Discurso do Presidente da República por ocasião do Banquete oferecido em sua honra pelo Presidente da República Checa

Castelo de Praga - República Checa
10 de Julho de 2001


Senhor Presidente da República Checa,
Excelentíssima Senhora de Vaclav Havel,
Minhas Senhoras e meus Senhores,


Constitui para mim um grande prazer e uma honra corresponder ao amável convite para visitar a República Checa que Vossa Excelência, Senhor Presidente, me dirigiu pessoalmente aquando do nosso encontro em Lisboa, em Novembro de 2000.

É sempre com emoção que regresso a esta magnífica cidade de Praga, lugar mágico de nostalgia e de evocação de uma cultura que também sentimos como nossa e, ao mesmo tempo, de fascinante abertura à modernidade que me apraz descobrir e conhecer melhor.

Praga e Lisboa, distantes pela geografia mas que a cultura mantém próximas, são ambas capitais dos confins, lugar de encontros e de diálogo de civilizações. No espaço das suas complementaridades, desenvolveu-se a Europa e o nosso património cultural comum. Entre Kafka e Fernando Pessoa, duas figuras emblemáticas da nossa diversidade, poderíamos imaginar um diálogo sobre o que é ser europeu, na multiplicidade das nossas línguas e maneiras de encarar o mundo e a vida.

Agradeço-lhe em nome de Minha Mulher, de todos que me acompanham nesta visita, e no meu próprio, as suas palavras tão cordiais bem como a hospitalidade e as atenções de que temos sido alvo. Sabemos a simpatia que nutre por Portugal e o impulso que tem dado ao estreitamento das nossas relações bilaterais.

Esta minha visita, a primeira que, no âmbito do meu segundo mandato, efectuo a um país candidato à União Europeia, testemunha, de igual forma, o nosso empenho em estreitar a cooperação, a todos os níveis, com a República Checa. Mas é também uma ocasião privilegiada de, em nome do povo português e no meu próprio, saudar em Vossa Excelência, Senhor Presidente, o Homem de Estado e o escritor, para quem a actividade política não esteve nunca divorciada da exigência moral. Humanista e lutador incansável pela causa da democracia, dos valores da tolerância, da justiça e da liberdade, Vossa Excelência tem sabido conduzir os destinos do seu país para a via da estabilidade, da democracia e do desenvolvimento.

Senhor Presidente,

Vivemos uma época auspiciosa de mudança para as relações entre a República Checa e Portugal. Somos já aliados na NATO. Seremos, em breve, parceiros na União Europeia. Move-nos o desígnio político de construir um futuro comum, de lutar por uma Europa norteada pelos princípios e valores partilhados da democracia, da liberdade e dos direitos fundamentais, do bem-estar e do desenvolvimento económico das nossas sociedades.

Sempre apoiámos, sem reservas, o alargamento da União Europeia: por convicção, em primeiro lugar, porque acreditamos numa Europa aberta, livre e unida; e também por dever de solidariedade, pois não podemos, nem queremos, negar a outros a oportunidade de que nós próprios beneficiámos e que nos permitiu consolidar a democracia, desenvolver a economia, modernizar o país e garantir o progresso social e económico.

Compreendemos bem os anseios dos países da Europa Central, como a República Checa. Também nós fomos candidatos e sabemos como são árduas as negociações de adesão e exigentes as adaptações necessárias ao cumprimento dos critérios políticos, económicos e jurídicos com vista à integração. A nossa experiência nesta matéria, que nos disponibilizámos a partilhar desde a primeira hora, ensinou-nos a importância de uma transição suficientemente consolidada, por forma a evitar a acumulação de problemas mal resolvidos ou adiados, cuja solução se torna ainda mais difícil com os compromissos decorrentes da adesão efectiva.

O objectivo, reiterado em Gotemburgo, de permitir a participação nas eleições de 2004 para o Parlamento Europeu dos países que tenham concluído até ao final do próximo ano as negociações de adesão, constitui um sinal inequívoco do nosso compromisso em concretizar o alargamento, e representa, para todos, um estímulo e uma responsabilidade.

Alargamento e aprofundamento da União Europeia são dois processos que decorrem em paralelo, exigindo uma grande ambição histórica e um desígnio político firme. Está em causa nada menos do que uma refundação da União Europeia.

Todos temos consciência de que a agenda europeia dos próximos anos é de grande exigência, quer pela importância das reformas programadas, quer pelo calendário apertado que teremos de cumprir.

Basta pensar que nos esperam, para além das primeiras adesões e da continuação das negociações com os restantes países candidatos, a discussão de temas tão importantes como as novas perspectivas financeiras para 2006, a adaptação da política dos fundos estruturais e de coesão, a reforma da política agrícola comum, bem como a remodelação institucional da União.

O modelo político que procuramos terá de ser inovador, como tem sido próprio da construção europeia. Nenhum dos conceitos clássicos de associação de Estados, Confederação ou Federação traduz, por si só, a complexidade do processo de integração europeia.

Devemos evitar querelas de palavras e deixar claro que queremos construir uma União das Democracias Europeias, constituída por Estados-Nação, mas portadora de uma dinâmica política que permita a estes o exercício conjunto de uma série de competências e lhes devolva os benefícios desta soberania comum. Queremos mais Europa e melhor, uma Europa assente no princípio da igualdade entre os Estados, solidária e coesa, com um claro desígnio político e um modelo social. Queremos uma União mais integrada, uma União com instituições mais transparentes, mais legítimas e responsáveis, uma União de direito e de direitos, mais participada e próxima dos cidadãos.

Nesta conformidade, a elaboração de um Acto Europeu de tipo constitucional revestiria, a meu ver, a vantagem de exprimir claramente os termos políticos e jurídicos do pacto europeu bem como os valores comuns à União Europeia. Tal texto deveria incluir a Carta dos Direitos Fundamentais, proclamada em Nice no ano passado, que adquiriria assim carácter vinculativo.

Para definir e defender o interesse geral precisamos de uma Comissão forte. Para assegurar uma melhor concertação dos interesses comuns, articulando devidamente os interesses particulares, precisamos de dispor de um Conselho que assuma o seu papel de órgão político por excelência, plenamente apostado na definição das orientações de política geral da União. Paralelamente, gostaríamos de ver fortalecido o Parlamento com a criação de uma Segunda Câmara, com representação paritária dos Estados, consagrando assim a respectiva igualdade jurídica.

Haverá também que fazer um esforço para que, a nível nacional, os nossos Parlamentos possam acompanhar e apreciar de forma mais aprofundada as opções e decisões europeias fundamentais, mas também para que, através dos mecanismos de legitimação democrática tradicionais, os nossos cidadãos se mantenham efectivamente titulares do poder político.

A refundação do projecto europeu, a meu ver, passa também pela renovação do pacto social, sob pena de a Europa passar a ser vista, cada vez mais, não como um projecto mobilizador ao serviço dos cidadãos mas como uma vasta burocracia distante e sem alma. Há, pois, que implicar as nossas opiniões públicas no debate sobre o futuro da Europa, há que empreender uma acção pedagógica generalizada no sentido de as sensibilizar para a tarefa histórica do alargamento, há que lutar pelo seu empenhamento na construção da Europa.

Os países candidatos devem manter-se atentos a estes problemas. Em Portugal, a existência de um forte consenso nacional em torno do objectivo da adesão tem facilitado o processo de integração. A Europa precisa de continuar a acreditar em si, os europeus têm de ter confiança no futuro da União Europeia.

Também ao nível das relações bilaterais entre a República Checa e Portugal há que aproveitar o impulso do dinamismo criado pela perspectiva da integração europeia para explorar novas solidariedades e consolidar o nosso entendimento comum. Somos ambos Estados de dimensão média com interesses complementares que ganharemos em articular.

Penso designadamente nas relações comerciais, nas parcerias entre empresários dos dois países, nos investimentos recíprocos, na cooperação científica e cultural, nos intercâmbios entre universitários e investigadores, entre agentes culturais, áreas em que o nosso conhecimento e entendimento mútuos poderão ser aprofundados.

Terei amanhã o prazer de abrir um seminário económico que reunirá um número significativo de empresários checos e portugueses: é um passo importante para se avançar na cooperação económica, para incrementar as trocas comerciais e para reforçar os fluxos turísticos, sector promissor do nosso relacionamento económico e ademais tão importante para a compreensão entre os povos.

Buscar novas complementaridades entre os nossos dois países, explorar convergências nas mais diversas áreas, visar uma nova solidariedade no âmbito do aprofundamento constante do projecto europeu em que estamos empenhados, são estes os desafios que queremos vencer e para os quais trabalhamos afincadamente.

Peço a todos que me acompanhem num brinde pelas felicidades pessoais do Presidente e da Senhora Havel, pelo progresso crescente da República Checa e por uma Europa cada vez mais unida, coesa e solidária.