Discurso do Presidente da República por ocasião do banquete oferecido em sua honra pelo Presidente da Federação da Rússia

Moscovo
26 de Outubro de 2001


Senhor Presidente
Minha Senhora
Minhas Senhoras e meus Senhores

Cumpre-me, em primeiro lugar, agradecer-lhe, Senhor Presidente, o convite que em boa hora me dirigiu para efectuar esta visita de Estado à Federação Russa, bem como a calorosa hospitalidade com que temos sido recebidos. Para mim, para a minha mulher e para todos os que nos acompanham, constitui um grande prazer e um raro privilégio encontrarmo-nos hoje aqui, neste local onde se concentram tantas memórias da prodigiosa história do vosso grande país.

Apesar de Portugal estar situado no outro extremo do nosso continente, os portugueses não são imunes ao fascínio exercido pela Rússia — fascínio pela sua cultura, tão pujante e universal, que é como se fosse também nossa, fascínio pela sua atribulada história, que tantas paixões despertou, pela sua grandeza, que impressiona e deslumbra, e, sem dúvida, pelas qualidades raras de coragem, tenacidade, generosidade, inteligência e criatividade do seu povo.

As relações entre os nossos dois países são antigas e mais ricas do que a distância entre eles nos poderia fazer supor. Ao longo da História, Portugal e a Rússia fizeram sentir a sua presença e influência muito para além dos seus respectivos territórios. Por isso, os caminhos dos nossos dois países muitas vezes se cruzaram, no plano cultural, comercial ou diplomático. As nossas relações políticas conheceram altos e baixos, mas o contacto e o interesse mútuo, de Portugal pela Rússia e da Rússia por Portugal, nunca esmoreceu.

Esta visita, Senhor Presidente, constitui uma oportunidade única para dar à nossa amizade um novo impulso e para renovar e aprofundar as nossas relações. Desde logo, no plano económico e comercial: por isso me faço acompanhar por uma importante delegação empresarial, representativa de variados sectores da economia portuguesa, dos mais tradicionais aos mais modernos, que hoje cumpriram um intenso programa de trabalho com os seus colegas russos. Também no plano cultural: irei visitar algumas das vossas Universidades que se dedicam ao ensino da língua e da cultura portuguesa, em Moscovo e em São Petersburgo, e terei amanhã o prazer de inaugurar, no museu Pushkin, uma exposição do pintor português Amadeo de Souza Cardoso. E, claro está, no plano político, onde as nossas posições são convergentes em muitas áreas e podem ainda ser aproximadas, como resultou claro das conversações que hoje tivemos.

Senhor Presidente

Não é possível pensar a Europa sem a Rússia. No início deste novo século, a perspectiva de uma Europa unida abre-se perante nós, não já como uma utopia, mas como um desígnio ao nosso alcance. Face a um mundo crescentemente globalizado, aquilo que une os europeus é hoje mais importante do que aquilo que os separa. Enquanto europeus, une-nos, fundamentalmente, a noção de um destino comum que queremos construir em conjunto, com base em valores partilhados — os valores da liberdade, da tolerância, da democracia, do respeito pelos direitos humanos.

As instituições criadas pelos países ocidentais nos últimos cinquenta anos forjaram uma comunidade baseada nesses valores, que constitui hoje em dia um formidável polo de atracção. Consideramos irrecusável a progressiva integração das democracias da Europa Central e Oriental na União Europeia e na Aliança Atlântica, por dever de solidariedade e por estarmos em crer que serve a causa da paz e da estabilidade.

As fronteiras da Europa têm de permanecer abertas a todos aqueles que fazem seus esses valores. Não podemos determinar o estado final desse processo de alargamento, nem excluir dele, a priori, nenhum país.

Tanto no âmbito da União Europeia como da NATO, estamos a trabalhar em conjunto com a Rússia para fortalecer, aprofundar e tornar progressivamente irreversíveis os nossos laços de cooperação. Demos passos importantes nesse sentido. As nossas relações estão institucionalizadas. Os contactos são regulares. A compreensão e a confiança mútua aumentaram. Importa prosseguir nesse caminho, com toda a determinação. Tal como ficou decidido na cimeira UE-Rússia, no início deste mês, precisamos de dar conteúdo útil ao conceito do espaço económico europeu comum, contribuindo assim, também, para acelerar as negociações de adesão da Rússia à Organização Mundial do Comércio e a sua integração plena na economia mundial.

No plano da segurança, queremos reforçar as ligações entre a Rússia e a NATO e prosseguir, no âmbito da OSCE, organização a que Portugal presidirá no próximo ano, os trabalhos para definir a Plataforma para uma Segurança Cooperativa.

Creio, todavia, que temos avançado demasiado devagar e até, por vezes, com relutância, na nossa cooperação nos domínios da segurança, quer na procura de novas fórmulas de equílibrio estratégico, quer na luta contra o terrorismo e a criminalidade organizada. Temos de imprimir à nossa acção um novo dinamismo e, sobretudo, uma maior confiança, como é próprio das relações entre parceiros e amigos.

Não ignoramos o enorme esforço que é exigido à Rússia para ultrapassar as sequelas de regimes que, ao longo da história, a privaram cruelmente de liberdade.

Trata-se de criar, de raíz, uma democracia política em que o Estado esteja ao serviço da sociedade e não o contrário, em que haja ordem e justiça, sem atentar contra as liberdades e os direitos de cada um, em que a economia se submeta às regras do mercado, mas com transparência e equidade, em que a sociedade civil se possa exprimir e organizar sem constrangimentos.

Portugal teve, também, à sua escala, a experiência dura da autoritarismo. Também nós tivemos uma transição difícil para a democracia pluralista. As lições da adversidade ensinaram-nos a ter confiança nas virtualidades desse sistema político para ultrapassar as situações mais difíceis.

Ao escolher a via democrática, a Rússia fez a boa opção. Cabe agora a Vossa Excelência a histórica tarefa de levar a cabo o vasto programa de reformas que permitam estabilizá-la e desenvolvê-la. Sabemos que Vossa Excelência, Senhor Presidente, está à altura deste desafio e que, com a determinação, coragem e clarividência de que já deu provas, saberá colocar a Rússia no caminho da prosperidade e da paz, consolidando o seu Estado e a sua democracia.

Senhor Presidente

Esta visita ocorre num momento de viragem na vida internacional. Os atentados de 11 de Setembro e as suas consequências colocaram os temas da segurança no topo da agenda internacional. No passado, nem sempre soubemos avaliar com a devida seriedade os avisos reiterados sobre os perigos do terrorismo internacional. Agora, não podemos adiar mais uma resposta decisiva e concertada à ameaças com que somos confrontados, incluindo o recurso a armas químicas e biológicas. Conforta-me saber que Portugal e a Rússia são aliados neste combate.

Para que ele seja eficaz, tem de contar com a colaboração do maior número possível de Estados e partir de uma base firme de legitimidade. Por isso, é importante o respaldo do direito internacional e a autoridade das Nações Unidas.

Quero reiterar, neste momento, a minha admiração pela coragem demonstrada pelo Presidente Putin na sua resposta firme e decidida ao massacre de 11 de Setembro. Tal como a Rússia, Portugal está plenamente solidário com a acção militar dos Estados Unidos e dos seus aliados, no exercício do direito de legítima defesa.

Com os atentados do 11 de Setembro, reforçou-se a consciência de que é necessária uma abordagem concertada, por parte da Comunidade Internacional, a questões que dizem respeito a todos os Estados mas que nenhum pode, isoladamente, resolver. Os desafios da globalização colocam-se em diversos planos e a diversos níveis. A preocupação com a segurança não deve relegar para o segundo plano as questões económicas e sociais na agenda global. Reduzir a pobreza e as desigualdades, preservar o ambiente, atacar as epidemias devastadoras de doenças infecto-contagiosas, incluindo a SIDA, a tuberculose e a malária, são questões urgentes e inadiáveis.

A diplomacia multilateral continua a ser um instrumento indispensável para a governabilidade da vida internacional, seja no campo do controlo dos armamentos e do combate à proliferação de armas de destruição maciça — área na qual a Rússia tem uma palavra decisiva a dizer — seja na problemática do aquecimento global, seja, ainda, no plano da regulação dos movimentos de capital à escala mundial. Respostas globais a estes problemas não serão possíveis sem o contributo e a participação empenhada da Rússia.

Senhor Presidente

Como membro pleno da União Europeia, que constitui o centro da nossa posição internacional, mas também no âmbito da Aliança Atlântica, da OSCE, das Nações Unidas, bem como da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e da Comunidade Ibero-Americana, Portugal procura dar uma contribuição construtiva para a resolução dos problemas que a todos preocupam no início deste novo século.

Temos com a Rússia uma relação amistosa. Trabalhamos juntos pela paz em Angola. Os nossos homens servem lado a lado na Bósnia Herzegovina e em Timor. Cooperamos em inúmeras organizações internacionais. Os homens de negócio russos e portugueses procuram entendimentos. O fluxo de turismo entre os nossos dois países aumenta. Milhares de russos e suas famílias buscam, em Portugal, novas oportunidades de trabalho.

Acolhêmo-los com satisfação e queremos que se continuem a integrar bem na nossa sociedade. No plano cultural, assistimos em Portugal a um renovado interesse pela literatura, música e artes plásticas russas. A juntar aos grandes clássicos, nomes da modernidade como os de Akhmatova, Mandelstam, Shostakovitch ou Malevich são hoje, em Portugal, novas referências da cultura russa.

Queremos estabelecer com a Rússia um diálogo aprofundado e uma cooperação crescente, nos mais variados domínios. É esse o sentido desta visita, a primeira que um Chefe de Estado português efectua à Federação Russa. Espero vivamente que Vossa Excelência e sua mulher me dêem o grande prazer de aceder ao convite que desde já formulo para visitarem também Portugal.

Para terminar, peço-vos, minhas Senhoras e meus Senhores, que me acompanhem num brinde à saúde do Presidente da Federação Russa, Vladimir Vladimirovitch Putin, e à de sua mulher, Liudmila Aleksandrovna; num brinde ao sucesso da Rússia, que desejamos seja à medida das admiráveis qualidades desta grande nação; num brinde, finalmente, à amizade renovada, que esperamos profunda e duradoura, entre os nossos dois países.