Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas

Nova Iorque
25 de Junho de 2001


Felicito-o, Senhor Secretário Geral, pela iniciativa de convocar esta sessão especial da Assembleia, a primeira na história das Nações Unida dedicada a um tema de saúde pública. Quis estar presente porque o problema da SIDA constitui uma prioridade, aos níveis nacional e internacional, e exige uma mobilização intensa e continuada de esforços para a qual Portugal quer dar um contributo empenhado.

Sabemos, em boa parte graças ao trabalho dedicado da ONUSIDA, que o vírus da SIDA atinge hoje mais de 36 milhões de indivíduos, dos quais acima de 25 milhões na África subsariana. Não esquecemos, as cerca de 22 milhões de pessoas que já morreram vítimas da epidemia. Todos nós, conhecemos algumas pessoalmente. São números impressionantes. E todavia — não o podemos ignorar — todas as estimativas sobre o alastrar da epidemia se têm revelado inferiores à dimensão que tem vindo a alcançar.

Não há por isso lugar a qualquer tipo de complacência ou hesitação. Trata-se, hoje e agora, de colocar a questão da SIDA no centro da agenda política internacional, como uma questão humanitária inadiável e uma ameaça séria à segurança e ao desenvolvimento económico e social de muitos países e regiões.

O combate à SIDA tem sido sempre atrasado e prejudicado pelo estigma associado a esta doença e porque a discussão dos grupos de pessoas mais vulneráveis, das formas de transmissão do vírus, dos comportamentos que a favorecem, envolve questões que, para muitos, são ainda tabu. Mas não podemos deixar que o melindre destas questões nos silencie, nos faça desviar o olhar e baixar os braços perante o insidioso progresso da epidemia.

Este combate deve mobilizar-nos a todos. É este certamente, o entendimento dos Chefes de Estado e de Governo que, pela sua participação nesta reunião, dão um sinal do seu empenho no combate à SIDA.

Saúdo, igualmente, as ONG, parceiros fundamentais no alerta e na luta contra a infecção, na criação de redes de solidariedade, no combate à discriminação.

Para essa luta é fundamental, também, o contributo dos portadores de VIH, cuja militância tem sido decisiva para despertar as consciências para esta questão e cuja participação nos esforços de prevenção e tratamento é insubstituível.


Senhor Presidente

Embora o vírus da SIDA atinja todas as regiões, culturas e grupos sociais, é indesmentível que a sua maior incidência ocorre nas populações social e económicamente mais desfavorecidas.

A SIDA e a pobreza andam de mãos dadas e geram um ciclo vicioso com consequências devastadoras. Basta reflectir, por exemplo, nos milhões de orfãos criados pela epidemia; ou no facto de ela atingir primordialmente populações na força da vida, reflectindo-se assim, de forma catastrófica, na administração e no Estado, no sistema produtivo e na própria coesão social dos países mais afectados.

Portugal que, por razões históricas, está particularmente ligado a África, e que tem, com os países africanos de língua portuguesa, laços de fraternal amizade, encara com especial preocupação o alastrar da epidemia na África subsariana.

No plano bilateral, e no âmbito da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, com o importante contributo do Brasil, um exemplar caso de sucesso no combate à epidemia, temos procurado sensibilizar os países africanos de língua portuguesa para intensificarem os ainda mais esforços de prevenção da SIDA, estando disponiveís para os ajudar a combatê-la, tanto mais que receamos que, como em todo o lado a situação real seja mais grave do que as estatísticas oficiais indicam.


No plano multilateral, apoiamos a constituição de um Fundo Global para a Saúde e VIH/SIDA, que abranja igualmente outras doenças transmissíveis, como a malária e a tuberculose. Esse fundo deverá ser aberto a contribuições dos sectores público e privado e dotado de uma administração eficaz. A atribuição de mais vultuosos recursos financeiros para os programas de prevenção, de tratamento, mas também de investigação sobre a SIDA é, sem dúvida, uma necessidade. Todavia, se não houver liderança política e mobilização social para travar este combate, maiores recursos não serão suficientes para o vencer.

O apoio internacional tem de ter uma tradução efectiva, no plano nacional, na área da prevenção e do tratamento. Requer-se planeamento e mobilização adequados e ainda coragem de afirmação pedagógica, capaz de pôr em causa estereotipos, mas também de combater os comportamentos de risco.

O apoio internacional deve considerar também o tratamento adequado da doença. É indispensável que o preço dos medicamentos não o inviabilize, já que um dos problemas centrais nesta luta é o do acesso aos cuidados, não esquecendo as terapêuticas anti-retrovíricas, que permitem uma significativa melhoria da esperança e da qualidade de vida dos doentes e que impedem, numa parte muito significativa dos casos, a transmissão do vírus de mãe para filho.

As iniciativas que, já foram tomadas pela indústria farmacêutica são muito positivas, mas haverá que prosseguir o esforço para tornar estes medicamentos mais acessíveis, designadamente através da maior utilização de genéricos.

Devemos, ter uma especial atenção para com os grupos específicos, que se encontram mais vulneráveis à infecção e para os quais é necessário promover o acesso a informação adequada através de canais próprios de comunicação.

No caso de Portugal que tem um problema relevante de SIDA no contexto europeu, quero destacar, as acções empreendidas no campo das drogas, que podem produzir um grande impacto na melhoria dos resultados em relação à incidência do VIH. As políticas de redução de danos têm-se mostrado eficazes na diminuição do risco de doenças infecto-contagiosas e, ainda, na prevenção da marginalização social e na facilitação do relacionamento com as estruturas de saúde.

Quero sublinhar a consciência da necessidade que temos de fazer um trabalho específico junto de populações migrantes, o cuidado a ter com populações móveis, e ainda a atenção para com os reclusos, que devem poder beneficiar das mesmas possibilidades ao dispôr da comunidade livre.

Em geral, gostaria de referir a importância particular da situação das mulheres, grupo no qual se verifica uma expansão mais rápida das infecções. Por isso, se impõe a necessidade de introduzir uma perspectiva não discriminatória em termos de género no combate à epidemia.


Senhor Presidente

O combate à SIDA exige que sejam criadas, com imaginação e audácia, novas parcerias para pôr de pé acções integradas e efectivas. Em todo este processo, os governos não podem estar ausentes — mas também não podem estar sós. Torna-se necessário intensificar uma resposta plural a um problema da maior complexidade: poderes públicos, instituições universitárias, ONG, que aliás Portugal integra na sua delegação oficial, doadores, organizações internacionais, empresas privadas, voluntários, todos devem ser chamados a colaborar.

Dirijo uma palavra muito especial às igrejas e confissões religiosas. Gostaria de ver reforçado o papel destas entidades na luta contra a SIDA, a exemplo do que já acontece em outras áreas da saúde pública. É necessário, aqui também, por razões humanitárias imperiosas, um compromisso baseado na compaixão e na solidariedade que não tem de pôr em causa as crenças e os valores morais de cada um.

Apesar do panorama ser, infelizmente, dramático, existem exemplos animadores de que a epidemia pode ser controlada e substancialmente reduzida, com uma acção atempada e decidida. Estão à vista os resultados positivos obtidos pelos países que realizaram programas eficazes de prevenção e assistência.

Temos a obrigação de estudar e aprender com essas experiências. Devemos utilizar todos os meios para diminuir o impacto da epidemia. Para que tal seja possível, precisamos de ser mais exigentes connosco próprios e pedir maior dedicação e mobilização à sociedade civil.

A SIDA é uma ameaça preocupante para toda a humanidade. Para grande parte dela, é já fonte terrivelmente concreta de dor e de morte precoce. Ninguém tem o direito de se alhear perante factos tão brutais. Porque a responsabilidade é de todos, todo o empenhamento é pouco; toda a acção é urgente; toda a participação benvinda.