Sessão de Boas Vindas à cidade do Porto

Câmara Municipal do Porto
09 de Junho de 2001


Agradeço, Senhor Presidente da Câmara, a simpatia das suas palavras de boas vindas. Agradeço-lhe igualmente toda a colaboração dispensada pela Câmara Municipal às celebrações do dia nacional. Sempre, no Porto, e em especial nesta casa que representa todos os portuenses, fui acolhido da forma calorosa e hospitaleira que é apanágio da cidade e da sua gente. Também por esse motivo lhe é devida uma palavra, Senhor Presidente, bem como a toda a vereação. Mas hoje esta amabilidade franca e generosa sinto que é dirigida a Portugal, a todos os portugueses.

Escolhi o Porto para sede da realização das comemorações oficiais do Dia de Portugal neste ano do 2001 pelos motivos óbvios. Este é o ano em que o Porto celebra a sua projecção de capital europeia. Todos os portugueses se revêem nessa projecção - que constitui motivo de justificado orgulho - e desejam que ela se reforce.

A vocação internacional do Porto não é de hoje. Tem fundas raízes no passado e constitui uma sólida experiência acumulada. Por isso o lema escolhido para o Porto 2001, capital europeia da cultura, foi o de “Porto das Pontes”. Desse modo se vinca o singular carácter do Porto enquanto cidade aberta à Europa e ao Mundo.

Há outras tradições vincadas no Porto, em que o país como um todo se revê. Em primeiro lugar, uma inspiração fundadora, bem traduzida no título da antologia organizada por Eugénio de Andrade: “Daqui Houve Nome Portugal”. Em segundo lugar uma inspiração de liberdade, bem ilustrada por figuras como D. Pedro IV ou Almeida Garrett, ou por acontecimentos como o 31 de Janeiro de 1891 ou a jornada de Humberto Delgado nas eleições de 1958.

O Porto tem um património de coragem, de coragem moral, que constitui uma fonte de inspiração e de exemplo para a Democracia. Essa é uma outra inspiração.

Dela fazem parte figuras como Jaime Cortesão ou Abel Salazar, D. António Ferreira Gomes, Mário e Carlos Cal Brandão, António Macedo ou Francisco Sá Carneiro.

Os projectos que tenho podido observar no Porto – nas repetidas vezes que o tenho visitado – são um indicador de que os portuenses estão conscientes dos novos desafios a que as cidades têm de dar resposta.
O desenvolvimento, a valorização e a qualidade do património, a coesão – tanto na sua dimensão espacial como na sua dimensão social, esta tão decisiva - são três grande valores que o urbanismo moderno considera cruciais e que importa que os responsáveis pela intervenção nas cidades interpretem de forma consequente.

Sucede que os actores da cidade moderna são múltiplos e seguem lógicas distintas. O papel orientador da intervenção pública exige uma atenção constante a essa multiplicidade, uma mobilização de informação e conhecimento - antes, durante e após a acção. O urbanismo moderno pressupõe reflexão e negociação em permanência, com todos os grupos, que devem ser encorajados a participar na definição e revisão das realizações.

Neste contexto, a coordenação assume na cidade de hoje um papel porventura mais exigente do que no passado. Lidamos hoje com um ritmo de mudança que se acelera e precisamos de refazer ou adaptar, a todo o momento, os planos anteriores. É por isso que as cidades precisam de um novo modelo de gestão, capaz de antecipar necessidades, de agilizar a acção, de integrar novas tecnologias, um modelo de gestão que seja flexível e reactivo, que antecipe também, que estabeleça negociação e que coordene.

Não queria terminar este breve ponto sobre os valores do urbanismo moderno, que a situação do Porto me inspira, sem referir dois outros valores que me parecem essenciais.

Em primeiro lugar, o valor do multiculturalismo, sobre o qual há que reconhecer que dispomos de uma análise insuficiente e que importa aprofundar.

Em segundo lugar, o valor do intermunicipalismo, sobre o qual a experiência, por exemplo das áreas metropolitanas, já nos devia ter autorizado a dar passos mais ousados no sentido da coesão territorial ao nível da aglomeração.

Ora é precisamente a este tema que gostaria de dedicar a última parte desta minha intervenção.

O Porto tem tido em muitas ocasiões – e esta condição de capital europeia de cultura sublinha-o – uma voz forte em defesa da descentralização.

A descentralização como a entendo, e como sempre a tenho defendido, é um factor de coesão nacional, é uma marca fundamental da República moderna. Estou convicto de que a coesão e a descentralização se reforçam mutuamente.

Permitam-me por isso que aqui, na Câmara Municipal duma cidade que tantas vezes soube resistir ao poder central, onde se concretiza uma duradoura vontade de vida autónoma no todo nacional, lance um repto a todos os portugueses e portuguesas que estão, neste momento, a preparar candidaturas às eleições autárquicas.

Esse repto resumo-o em poucas palavras: quereis aproveitar as próximas eleições para os municípios e as assembleias de freguesia para dar um novo passo na concretização da descentralização?

A descentralização é, como se sabe, um resultado de um princípio consagrado: o princípio da subsidiariedade. Manda este princípio que seja feito ao nível administrativo inferior – ao nível que está mais próximo do cidadão e da cidadã – tudo o que esse nível tem a capacidade técnica, económica e humana de realizar.

Há um consenso nacional a favor da descentralização assim entendida. Poder-se-á aproveitar a próxima campanha eleitoral e as próximas eleições para avançar na concretização de uma descentralização nova e consensual?

Dir-me-ão talvez que a responsabilidade da descentralização é do Governo.

Dir-me-ão talvez que estamos perante eleições a freguesias e a câmaras e não a uma assembleia regional. Reconheço alguma razão a esse argumento. Mas não toda a razão.

O Governo tem responsabilidade na descentralização. Devo reconhecer que tem manifestado interesse pelo assunto, aliás recente e concretamente renovado. A Administração Central tem que dar o exemplo da descentralização de modo resoluto. Tem que adoptar um plano consequente de descentralização dos serviços periféricos. Tem que transferir competências para outros órgãos, mais próximos dos cidadãos. Tem que dar passos no sentido de coordenação entre departamentos que operam a uma escala regional e local.

As autarquias locais têm também a sua quota parte de responsabilidade na concretização da descentralização. Em particular os Municípios.

Por isso, a todos os que preparam a sua candidatura a cargos municipais, pode ser feita a pergunta: os problemas do seu município serão melhor resolvidos se rejeitarem a colaboração com os municípios vizinhos? – os problemas do seu município serão melhor resolvidos se rejeitarem a participação em instâncias de coordenação administrativa supra-municipal?

Todos sabemos que existem muitos problemas inter-municipais. De transporte de crianças para as escolas. De equipamentos colectivos. De acessos. Limito-me a evocar alguns dos mais óbvios. Também existem dinâmicas económicas e sociais de âmbito regional que importa defender ou reforçar.

O meu repto é este: ao prepararem os seus programas, que os diversos candidatos examinem se não é melhor para os seus eleitores solucioná-los na base da colaboração com outros Municípios. Se, lealmente, chegarem à conclusão que a colaboração intermunicipal é melhor do que o egoísmo municipal, não deverão hesitar: deverão propor aos eleitores essa colaboração, tenha ela a forma que tiver, da associação de municípios à empresa intermunicipal e à intervenção organizada ao nível das instâncias de planeamento regional, da re-elaboração coordenada do PDM com o de outros municípios vizinhos à troca de serviços nas zonas de fronteira, para aumentar a especialização e, deste modo, acrescer a eficácia dos serviços administrativos autárquicos.

Se essas propostas forem sufragadas pelo voto, teríamos assim um novo patamar da descentralização. De descentralização democrática e contratualizada.

É possível que alguns me respondam que ao dar a prioridade a esta abordagem inter-municipal, estariam a esquecer aquilo que é essencial: a boa gestão do seu município. Tenho porém que dizer que me parece que o reforço da colaboração inter-municipal é um passo decisivo na revitalização dos municípios portugueses.

Todos sentimos que a nossa administração municipal atravessa uma fase de viragem. Foi feito o mais necessário. Muito do programa municipal virado para as necessidades básicas está realizado.

Haverá capacidade para programas mais ambiciosos?

Se não houver capacidade, repetir-se-á o esquema centralizador tradicional. Os centralizadores dirão: dada a fraca capacidade técnica das autarquias, não é possível realizar transferência de competências e dos fundos correspondentes. E assim nos manteremos com um nível de despesa pública local que, por comparações com a média europeia, é irrisoriamente baixo e indicia seguramente uma profunda irracionalidade decisional.

A associação entre municípios – a associação livre e contratualizada, no quadro da Constituição e da lei – permitirá uma especialização. A dimensão média dos municípios portugueses só excepcionalmente permite que eles formem quadros com a capacidade científica e técnica necessária à resolução dos problemas dos vossos munícipes. A associação contratada de municípios permite manter a autonomia municipal e criar unidades de administração especializadas com uma dimensão propiciadora da eficácia administrativa que lhes é exigida.

A especialização será por isso a melhor base para a preparação de quadros técnicos municipais cuja competência média não peça meças aos da Administração Central. De quadros que sejam capazes de discutir com ela na base científica e rigorosa que é própria de uma república moderna.

A associação livre e contratualizada dos municípios, por que serão responsáveis, após as eleições autárquicas, permitirá também racionalizar os modelos de gestão municipal e os equipamentos locais.

Disponibilizará o horizonte indispensável para concretizar uma política de ordenamento do território que mantenha a sustentabilidade dos recursos, sempre escassos, e a competitividade das regiões que só num quadro de complementaridade pode ser defendida.

A associação livre e contratualizada dos municípios dará a cada um ainda algo de precioso. Dará a legitimidade democrática indispensável para discutir com o poder central a distribuição de competências. E para participar na definição de critérios para uma escala territorial mais ampla e consistente. Para isso, é útil que seja apresentada ao eleitorado para ser sufragada. E, para isso, ganharíamos todos se os programas eleitorais incluíssem este tema de futuro.

Do mesmo passo, associando-se, especializando-se, aumentando a sua eficácia, mostrarão a sua capacidade de resposta aos desafios que o século XXI coloca aos municípios portugueses.

Ficaria de mal com a minha consciência e não cumpriria os meus deveres de Presidente da República se não lançasse este repto. Este repto que é também um desafio: queremos fazer os municípios do século XXI?

O Porto sempre se bateu por causas nobres: A nação, a liberdade e a democracia, a descentralização. Muitas vezes os portuenses foram irreverente e até incómodos. Mas sempre os valores da solidariedade falaram mais alto e Portugal sempre contou, no Porto, com uma reserva disponível de determinação, honradez e empreendorismo.

É esse imenso património que hoje convoco. Com respeito e admiração. Com entusiasmo também, porque ele nos transporta até ao futuro.