nacional. O Portugal solidário que defendemos não pode resumir-se aos pólos de desenvolvimento situados na faixa dos cinquenta quilómetros de largura que vai de Braga a Setúbal.

O desenvolvimento solidário e equitativo do território nacional exige o aprofundamento dos instrumentos institucionais existentes e a racionalização de métodos e procedimentos que apontam para uma nova organização territorial da Administração do Estado. O mapa territorial de desconcentração, que tem como referências as áreas das Comissões de Coordenação Regional, mostra-se como uma solução adequada a um processo exigente, efectivo e continuado, que deve articular-se com o processo de descentralização administrativa. Este é um grande objectivo nacional.

Reafirmando e reforçando o que vos tenho dito, penso que, com o esforço de todos, é possível e necessário continuarmos a lutar, sem hesitações, por:
- um país mais moderno, com uma economia mais produtiva e competitiva, que nos aproxime dos padrões europeus;
- uma sociedade mais solidária, mais coesa com menos factores de exclusão;
- uma sociedade mais segura, que previna e combata as causas tradicionais de insegurança, mas também os novos riscos;
- uma sociedade em que a autoridade democrática seja mais forte e respeitada, porque é uma autoridade que se exerce para o bem de todos;
- uma sociedade mais educada, mais culta, mais aberta à mentalidade científica e aos avanços tecnológicos, mais preparada para a inovação e para os desafios da sociedade do conhecimento;
- uma sociedade menos conformista e menos tutelada, mais exigente consigo própria, menos passiva e fatalista, mais organizada e previdente;
- um Estado com maior capacidade de se reformar, de modo a garantir um serviço público mais eficaz, competente, dedicado, que esteja ao serviço dos cidadãos, fazendo da ética republicana uma prática diária;
- um Estado mais rigoroso no combate ao laxismo, à inépcia, à injustiça;
- um Estado verdadeiramente regulador, que seja capaz de reforçar a confiança dos cidadãos na sua acção;
- uma democracia mais moderna e participada, com uma cidadania mais activa;
- uma democracia mais eficaz no combate à discriminação, ao favoritismo, à falta de transparência;
- uma democracia que faça do impulso reformista uma condição do seu vigor, do seu aprofundamento, da sua modernização e da sua proximidade aos cidadãos.

Este é o Portugal que temos o dever de construir e de legar às gerações futuras. Comemorar o Dia de Portugal é, antes de tudo, assumir um compromisso de cada português para com todos os portugueses e para com Portugal.

O destino do nosso País não é mais, como foi no passado, um destino isolado, solitário ou autista. É um destino aberto, acompanhado, solidário com os nossos parceiros. É um destino que se joga na Europa. Sabemos, hoje, que o nosso destino é a Europa.

A integração europeia de Portugal foi uma escolha fundamental, inseparável da institucionalização da democracia pluralista e do fim do Império. Fazendo parte da Europa, pudemos garantir um rumo estável para a nossa estratégia de modernização económica e social; graças à integração, foi-nos possível fortalecer a posição internacional de Portugal; conseguimos também dar um grande vigor à luta pela autodeterminação de Timor-Leste. Graças ao empenho continuado de sucessivos governos e a um sólido consenso inter-partidário, conseguimos estar na primeira linha da construção europeia e pertencer ao grupo dos fundadores da moeda única.
A Europa vai entrar, agora, numa fase decisiva. Há que iniciar um novo processo de alargamento, com a adesão das novas democracias da Europa central e oriental. Considero esse processo essencial para garantir a segurança do nosso continente e fazer coincidir as fronteiras da União Europeia com as fronteiras da democracia na Europa.

Portugal defendeu, desde a primeira hora, o alargamento. Seriamos os últimos a poder recusar às novas democracias as condições de estabilidade e solidariedade que foram decisivas para a consolidação da nossa democracia. Mas somos, sobretudo, a favor do alargamento por entendermos que uma União Europeia alargada será mais forte e terá uma capacidade acrescida para garantir a segurança regional. Esta posição clara não é, naturalmente, incompatível com a defesa dos nossos interesses e da nossa posição na Europa. Estamos, aliás, certos de que o alargamento nos abre novas oportunidades.

Iniciou-se na Europa um debate fundamental sobre o seu futuro político. Desde a fundação, a construção europeia foi sempre um projecto político, cuja finalidade primeira foi tornar impensável a guerra entre os Estados europeus. O modelo inovador das Comunidades conseguiu, por outro lado, conjugar uma integração crescente com o principio da igualdade entre os Estados membros, garantindo o fortalecimento da unidade, sem pôr em causa a diversidade que faz a especificidade da Europa.

Tanto essa finalidade, como esse modelo, continuam válidos, quando se procuram as fórmulas do futuro político da união das democracias europeias. Creio, por isso, que é indispensável trazer para esse grande debate o conjunto dos cidadãos dos Estados membros.

Os portugueses são, à partida, dos que menos têm a recear com o aprofundamento político da Europa. Somos o mais velho Estado nacional europeu e um dos raros que conservou a sua independência dentro de fronteiras estáveis. Essa identidade forte permite-nos encarar, com tranquilidade, os passos necessários ao fortalecimento da União Europeia, e a nossa longa experiência histórica não deixará de dar um contributo relevante à construção de um futuro político comum.

Não devemos ter medo de palavras, nem de fórmulas. Não devemos ter qualquer hesitação em defender o que entendemos justo – em primeiro lugar, os valores comuns da liberdade, dos direitos humanos e da solidariedade. Na invenção do futuro da Europa, não há pequenos, nem grandes Estados - há boas e más ideias, estratégias criativas, portadoras de futuro e estratégias de impasse, com o risco de regresso a um passado de violência.

Temos obrigação de participar activamente no grande debate que se está a travar. Como Presidente da República, assumo a promoção desse debate como um dever. Entendo também que nos cumpre procurar redefinir, no actual quadro, os nossos consensos internos, pois eles são essenciais para garantir, na próxima fase da construção da Europa, uma estratégia portuguesa coerente e afirmativa.


Portugueses,


Renovo o meu apelo a todos vós, estejam onde estiverem. Saúdo os que estão em Portugal e os portugueses dispersos pelo Mundo, levando-lhes a nossa palavra de proximidade afectiva.

A visita de Estado que recentemente fiz ao Canadá confirmou-me, mais uma vez, a necessidade de tudo fazermos para aproveitar plenamente esse imenso capital humano que são as comunidades portuguesas e de luso-descendentes, prestigiadas e integradas nos países de acolhimento, mas com a vontade firme de não perder os laços que as unem a Portugal. Devemos dar a esses laços um alcance mais moderno e concreto, estabelecendo intercâmbio e parcerias em diversas áreas. Devemos, ao mesmo tempo, reforçar os instrumentos e os recursos para o desenvolvimento de uma política de língua portuguesa mais alargada e eficaz.

Gostaria que as palavras chave deste Dia fossem: responsabilidade, insatisfação, acção. Responsabilidade, para não deixarmos para amanhã o que pode e urge ser feito hoje; insatisfação, para não baixarmos o nível da nossa exigência para connosco e para com Portugal; acção, porque é agindo e trabalhando que se consegue chegar às metas e aos objectivos, vencendo obstáculos e desafios e recusando a demagogia, a incompetência, a falta de rigor, o que é apenas fácil, superficial e inconsequente.

Camões ensinou-nos que as empresas humanas, por mais ambiciosas que sejam, se podem vencer com um claro rumo e com uma direcção firme, com “trabalho ilustre, duro e esclarecido”, como ele disse em palavras tão fortes.

Neste Dia em que evocamos o genial poeta, tenhamos presente esta mensagem fundamental. Se lhe formos fiéis, não há obstáculo que não consigamos vencer, objectivo que não possamos alcançar, nem desígnio que não nos seja dado cumprir.


Viva Portugal!