Discurso do Presidente da República por ocasião da Sessão Solene Comemorativa dos 25 anos de Autonomia dos Açores

Açores
04 de Setembro de 2001



Saúdo, em primeiro lugar, os senhores membros da Assembleia Legislativa e do Governo dos Açores, os órgãos próprios da Região democraticamente mandatados. Quero também, por vosso intermédio, dirigir uma saudação calorosa a todos os açoreanos, evocando ainda aqueles que, ao longo dos séculos, nos deram exemplos de abnegação, perseverança, coragem e dedicação a estas ilhas de uma beleza ímpar, mas sujeitas ao isolamento e aos cataclismos naturais.

Admiro muito os Açores e os açoreanos, os seus criadores em todos os domínios da vida cultural e social. Quero, uma vez mais, homenagear a sua capacidade de iniciativa, o seu profundo sentido de identidade, posto à prova nas mais variadas partidas do Mundo. Não esqueço as minhas próprias ligações familiares a este território de Portugal.

Uma palavra de alguma forma especial gostaria de dirigir aos emigrantes açoreanos, cujas comunidades tenho encontrado em deslocações ao estrangeiro, como ainda não há muito tempo sucedeu na visita de Estado ao Canadá. Integrados – e ainda bem! - nesses países que, por força das circunstâncias, tiveram que procurar, também é certo que as ligações às suas raízes permanecem vivas e assumem formas e exigências novas. E assim um novo patriotismo se vai afirmando, feito, não apenas de sentimentos nostálgicos, mas de oportunidades novas, representadas na ligação a um Portugal moderno e europeu.

Sublinhando o significado deste dia, vou homenagear um conjunto de distintos cidadãos e instituições açoreanas com actividade relevante nos mais diversos domínios: científico e literário, social e artístico, empresarial e cultural, jornalístico e universitário, associativo e político. É o que farei, após esta sessão.

Minhas Senhoras,
Meus Senhores,

Estamos aqui, como foi sublinhado nas diversas intervenções anteriores, para celebrar a autonomia, passado um quarto de século da instituição da Assembleia Legislativa Regional dos Açores.

Agradeço, senhor Presidente da Assembleia, o convite para participar nesta sessão comemorativa. Confesso que me sinto particularmente honrado. Há muito que dedico ao tema da autonomia regional uma grande atenção, fazendo-o agora, naturalmente, pelas funções que exerço, com redobrado empenho.

Como é sabido, reconheço os méritos desta criação institucional e das suas virtualidades. Dando corpo a um conjunto de aspirações muito antigas, procurando responder a problemas instantes do plano económico e social, testando soluções novas e evolutivas no plano político, o estatuto autonómico constitui um elemento essencial da República Portuguesa moderna e democrática.

Nesta homenagem, cabe pois em primeiro lugar uma saudação ao 25 de Abril, acto que nos restituiu a liberdade, sem a qual este processo não teria sido possível. Foi a democracia que permitiu a autonomia regional. Os partidos políticos assumiram-na, os constituintes inscreveram-na na Lei Fundamental, os governantes - todos eles - e o eleitorado têm sabido dar-lhe vida e conferir-lhe legitimidade.

Por este motivo, compreende-se que insista na ideia de que a autonomia é um património colectivo de todos os portugueses, da Democracia e da República, que como tal deve ser valorizado. Muitos foram os que, ao longo destes 25 anos, se aplicaram neste processo e deram ajudas preciosas à sua consolidação democrática. A todos devemos saudar com respeito, não só pela diversidade dos respectivos contributos, como pela pluralidade das suas perspectivas políticas.

Serve-se o País e a Autonomia tanto no Governo como na Oposição - e importa que o reafirmemos com convicção -, pois a Democracia assenta na expressão e participação de todos, sem exclusão de ninguém. A autonomia existe precisamente para permitir a participação e a expressão de todas as partes que compõem o todo nacional. A autonomia existe para assegurar os direitos de todos. É essa a sua génese, é esse o seu objectivo, deve ser essa a sua prática.

Minhas Senhoras,
Meus Senhores,

A autonomia é ainda a tradução, num contexto especial, do princípio da coesão nacional. Tem validade e deve agir nos dois sentidos, como sempre tenho referido: do país para as regiões insulares e destas para o todo nacional.

Quem queira ver apenas um dos lados do binómio, está a ver mal. A autonomia trouxe benefícios para as regiões, reforçou capacidades próprias, colmatou carências ancestrais, restaurou a esperança no sentido de se ganhar um novo ciclo de desenvolvimento. Está à vista de todos o resultado. Mas também trouxe benefícios ao todo nacional. Reforçou a coesão do País, tanto no plano social como político. Quem pode pôr em dúvida que uma Nação se engrandece e se fortalece na sua identidade, com a criação de novas oportunidades para os seus territórios mais distantes e frágeis?

Esta visão optimista da autonomia regional, que é a minha, não ignora que houve hesitações e erros e que, portanto, há que aperfeiçoar mecanismos e soluções; também não esquece que há problemas novos a exigirem ponderação e resposta. Sei, porém, que o quadro institucional criado e testado não é um quadro imobilista. Tem, aliás, permitido enfrentar inúmeras dificuldades, pelo que uma dramatização em torno da sua evolução não é realista nem profícua.

De facto, o sistema autonómico tem-se revelado capaz de prevenir ou ultrapassar pontos críticos e nada indica que não seja reformável, sempre e quando as condições o aconselharem. Assim não faltem aos responsáveis a coragem e a serenidade para acordar as reformas, tendo sempre presente que quaisquer mudanças no processo de regulação legislativa das autonomias regionais ou na forma de representação do Estado deverão assentar numa avaliação criteriosa da experiência acumulada, numa reflexão aprofundada sobre o estatuto dos órgãos actuais, sem esquecer que há condições fundamentais que deverão ser respeitadas. Nunca seria aceitável que o sistema se tornasse um factor de instabilização, pusesse em causa os equilíbrios institucionais adquiridos ou questionasse a referência ao quadro normativo constitucional vigente.

A autonomia assenta numa relação dinâmica, numa interacção entre órgãos do Estado e órgãos do Governo próprio. Assim tem funcionado, com toda a normalidade, e tudo farei para assim continue.

Com o sentido equilíbrio e de cooperação institucional que lhe é unanimemente reconhecido, o Sr. Ministro da República para os Açores tem dado um contributo importante para a estabilidade do sistema. Gostaria de o assinalar também, a este propósito.

Minhas Senhoras,
Meus Senhores,

Permitam-me que aqui, na sede do poder político autonómico, acrescente ao que vos disse sobre a autonomia algumas observações mais gerais sobre outro grande desígnio: o da reforma do Estado e das práticas políticas.

Um país de recursos escassos, com fortes assimetrias e vulnerabilidades do sistema produtivo, tem que ser capaz de garantir um nível elevado de confiança no Estado e nas instituições políticas. Da eficiência do Estado depende, em larga medida, o bem estar e a segurança dos cidadãos e a competitividade da economia. Do prestígio e da autoridade das instituições políticas depende o reforço da democracia e da coesão nacional.

É meu dever chamar a atenção, com veemência, para estes temas ligados a uma preocupação reformadora. Considero-os decisivos. É crucial, para a República e para a Democracia, que também por essa via se dê combate ao desânimo, à descrença e ao alheamento dos cidadãos.

A Administração Pública tem que melhorar a sua eficácia. Tem que ser imparcial, rigorosa, assente no espírito do serviço público desinteressado e íntegro que caracteriza o princípio republicano. Tem que ser mais expedita, também, porque só assim serve os cidadãos, a sociedade civil, as empresas. Tem que ser desconcentrada e descentralizada, próxima das pessoas e dos seus problemas.

As instituições políticas, há que reconhecê-lo, são olhadas hoje não apenas com pouca benevolência pelos cidadãos, mas até por vezes com clara desconfiança. Na origem está, por vezes, a própria incapacidade de as instituições reflectirem sobre os novos desafios e alterar o estilo e a natureza dos procedimentos.

O processo reformador do Estado e das instituições políticas tem ficado aquém das expectativas criadas. Muitas das reformas propostas têm sido insuficientemente elaboradas, outras foram abandonadas sem terem tido sequer um começo de execução.

Não pode haver, contudo, dúvidas sobre a necessidade de manter um impulso reformador no campo da política. Por várias razões.

A primeira razão deriva da ameaça que a corrupção, ou mesmo a sua suspeita, sempre representa para as democracias. Diversos países da Europa enfrentaram, num passado recente, ou enfrentam, actualmente, essa problemática complexa.

A democracia é o regime da transparência, da liberdade de expressão e de opinião, do controlo do poder pelos cidadãos. Ao contrário dos regimes ditatoriais, não deve temer a divulgação de casos reais de abuso ou corrupção. Mas também – e há que ter a coragem de o dizer – surgem muitas vezes suspeitas, calúnias e acusações infundadas. Como é óbvio, não são situações equivalentes. Em qualquer caso, importa estarmos atentos aos exemplos dos nossos parceiros europeus. Mais vale prevenir que remediar !

A segunda razão decorre da persistência de um centralismo pesado e lento do Estado. É evidente aos olhos de todos a existência de uma forte insatisfação das pessoas com a centralização administrativa. Quem conhece o país sabe que a centralização tem provocado um mal-estar crescente, o qual em certas regiões se está a tornar mais agudo e ameaça tornar-se endémico. São de facto precisas medidas concretas para, sem aumento da despesa pública, promover a descentralização e implementar a desconcentração administrativas.

A terceira razão para a urgência de um maior impulso reformista resulta da necessidade de inverter uma tendência para o laxismo e a cultura de impunidade que atravessa a sociedade portuguesa e cujos sinais são quotidianamente visíveis. Sem uma cultura de exigência e de responsabilidade, os cidadãos vêem-se apenas como portadores de direitos e não também de deveres. Ora, se não há cidadania plena sem direitos, não há cidadania completa sem deveres.
Nestas questões, que sumariamente mencionei, joga-se, em boa parte, a modernização da nossa democracia, da sociedade e do país.

Minhas Senhoras,
Meus Senhores,

Há quem, aceitando embora a necessidade eventual de reformas políticas, não concorde com a sua urgência. Para estes, o sistema político vai funcionando e qualquer reforma correria o risco de o perturbar, agravando ainda mais o que quer corrigir.

Quanto a mim, esta atitude é desprovida de fundamento. Traduz, de algum modo, uma falta de ambição e de confiança em nós próprios, que é de mau augúrio para os tempos exigentes que atravessamos. Temos de ter a coragem de realizar as reformas que se impõem. Se não conseguirmos realizá-las à primeira tentativa, conseguiremos à segunda. Não podemos é desistir. Será insensato esperar que terceiros – nossos parceiros mas também nossos concorrentes na Europa – resolvam por nós os nossos problemas.

É, pois, indispensável empreender uma verdadeiro processo reformador da política. Os adiamentos sucessivos contribuem para criar um sentimento de país adiado. A proliferação de propostas reformadoras, seguidas do seu esquecimento, cria a convicção que o sistema político é incapaz de se auto-regenerar.

Nunca deveremos esquecer que as instituições políticas estão sob escrutínio da opinião pública, que é, naturalmente, severa, tanto para aquilo que considera ser corrupção, como para com o que julga ser irresponsabilidade. E a sanção é sempre a mesma: afastamento dos cidadãos e descrédito das instituições políticas. Alguns sinais existentes não são, nesta matéria, tranquilizadores. Para além disso, sem impulso reformador do sistema político aumentamos o risco de não conseguirmos solucionar os problemas políticos de forma negociada, pacífica e evolutiva.

Recuperemos, pois, os grandes objectivos de uma reforma do sistema político, que passam pela actualização do recenseamento eleitoral, pelo aumento da proximidade entre os eleitos e os eleitores, pela renovação do pessoal político, pela abertura do sistema às novas gerações, às novas causas e instituições da sociedade civil, pela transparência do financiamento e fiscalização efectiva do sistema, pela clareza das alternativas apresentadas pelos partidos, por uma cultura de avaliação, de prestação de contas e de responsabilização da acção política.

É aos partidos políticos que compete, em primeiro lugar, empreenderem a reforma, pois é a eles que a Constituição da República atribui o papel de dinamizadores do regime. É deles que legitimamente o eleitorado espera que encabecem a auto-regeneração do sistema. Têm muito a fazer a este respeito.

Minhas Senhoras,
Meus Senhores,

Alguns dos problemas actuais que enfrentamos, cuja identificação quis partilhar convosco, impõem que saibamos mobilizar, como parte da solução, todas as instituições que fazem a nossa República moderna.

Esse é o caso da instituição autonómica. É certo que a autonomia, como qualquer organismo politicamente vivo, coloca todos os dias novos desafios. Mas é igualmente certo que possui os meios de assegurar a solução dos problemas que vão surgindo. Até agora, tem permitido responder com fórmulas novas às exigências do desenvolvimento, da modernização e do aprofundamento da democracia.

Certamente que assim continuará a ser. Depende de nós que assim continue a ser.

Viva a Região Autónoma dos Açores !
Vivam os Açores !
Viva Portugal !