Discurso do Presidente da República na Abertura da Conferência das Regiões Periféricas Marítimas da Europa

Alfândega - Porto
21 de Setembro de 2001


Senhora Ministra do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território
Senhor Comissário Europeu
Senhor Presidente da Conferência das Regiões Periféricas Marítimas da Europa
Senhor Secretário Geral da Conferência
Senhores Presidentes das Regiões
Minhas Senhoras e meus Senhores


Foi com grande prazer que aceitei o convite que me foi endereçado para me associar aos trabalhos da XXIX Assembleia Geral da Conferência das Regiões Periféricas Marítimas da Europa, a cujos participantes dirijo as minhas calorosas saudações.

Prazer, antes de mais, porque tenho acompanhado as vossas reflexões, debates e propostas. Conheço a importância dos trabalhos que têm realizado no domínio da cooperação interregional, da formulação de políticas de desenvolvimento das regiões periféricas europeias e no âmbito da reforma do modelo de governação europeia, cuja discussão está actualmente em curso.

Mas prazer também por poder partilhar alguns pontos de vista sobre os problemas que aqui serão debatidos com representantes das regiões e o Comissário Europeu, isto é com um grupo de pessoas com importantes papéis a desempenhar na configuração do futuro colectivo dos cidadãos europeus.

O tema da Coesão e da Governação, que este ano está no centro dos vossos debates, não só reveste uma oportunidade inegável, numa altura em que a construção europeia se encontra numa fase decisiva de transição, como é da maior importância no âmbito do debate alargado sobre o futuro da Europa.

Esta Conferência das Regiões Periféricas Marítimas da Europa sempre soube incluir na sua agenda os problemas e desafios que, em cada momento, se levantam no domínio da política regional europeia. Para esta, tem a CRPM firmemente reivindicado a sua afiliação ao princípio da solidariedade e da coesão bem como uma participação acrescida das instâncias locais e regionais, no âmbito da sua elaboração e execução.

Pouco mais de um ano volvido do Seminário realizado durante a Presidência Portuguesa da União Europeia, sobre a "Participação dos Escalões Infra-estatais na Governação Europeia", em que tive o prazer de abordar convosco questões ligadas às dificuldades e desafios da governação em democracia, a União Europeia encerrou um ciclo e virou uma página da sua história.

Com a conclusão do Tratado de Nice e a fixação para 2004 da data das primeiras adesões de novos Estados membros, concomitante a uma nova Conferência Intergovernamental de que deverá resultar uma União Política reforçada, a União Europeia encontra-se num momento de transição, marcado pela procura de uma visão que a oriente e de uma estratégia condutora.

Sobre esta fase de indefinição que a Europa atravessa, que nem o recente arrefecimento da economia, nem a mutação menos recente a que estão sujeitos os nossos Estados-nação, ainda de sinal pouco claro, ajudam a superar, já muito tem sido dito; sobre o que a Europa do futuro será, também já dispomos de algumas propostas e reconfigurações, nem todas convergentes. No entanto, nesta altura, mais do que plebiscitar um modelo acabado, importa estimular um amplo debate sobre a Europa, promover a formação de uma opinião pública europeia sólida e motivada, reforçar também os consensos nacionais em torno do projecto europeu.

É minha convicção que às instâncias locais e regionais cabe um papel fundamental na promoção deste amplo debate de sociedade que pretendemos realizar. Desde logo, porque, perante a heterogeneidade das instituições europeias, em que os cidadãos se reconhecem pouco, as instâncias locais e regionais beneficiam de um capital acrescido de autenticidade democrática. Depois, porque são o espaço privilegiado de desenvolvimento de novas identidades e de novas solidariedades, a que a integração europeia imprime valor suplementar.

Nesta lógica de rede, que me parece ser um corolário feliz da mundialização, aos governos caberá impulsionar o debate, acompanhar a sua evolução e formular posições nacionais, em articulação com os demais órgãos de soberania, ouvido o parecer de outros actores públicos ou privados, representantes da sociedade civil.

O modelo de governação europeia, embora aperfeiçoado à medida que o processo de integração se foi desenvolvendo, tem, no entanto, mantido inalterada a sua arquitectura institucional de base, assente no princípio da subsidiariedade e na repartição tripartida de competências pela Comissão, o Conselho e o Parlamento.

Num cenário a longo prazo, numa Europa com o dobro do número dos seus actuais Estados membros e acrescida de cerca de um terço em extensão e em número de cidadãos, numa Europa em que crescerão as desigualdades e as disparidades regionais, em que aumentará a diversidade cultural e de mentalidades será necessário, por um lado, continuar a privilegiar o recurso ao método comunitário para garantir o primado do interesse geral, que a Comissão representa, sem o qual a União como projecto colectivo se esvaziaria facilmente; por outro, será igualmente necessário preservar a legitimidade democrática das decisões da União, tomadas pelo Conselho e pelo Parlamento, órgãos detentores do poder legislativo, sem a qual a União seria mera criação de direito e perderia substância política.

Um alargamento com esta envergadura constitui um desafio sem precedentes, havendo que reforçar também os fundamentos do projecto europeu, a saber o princípio da igualdade entre os Estados e os princípios da coesão e da solidariedade.

A criação de uma Segunda Câmara em que os Estados estejam representados paritariamente poderia assim restaurar o primeiro princípio, ameaçado pelo peso excessivo do factor demográfico em que radica quer a ponderação de vozes no Conselho quer a distribuição dos assentos no Parlamento .

Quanto aos princípios da solidariedade e da coesão, a que se poderia associar o da coerência, basta socorrermo-nos da história da integração europeia para constatar que estão na base da criação gradual das políticas comunitárias. Em cada etapa do seu desenvolvimento a Europa foi animada por uma preocupação de solidariedade. Por exemplo, a criação da PAC nos anos sessenta foi a expressão de uma solidariedade entre os meios rural e citadino. Vinte anos mais tarde o desenvolvimento dos fundos estruturais selou a solidariedade e a interdependência entre as regiões europeias, desigualmente desenvolvidas. O Acto Único consagra o reforço da política regional, transformando-a numa política de coesão dotada de meios importantes. O Tratado de Maastricht vai mais longe, introduzindo um fundo de coesão.

Acresce que a própria dimensão social do modelo europeu resulta deste propósito de solidariedade que compensa o princípio da concorrência e da competitividade assegurada pela abertura dos mercados.

No âmbito da União Europeia, a coesão é um objectivo, a solidariedade uma premissa e a interdependência entre Estados e regiões um facto. O que distinguirá a Europa alargada de uma simples zona de comércio livre será fundamentalmente a preservação dos mecanismos que asseguram a solidariedade, garantem a coesão e introduzem coerência na acção. Por outras palavras, com o alargamento, as políticas regionais tornar-se-ão ainda mais prementes. A meu ver, reclamar a renacionalização das políticas regionais é desconhecer a essência do processo de integração europeia e só poderá contribuir para a sua desagregação.

Como já sublinhei, o alargamento trará também, como sempre sucedeu, um aumento da diversidade. Ora, só uma aplicação do princípio de coerência na acção permite estruturar e organizar esta diversidade, transformando-a em diferenciação. É minha convicção que, numa Europa alargada, se imporá um recurso acrescido quer às cooperações reforçadas quer ao método de coordenação aberto como forma precisamente de assegurar a diferenciação, permitindo, neste caso, que alguns dos seus membros aprofundem a cooperação ou avancem mais rapidamente na integração. Tudo isto no estrito respeito pelo acervo e pelos interesses dos não participantes e sem pôr em causa os princípios de igualdade, da solidariedade e da coesão entre os Estados.

Estou seguro de que, unidos, os europeus saberão vencer os desafios do alargamento e construir uma União política aprofundada, única resposta apropriada às realidades do mundo globalizado em que vivemos.

Termino, reiterando a minha convicção sincera de que os vossos debates e propostas são essenciais para o reforço da solidariedade e da coesão económica, social e territorial de uma Europa alargada mais próxima dos cidadãos, na qual acreditamos e para a qual estamos todos a trabalhar afincadamente.