Sessão Solene de Encerramento do 70º Aniversário da Universidade Técnica de Lisboa

Universidade Técnica - Lisboa
04 de Junho de 2001


É com muito prazer que participo nesta sessão comemorativa do septuagésimo aniversário da Universidade Técnica de Lisboa. Trata-se de uma data do maior significado. Assinalá-la é assumir o legado recebido com a responsabilidade de o enriquecer e continuar.

Felicito a Universidade Técnica por este aniversário - toda a comunidade académica está de parabéns. Estão também de parabéns os premiados e os Excelentíssimos Senhores Doutorados Honoris Causa.

A criação no nosso país de universidades modernas deve-se, como se sabe, ao regime republicano saído da Revolução de 1910. Com efeito, é por decreto promulgado no ano seguinte que se criam duas novas universidades fundadas sobre o princípio da investigação: a de Lisboa e a do Porto. É também no mesmo ano que é criado o Instituto Superior Técnico e o Instituto Superior do Comércio que viriam a integrar a Universidade Técnica de Lisboa aquando da sua fundação em 1930.

A criação da Universidade Técnica de Lisboa correspondeu ao reconhecimento de que era necessário valorizar em Portugal os aspectos mais técnicos, mais aplicados, de maior utilidade social, dos progressos científicos. Veio, assim, reforçar, na rede de ensino público português, o impulso emanado da criação, por toda a Europa, das Academias de Ciências, nos séculos XVII e XVIII. Esse impulso foi, no nosso país, claramente assumido pelas reformas liberais da instrução pública, nos anos 1830.

Englobando, na sua formação, os institutos superiores existentes nas áreas da engenharia e tecnologia, da economia e finanças, da agricultura e silvicultura, da veterinária, a Universidade Técnica de Lisboa é um exemplo do esforço para integrar as actividades materiais e mecânicas na cultura da sociedade portuguesa, consagrando-as no domínio do ensino superior, em paridade com as actividades científicas e as humanidades.

Herdeira de uma história prestigiada, a Universidade Técnica de Lisboa é, hoje, uma instituição que abarca as ciências e as técnicas, as artes e as humanidades.

Se a República levou à criação de modernas Universidades, a nova Democracia portuguesa, fundada pelo 25 de Abril, trouxe consigo um aumento considerável da rede de ensino superior, tendo criado novas oportunidades a centenas de milhar de jovens.

Essa rede, fruto da evolução dos últimos vinte anos, expandindo-se entre o sector público e o sector particular e cooperativo, universitário e politécnico, possui hoje, na sua diversidade, sectores de grande qualidade científica, tecnológica e cultural com espírito de iniciativa e capacidade de realização que importa promover, apoiar e incentivar. Vai para todos eles o meu reconhecimento, como Presidente da República, pelo importante contributo que prestam ao País.

Estou certo de que esta evolução global trará, inevitavelmente, consequências muito positivas no desenvolvimento futuro do país.
Vivemos, por um lado, um dos períodos mais promissores para o ensino superior. Mas este é também, por outro lado, um momento que exige maior rigor neste grau de ensino.

Não vos esconderei, por isso, as minhas preocupações quanto a este sector, no qual existem, como consequência natural do crescimento, crises de identidade dos seus subsectores e grandes desafios quanto à generalização dos processos de avaliação já iniciados, os quais, acredito, poderão ser decisivos para a qualidade pedagógica e científica.

Creio que a profunda mudança operada nem sempre foi acompanhada de estratégias de avaliação e correcção das disfunções que inevitavelmente surgem no lançamento de qualquer inovação. Temos perante nós uma nova realidade. Essa realidade, tem sido por mim analisada, com algum pormenor e profundidade, de modo muito especial, ao longo do último ano, durante o qual se tornou mais clara a necessidade de repensar ritmos e modos de crescimento.


Minhas Senhoras e Meus Senhores

Creio ser este o momento decisivo que nos obriga a pensar o futuro. Permitam-me que partilhe convosco quatro desafios que temos de enfrentar.

O primeiro desafio prende-se com a evolução tecnológica e científica que obriga a que se pensem seriamente conteúdos e modalidades de aprendizagem. A sociedade do conhecimento excluirá rapidamente aqueles que não possuírem os instrumentos necessários à sua compreensão.

É, por isso, fundamental desenvolver, nas populações jovens e adultas, novas competências, designadamente ao nível da organização e gestão da informação.

É preciso que o sistema de ensino integre cada vez mais docentes e investigadores com formação e competência para desenvolver a “capacidade de aprender”.

A educação tem de ser mais centrada nos estudantes, no seu esforço e trabalho, comportando estratégias pedagógicas susceptíveis de prevenir excessivos abandonos e insucessos, sem diminuir os níveis de exigência.

A sociedade actual exige que o sistema seja gerido de forma adequada, e que os recursos nele investidos revertam a favor do desenvolvimento. É, por isso, necessário estabelecer metas de sucesso e desempenho com as quais se identifiquem estudantes e docentes.

O segundo desafio diz respeito à necessidade de produzir respostas adequadas aos novos públicos que procuram, e procurarão cada vez mais, o ensino superior.

Temos um enorme défice de qualificação da população activa portuguesa que é preciso ultrapassar, mobilizando para tal todas as instituições, incluindo as de ensino superior. É necessário motivar os adultos para novas oportunidades educativas, designadamente através da criação de estratégias de avaliação e reconhecimento de competências e através de propostas pedagógicas adequadas.

Temos, pois, pela frente novos desafios pedagógicos e organizativos que requerem um grande esforço.

O terceiro desafio diz respeito à necessidade de pensar as consequências para o nosso país da criação de uma Área Europeia de Ensino Superior, decorrente da Declaração de Bolonha. Como preparar as instituições educativas portuguesas para procederem às adaptações necessárias? Que implicações poderá ter, quer a nível de definição do sistema de graus, quer ao nível das reformas necessárias e das estratégias para melhorar a qualidade do nosso sistema?

Há, igualmente, que repensar a mobilidade de docentes e alunos, quer no nosso país, quer no espaço europeu.

Portugal é considerado um dos países onde a mobilidade do pessoal docente de ensino superior se processa com menor frequência, situação pouco favorável ao desenvolvimento da investigação. Há, que fazer um esforço de abertura. Também ao nível dos estudantes a mobilidade encontra restrições que importa ultrapassar.

Um quarto desafio diz respeito à necessidade de promover a divulgação do conhecimento produzido, colocando-o ao serviço da sociedade. A divulgação científica é um elemento decisivo para o desenvolvimento das sociedades. Pode também constituir um elemento motivador para os jovens abraçarem carreiras no domínio da ciência e da tecnologia.

Minhas Senhoras e Meus Senhores

Este é o dia de festa da Universidade Técnica de Lisboa. Um dia que deve ficar marcado pela esperança e pelo investimento no futuro.

Não quero, porém, deixar de vos transmitir a minha preocupação com a nossa situação educativa, que não é nada fácil. Apesar dos inegáveis progressos alcançados, a sociedade portuguesa – a sociedade portuguesa em geral – tem de fazer uma aposta na melhoria do funcionamento das escolas básicas e secundárias.

É preciso que se aprenda mais, mas é também preciso reorganizar as escolas para que sejam mais eficazes na prevenção dos abandonos precoces.

Não podemos continuar a apresentar os piores índices de abandonos e repetências de toda a União Europeia.

O ensino superior apresenta-se hoje como um dos expoentes da actividade científica em qualquer país do mundo. As primeiras universidades modernas, fundadas sobre o princípio da investigação científica, nas quais o ensino decorre dos trabalhos criativos dos seus mestres, difundem-se a partir do centro da Europa apenas nos começos do século passado. O seu modelo, que instituía uma forte ligação da actividade universitária à prática das academias de ciências, teve um significado político importante: a nova universidade constituía um foco nacional de civilização e cultura, baseado na articulação e na complementaridade dos saberes.

A ciência é crucial para o nosso país. É preciso reforçar e estimular todas as iniciativas que visem criar um clima favorável à ciência e à inovação; incutir e valorizar a noção de que apostar a fundo na investigação científica é o investimento a prazo mais rentável; favorecer continuamente a adopção de uma atitude científica na análise e na procura de soluções para os problemas contemporâneos.

Uma dupla atitude de abertura institucional tem, naturalmente, de ser assumida pelos estabelecimentos universitários: quer em relação às outras instituições do sistema de ensino, por meio de parcerias e geminações, reconhecendo capacidades e competências; quer em relação às entidades do mundo económico e empresarial, através da elaboração de projectos conjuntos, do lançamento de esquemas de formação e investigação em colaboração, da criação de cátedras para especialistas e investigadores externos, da prestação de serviços de cunho científico de grande qualidade técnica.

Uma sociedade viva é uma sociedade que sabe valorizar e recriar as suas fundações na perspectiva do futuro, articulando ciência e técnica, artes e humanidades, argumentação e valores, normas e procedimentos. Uma sociedade que se renova permanentemente é aquela que se sabe abrir ao mundo, que gosta de se conhecer, que aposta em se questionar. As Universidades como a vossa são um dos fundamentos dessa sociedade livre, moderna e solidária que queremos construir.