Discurso do Presidente da República por ocasião da Conferência Internacional sobre o Alargamento e o Futuro da União Europeia

Porto
09 de Outubro de 2001


Senhora Ministra do Planeamento
Senhora Secretária de Estado dos Assuntos Europeus
Senhor Secretário de Estado Adjunto
Exma Representante da Câmara Municipal do Porto
Senhor Governador Civil
Senhora Vice-Presidente da Comissão de Coordenação da Região Norte
Senhor Coordenador do Observatório do Quadro de Apoio Comunitário
Senhores Embaixadores
Minhas Senhoras e meus Senhores

Foi com grande prazer que aceitei o convite que Vossa Excelência, Senhora Ministra, amavelmente me dirigiu para abrir este ciclo de Conferências Internacionais sobre o “Alargamento e o futuro da União Europeia”, a cujos participantes dirijo as minhas cordiais saudações.

Entendo que esta Conferência incide sobre uma temática de grande pertinência. De facto, o debate sobre o alargamento e o aprofundamento da União Europeia não podia ser mais oportuno dado que estamos a atravessar um período crucial para a definição das grandes linhas políticas que irão determinar o futuro da Europa e de cada um dos seus membros.

Quando aceitei este convite, não poderia, contudo, imaginar que me caberia falar-vos numa conjuntura internacional tão alterada pelas repercussões dos acontecimentos de 11 de Setembro. Permitam-me, pois, que teça algumas breves considerações sobre o actual momento internacional, antes de entrar na matéria que aqui me traz.

Os atentados terroristas de 11 de Setembro em Nova Iorque e em Washington, ao marcarem uma viragem histórica na vida da comunidade internacional, revestem um duplo significado de sinal e alerta. Sinal de que a emergência de formas transversais de criminalidade e de poderosas associações criminosas que prosseguem fins políticos através do recurso a meios de violência cega, representa uma ameaça global de um tipo novo, exigindo meios globais, também novos, de combate. Alerta para a necessidade de desenvolver uma política de cooperação internacional que promova o respeito pelos direitos humanos, a paz, a solução duradoura dos conflitos e das tensões regionais que persistem em várias zonas do globo desde há décadas, e que atente na correcção dos desequilíbrios e disparidades crescentes, em defesa dos valores da liberdade, da equidade e da tolerância.

Considero que a pronta reacção da comunidade internacional, a condenação unânime dos atentados de 11 de Setembro, as manifestações de solidariedade para com o povo americano e a intensa cooperação internacional que imediatamente se desencadeou atestam a nossa inabalável vontade em erradicar o terrorismo. Estou seguro de que, unidos, com persistência e determinação, lograremos este objectivo.

Ao nível europeu, os acontecimentos de 11 de Setembro não só enlutaram numerosos cidadãos de muitos dos nossos Estados, entre os quais Portugal, como feriram as nossas convicções mais arreigadas, atentando contra os fundamentos, que são os nossos, de uma sociedade aberta, livre e democrática e que constituem também os alicerces do projecto de integração europeia.

Para nós europeus, os acontecimentos de 11 de Setembro revestem igualmente valor de símbolo da necessidade de uma Europa alargada e aprofundada, mais forte, coesa e unida, de uma Europa que seja, cada vez mais, um espaço comum de liberdade e segurança, dotada de uma maior capacidade para se afirmar na cena internacional, contribuindo para o reforço do desenvolvimento, da estabilidade e da paz no Mundo.

Falam por si, mas constituem ilustração paradigmática da valência positiva da integração europeia, a prontidão com que a União acordou numa estratégia comum de reforço da cooperação policial e judiciária, aliás na continuidade das decisões tomadas no Conselho de Tampere, bem como a sua determinação em apoiar o desenvolvimento de instrumentos jurídicos internacionais de luta contra o terrorismo. Fala igualmente por si, a reflexão em curso sobre a necessidade de desenvolver a Política Externa e de Segurança Comum e de tornar rapidamente operacional a Política Europeia de Segurança e Defesa como forma de prevenir os conflitos e reforçar a paz, a que não hesitaram em se associar os países candidatos.

Este conjunto de iniciativas, para além de traduzir a necessidade de dar uma resposta cabal e urgente à ameaça terrorista na sequência dos atentados de 11 de Setembro, inscreve-se também na lógica de aprofundamento da União Europeia, na via da consolidação de uma política comum no domínio da justiça e dos assuntos internos, ultrapassando as resistências nacionais que até agora tinham dificultado o seu desenvolvimento a Quinze. É uma extensão, inesperada mas com resultados tangíveis de imediato, da já de si sobrecarregada agenda europeia.

Com a assinatura do Tratado de Nice e a fixação para 2004 da data das primeiras adesões de novos Estados membros, concomitante à preparação a uma nova Conferência Intergovernamental que deverá conduzir uma União Política reforçada, a Europa tem perante si um repto sem precedentes, em que joga o seu futuro.

A unificação do conjunto das democracias europeias faz parte integrante do desígnio político da União Europeia. Portugal, sempre foi e continua a ser um firme apoiante convicto das aspirações das democracias europeias candidatas à integração na União. E fazêmo-lo, primeiro, por convicção, porque acreditamos numa Europa unida, livre de linhas divisórias e aberta, num projecto político, assente na consolidação da democracia, do Estado de Direito e da economia de mercado e numa comunidade de valores. Fazêmo-lo depois, por coerência, porque reconhecemos, por experiência própria, a importância decisiva que a nossa própria adesão às então Comunidades Europeias teve para a consolidação da democracia política, para o desenvolvimento da economia, para o estreitamento do relacionamento bilateral com os nossos parceiros europeus e, em geral, para o reforço da nossa projecção internacional.

O alargamento é um dever, uma necessidade e uma oportunidade para a União. Dever de solidariedade para com as novas democracias. Oportunidade de desenvolvimento, segurança, paz e estabilidade no continente europeu. Necessidade resultante do processo de mundialização em curso, em que só uma União alargada se poderá impor como interlocutor válido, capaz de fazer valer os seus interesses e valores.

O próximo alargamento constitui um real desafio à nossa capacidade democrática, à nossa visão política, ao nosso sentido da história. E isto não só pelas suas dimensões, como pelo facto de ocorrer num momento em que a construção europeia soma já mais de meio século de história, o que traz naturalmente dificuldades acrescidas, quer em termos de assimilação do acervo por parte dos futuros membros, quer em termos da reforma necessária do modelo institucional da União, que à partida foi, como todos sabemos, concebido para funcionar com meia dúzia de Estados. Será um processo difícil, que exigirá ajustamentos e mudanças, mas é uma oportunidade histórica, decisiva para o futuro da União.

Por conseguinte, para além do alargamento, haverá que levar a cabo o aprofundamento da União. A certeza de que o mundo do século XXI em pouco se assemelha aos tempos da bipolarização do sistema internacional que marcou a segunda metade do século XX e, por outro lado, o sucesso da história da integração europeia, levam-nos a aspirar a mais e melhor Europa. O aprofundamento da União exigirá, também ele, adaptações, uma partilha de competências renovada, garantias suplementares da legitimidade democrática das decisões comunitárias, uma maior responsabilização política da União, fiel à sua vocação de projecto federador.

Neste processo de refundação da Europa, há um conjunto de princípios que, a meu ver, é essencial respeitar.

Em primeiro lugar, a Europa é e deve continuar a ser uma associação de Estados soberanos, fundada no princípio da igualdade entre os seus membros. Na perspectiva de uma Europa alargada, há que assegurar o respeito deste princípio através de um reequilíbrio institucional por forma a corrigir o peso excessivo do factor demográfico que serve de base à ponderação de vozes no Conselho e à distribuição dos assentos parlamentares. Estou em crer que, para consolidar este princípio, a criação de um órgão onde os Estados estejam representados paritariamente, como uma Segunda Câmara, constitui um caminho válido que merece ser explorado. Também uma Comissão forte, cujos membros continuem a ser oriundos de todos os Estados representados na União, será uma caução suplementar do princípio da igualdade dos Estados.

Em segundo lugar, a Europa é e deve continuar a ser uma entidade política inédita, uma Comunidade de Direito e de direitos, norteada pela articulação entre o interesse geral e os interesses particulares. Na perspectiva de uma Europa alargada, será necessário continuar a privilegiar o recurso ao método comunitário, sob pena de se assistir à desagregação da União como projecto colectivo. Queremos mais políticas europeias, um exercício conjunto de competências acrescidas, mais responsabilidades partilhadas a nível europeu, em aplicação de um princípio de subsidiariedade que deverá ser repensado a partir da necessidade de respeitar a diversidade cultural crescente do espaço europeu. É, por outro lado, minha convicção que, numa Europa alargada, se imporá um maior recurso quer às cooperações reforçadas quer ao método de coordenação aberto, chamados a desempenhar um papel de força motriz da construção europeia, permitindo que alguns dos seus membros aprofundem a cooperação ou avancem mais rapidamente na integração, no estrito respeito pelo acervo e pelos interesses dos não participantes e sem pôr em causa os princípios de igualdade e da solidariedade entre os Estados.

Em terceiro lugar, a Europa é e deve continuar a ser um espaço de solidariedade, de igualdade de oportunidades, de coesão económica e social. Na perspectiva de uma Europa alargada, em que as desigualdades e as disparidades serão maiores, as políticas comunitárias deverão ser, como sempre foram, um factor de coesão e de reforço da solidariedade entre os seus Estados Membros. Por outras palavras, com o alargamento, as políticas regionais tornar-se-ão ainda mais prementes, sob pena de se desvirtuar o próprio carácter do processo de integração europeia, reduzindo-o a uma simples zona de comércio livre e de, ademais, gorar as expectativas dos países candidatos, que deixariam de se reconhecer num tal projecto. A meu ver, a renacionalização das políticas estruturais, que alguns reclamam, não só atenta contra o objectivo da coesão económica e social, obstruindo o processo de convergência real dos Estados Membros, como, ao fazê-lo, conduzirá inexoravelmente à diluição do processo de integração europeia.

Por último, a Europa é e deve continuar a ser um projecto de sociedade em que todos os europeus se reconheçam, inseparável da noção de cidadania e dotada dos instrumentos políticos que lhe permitam desenvolver-se e afirmar-se, desempenhando um papel insubstituível na promoção do desenvolvimento, da estabilidade e da paz, constituindo um vector de humanização do mundo globalizado.

Em quinto lugar, a Europa é e deve continuar a ser um grande projecto de civilização e cultura na multiplicidade e na diversidade da suas manifestações, reassumindo plenamente a sua vocação humanista e a sua tradição universalista.

Como já afirmei, queremos mais e melhor Europa. Só aprofundando o nível de integração já alcançado e reforçando o grau de coesão económica e social entre os Estados da União estaremos em condições de vencer as dificuldades inerentes ao alargamento e à construção de uma União política reforçada. Esta é a única resposta apropriada às realidades do mundo globalizado em que vivemos. Estou seguro de que animados por este ensejo, saberemos ultrapassar as dificuldades e encontrar as soluções apropriadas para vencer este desafio.

Termino, formulando votos para que, com os vossos debates, contribuam para a edificação de uma União Europeia alargada e aprofundada, que gostaria que fosse também, cada vez mais, a Europa dos cidadãos, assente nos ideais humanistas de justiça, solidariedade e paz.