Discurso do Presidente da República por ocasião do 91º Aniversário do 5 de Outubro

Lisboa
05 de Outubro de 2001


Excelências,
Minhas Senhoras e meus Senhores,

A Câmara Municipal de Lisboa, com apego e determinação, tem procurado sempre salvaguardar e manter viva a Comemoração Nacional do 5 de Outubro. Desse modo honra a sua História de primeira Câmara Republicana do País, eleita em 1908. Reconheço o esforço que aqui se tem feito para, mantendo o espírito, ensaiar novas formas que melhor se coadunem com os nossos tempos. Sei bem quão difícil é essa tarefa, já que as formas comemorativas tendem inexoravelmente a banalizar-se e a deixar, assim, de cumprir a sua função de homenagem e de pedagogia cívica. O Presidente da República está-lhe reconhecido por isso, porque este é um inestimável serviço que toda esta Câmara presta ao país. E, nesse sentido, quero felicitá-lo Senhor Presidente.

Penso, aliás, que esta comemoração é hoje mais importante do que nunca. Temos de reconhecer que a complexidade das sociedades contemporâneas e a multiplicidade dos desafios que se lhes colocam, obriga a uma reflexão constante sobre os valores republicanos e a uma pedagogia permanente sobre a ética do serviço público.

Comemore-se, pois, a Implantação da República com renovado vigor. Homenageando o passado, tirando dele, sem complexos, as lições da sua herança quer nos seus aspectos positivos, quer nos seus aspectos negativos, porque em todos os tempos, em todos os regimes, os dois sempre existem. Comemore-se a República olhando para o presente e procurando perspectivar o futuro.

A Revolução do 5 de Outubro executou-se com relativa facilidade. A consolidação do regime foi, todavia, difícil, e a sua instabilidade acabou por minar os fundamentos democráticos e republicanos que proclamou.

Para esta instabilidade concorreram, sem dúvida, a hegemonia partidária e a incapacidade de compromisso político que, com a excepção do período da Grande Guerra, caracterizaram, em larga medida, a vida da Primeira República. Ausência de compromisso verificar-se-ia também no Estado Novo. Mas aqui, a exclusão fazia parte da natureza do regime autoritário. A ditadura é que definia os limites da oposição, que combatia através da repressão.

Em tais sistemas, a capacidade de construção de consensos políticos que traduzissem grandes compromissos estratégicos para a governação a longo prazo do país não existia.

Só a Liberdade e a Constituição de 1976, que a consagrou, permitindo a consolidação de um regime verdadeiramente democrático, tornaram possível a construção de pactos de regime inter-partidários que, em áreas específicas, davam corpo a um entendimento do interesse nacional que perdurava para além da natural sucessão dos governos.

Para Portugal, que conseguiu com sucesso fazer face – e num período historicamente tão reduzido - a tantos desafios, a capacidade de diálogo político e institucional, assim como a possibilidade de construção de compromissos políticos, constituíram um instrumento decisivo para consolidar a democracia e modernizar o país.

O Portugal do pós 25 de Abril beneficiou, indiscutivelmente, dos consensos inter-partidários estabelecidos em matéria de política externa em geral e europeia em particular, bem como em todas as matérias respeitantes às política de defesa e de segurança e à participação em alianças militares, assim como relativamente a um conjunto amplo de Leis que estruturaram o regime democrático.

Naturalmente, não é bom desejar que essa capacidade de compromisso inter-partidário se alargue às áreas em que as diferentes ideologias e programas políticos dos partidos tendem a ser conflituais. Esse apelo é até indesejável, porque dificulta a capacidade de escolha do eleitorado na necessária construção da alternância política. A percepção dos eleitores de que os partidos não são todos iguais nas políticas que defendem é essencial à democracia. A conflitualidade política é útil desde que contida no quadro das regras comummente aceites do jogo democrático.

Mas, nas áreas da política europeia, da política externa e da Defesa, a necessidade de consensos mantém-se e reforça-se mesmo face às novas necessidades resultantes do alargamento e do aprofundamento da União Europeia e da nova situação internacional. As reformas do sistema político e da Justiça são áreas onde esses grandes compromissos são igualmente necessários.

Este é um caminho que nem sempre será fácil de trilhar. Que exige uma capacidade de diálogo e de discrição permanentes de todos os interlocutores. Que sugere que essas grandes questões tenham momentos próprios de debate e que deles se saibam afastar as tensões naturais da conflitualidade política do dia a dia. Este é um caminho que, como todos, terá os seus sobressaltos, e, até, momentos de recuo. Quando isso acontecer, a prioridade não deve ser a de assacar responsabilidades a este ou aquele partido.

A prioridade é incentivar a construção dos consensos. Com naturalidade, ainda que sem perder nunca de vista o sentido de urgência que alguns possam ter.

Numa conjuntura de crise internacional, como a actual, o apelo deve ser, aliás, mais vasto. Julgo que os partidos estão interpelados por essa conjuntura a procurar um conjunto de consensos que dêem resposta aos reflexos que ela tem em Portugal.

Entendo que esse deve ser sempre o papel do Presidente da República. Um trabalho paciente e discreto. Sereno, mas constante. Moderador, mas firme na defesa dos interesses permanentes de Portugal.

Viva a República !
Viva Portugal !