Alocução proferida pelo Presidente da República na Universidade Estatal de Relações Internacionais de Moscovo (MGIMO)

Moscovo
27 de Outubro de 2001


Magnífico Reitor,
Senhores Embaixadores
Senhores Professores,
Minhas Senhoras e Senhores,
Caros estudantes,


Foi com o maior prazer que acedi ao honroso convite que me foi formulado para usar da palavra nesta prestigiada Instituição de estudo e ensino das Relações Internacionais, onde para mais existe um Departamento de Estudos Portugueses, que muito tem contribuído para a difusão e a promoção da língua e da cultura Portuguesa.

Desejo saudar, muito particularmente, os estudantes aqui presentes, com os quais tenho o maior prazer em estar e trocar ideias sobre o mundo em que vivemos e os problemas com que nos defrontamos.

No meu país, durante o regime autoritário, as universidades foram, para a minha geração, escolas de democracia. Eu próprio fui dirigente do movimento estudantil de oposição ao regime e guardo, desde essa altura, um gosto vivo pelo debate de ideias.

Nos ardores da revolução dos cravos, que pôs fim ao regime autoritário em 1974, as universidades e as escolas tornaram-se verdadeiras arenas de confronto ideológico, transformando-se em centros de debate político e social. Mas, abriram-se as mentes e soltaram-se as palavras.

O golpe de Estado do 25 de Abril não derrubou só um regime político mas induziu também uma revolução nas mentalidades, marca inequívoca de uma mudança duradoura. Capacidade de análise crítica e gosto pelo intercâmbio de ideias, são valores a que estamos obrigados por necessidade cívica, democrática e pluralista, se quisermos ser cidadãos esclarecidos, atentos ao mundo que nos rodeia e empenhados em contribuir para a resolução dos problemas do nosso tempo. Espero pois que as reflexões que a seguir vou expor possam ser um ponto de partida para uma animada discussão.

É-me dada hoje a possibilidade de abordar convosco algumas das questões que fazem parte da sobrecarregada agenda internacional neste dealbar do século XXI. Deve-se a um trágico acaso que vos venha falar precisamente no rescaldo dos bárbaros atentados terroristas contra os Estados Unidos, ocorridos a 11 de Setembro, num momento de viragem das relações internacionais .Assim, o momento actual empresta a este nosso encontro um significado muito particular, imprimindo-lhe também uma orientação que, confesso, não estava nos meus planos iniciais.

Vamos, por conseguinte, tentar desbravar em conjunto pistas de leitura da actualidade, vamos fazer um exercício de interpretação das mutações em curso e procurar dar-lhes um sentido, na perspectivação dos tempos vindouros.

Primeiro, abordarei, como não podia deixar de ser, o momento actual, não só pela gravidade em si dos ataques terroristas perpetrados a 11 de Setembro, como pelas suas implicações para a ordem geo-estratégica. Quero, depois, alargar a reflexão e deter-me um pouco sobre a nova ordem mundial resultante do fim da guerra fria.

Focarei o caso das Nações Unidas. Alongar-me-ei naturalmente um pouco mais sobre a União Europeia. Expor-vos-ei, por último, a minha concepção do papel da Rússia como parceiro insubstituível da Europa, fazendo um referência particular à Organização de Segurança e Cooperação Europeia. Terei depois, o maior gosto em vos ouvir.

O momento actual

Atravessamos um daqueles momentos de charneira da história da humanidade, em que a ordem mundial se encontra em recomposição. Na verdade, são estes tempos de transição e mudança, de grande exigência, mas também de esperança.

Transição e mudança, porque os ataques terroristas contra os Estados Unidos, ao atentarem de uma forma bárbara, contra os valores do Estado de direito, da democracia e da liberdade, que consideramos basilares das nossas sociedades, nos atingiram a todos e abalaram os fundamentos da ordem internacional.

A pronta reacção de condenação unânime dos atentados de 11 de Setembro por parte da esmagadora maioria da Comunidade Internacional, as manifestações de solidariedade para com o povo americano e a intensa cooperação internacional que imediatamente se desencadeou com vista a lutar contra esta ameaça global de um tipo novo, vieram não só alterar as prioridades da agenda internacional mas também reequacionar as relações geo-estratégicas então prevalecentes.

A meu ver, os atentados terroristas de 11 de Setembro em Nova Iorque revestem um duplo significado de sinal e alerta. Sinal de que a emergência de redes de associações criminosas, que recorrem a meios coercivos de intimidação colectiva, representam uma ameaça global de um tipo novo, exigindo instrumentos globais, também novos, de combate.

Alerta para a necessidade de desenvolver uma política global de prevenção do terrorismo que não se esgota em medidas de segurança, mas que requer, ao invés, uma política de cooperação internacional que promova o respeito pelos direitos humanos, a paz, a solução duradoura dos conflitos e das tensões regionais que persistem em várias zonas do globo desde há décadas, e que atente na correcção dos desequilíbrios e disparidades crescentes, em defesa dos valores da liberdade, da justiça e do pluralismo.

A vontade expressa pela Comunidade Internacional de dar uma resposta cabal e urgente à ameaça terrorista na sequência dos atentados de 11 de Setembro levou à formação de uma extensa “coligação aliada”, solidária com os Estados Unidos na prossecução da repressão do terrorismo. Para além dos interesses estritamente nacionais, das considerações regionais, dos relacionamentos bilaterais mais ou menos próximos ou distantes entre Estados, das famílias políticas, das cores partidárias, das crenças religiosas ou das clivagens de civilização e cultura, triunfou o consenso internacional quanto à necessidade de lançar uma ofensiva global contra as redes organizadas de terroristas que ameaçam a paz e a estabilidade das nossas sociedades.

Vivemos momentos de grande exigência e responsabilidade política, que requerem coragem e determinação quer por parte da sociedade civil quer por parte dos órgãos de soberania do Estado. À sociedade civil, é pedida serenidade. Dos órgãos de soberania, os cidadãos esperam decisões responsáveis e oportunas.

Todos sabemos que a luta contra o terrorismo, em que a Comunidade Internacional está empenhada, se desenvolve em várias frentes e abrange múltiplos domínios. Passa por medidas de carácter policial, como o reforço da segurança pública ou dos controlos fronteiriços, passa igualmente por uma partilha mais intensa de informações entre os serviços de segurança do mundo inteiro. Pressupõe uma cooperação acrescida entre autoridades policiais e judiciárias, engloba uma estratégia concertada de estrangulamento das fontes de financiamento dos grupos terroristas e de outras formas de criminalidade que lhe estão associadas. Mas requer, também, uma intensa cooperação internacional nos diferentes fora multilaterais existentes, - Nações Unidas, Conselho da Europa, Organização de Cooperação e Segurança na Europa e, naturalmente, na União Europeia - com vista ao desenvolvimento de uma estratégia global de luta contra o terrorismo.

Como todos sabemos, esta luta envolve também uma acção armada, actualmente em curso no Afeganistão, levada a cabo pelas forças militares dos Estados Unidos da América e do Reino Unido, mas de que a esmagadora maioria da Comunidade Internacional é solidária.

Esta operação militar não é um fim em si mesmo, nem a vitória militar um objectivo que baste por si, mas tão só uma condição necessária para garantir a segurança colectiva, restaurar o princípio da indivisibilidade da paz e permitir, por último, o desenvolvimento do processo de integração do Afeganistão na sociedade internacional.

Trata-se de uma ofensiva que se inscreve no quadro do exercício do direito natural de legítima defesa, consagrado na Carta das Nações Unidas e reiterado na Resolução n.º 1368 acerca dos actos terroristas contra os EUA, que o Conselho de Segurança prontamente adoptou em 13 de Setembro. Acresce que os Estados do Pacto do Atlântico, como Portugal, perante um caso de agressão como este, estão vinculados pelo princípio de assistência mútua, estando assim, à partida, envolvidos de uma forma particular nesta acção de legítima defesa colectiva, tal como resulta do artigo 5.º do Tratado do Atlântico Norte.

Dizia há pouco que atravessamos tempos de grande exigência e responsabilidade política. Uma parte das dificuldades deve-se à volatilidade da situação presente, ao facto de nos confrontarmos com uma realidade em profunda mutação, marcada por muitas incógnitas e interrogações. Mas, a dificuldade principal radica na necessidade imperiosa de, em cada circunstância, equacionar uma estratégia forjada na urgência e com o estrito respeito pelos princípios que consideramos fundamentais.

Explico-me, recorrendo a dois exemplos: direito da legítima defesa, sim, por gravosa que seja a decisão de exercer tal direito pelo recurso à força; mas no respeito pelo princípio da proporcionalidade, ou seja, a legítima defesa deve limitar-se ao estritamente necessário para evitar que a situação se inverta e a luta travada redunde a favor da causa adversa. Segundo exemplo: luta contra a ameaça terrorista, sim, por pesadas que sejam as medidas a aplicar; mas, sem atropelos aos Direitos do Homem e no respeito pelos princípios do Direito Internacional, que entendemos constituírem a base inalienável das nossas sociedades. São estas fronteiras que teremos de respeitar sob pena de minarmos os fundamentos da legalidade internacional que pacientemente vimos construindo e aperfeiçoando desde a Segunda Guerra Mundial.

A ordem mundial resultante da guerra fria

Como disse também já anteriormente, a ordem internacional atravessa uma fase de recomposição, cujo ritmo se acelerou com os acontecimentos de 11 de Setembro, mas que estava já em curso desde o desabamento dos regimes comunistas da Europa Oriental e o fim da União Soviética. As mudanças no equilíbrio mundial trazem novos perigos mas também são portadoras de novas oportunidades.

A agenda internacional é a este respeito promissora. Perante os inúmeros pontos que dela constam, que correspondem de resto, aos grandes problemas do mundo actual, a União Europeia, tal como de resto a Rússia, detêm responsabilidades particulares, sendo parceiros insubstituíveis da cooperação internacional.

Estou em crer que a sua acção e iniciativas serão decisivas para a aceleração das reformas, há muito anunciadas ou em curso, das grandes organizações internacionais, como a ONU, a NATO ou a OSCE, chamadas a responder aos desafios próprios do nosso tempo.

ONU

Desde o fim da guerra fria que a Comunidade Internacional tem consciência de que os instrumentos de que dispõe – conceitos e princípios de direito internacional bem como instituições e organizações que os materializam, desenvolvem e velam pela sua aplicação – carecem de adaptações e reformas de fundo que os tornem mais adaptados às necessidades do mundo actual e às novas realidades geo-estratégicas.

É o caso da Organização das Nações Unidas que, liberta do antagonismo Leste-Oeste que tolheu a sua capacidade de intervenção em muitas das crises que puseram em causa a paz mundial (penso em Cuba ou no Vietname, por exemplo), tem desenvolvido uma intensa actividade a favor da manutenção da paz, da cooperação económica e social internacional ou ainda da protecção dos Direitos do Homem.

No entanto, apesar destas evoluções positivas no seio das Nações Unidas, a existência de dificuldades persistentes não deve ser escamoteada. É necessário realizar a reforma propalada, mas sempre adiada, desta Organização. É premente imprimir uma dinâmica renovada às iniciativas por ela desenvolvidas, reforçar a sua eficácia e a sua adequação aos problemas do mundo actual.

Permitam-me, a este propósito, que refira o exemplo do sistema de protecção internacional dos Direitos do Homem, que deverá ser reforçado, cabendo às Nações Unidas um papel privilegiado. Penso também em outras matérias, como no desenvolvimento e na integração económica e política, ou ainda, no ambiente, a que as Nações Unidas poderão dar atenção acrescida. Mas penso igualmente nas questões da paz e da segurança, a que o fim da guerra fria imprimiu novos contornos, sem, no entanto, lhes retirar nem actualidade nem importância. São estes domínios em que, no respeito pelos princípios da Carta, as Nações Unidas deverão adaptar a sua actuação por forma a continuarem a inspirar a confiança da Comunidade Internacional e dos cidadãos em geral.

Numa nota positiva, gostaria de mencionar ainda, a este propósito, o caso exemplar da acção das Nações Unidas em Timor-Leste, de contornos inéditos e pioneiros, que é já uma história de sucesso, de que todos nos devemos orgulhar.

No caso de Timor, as Nações Unidas garantiram não só o exercício do direito à auto-determinação dos timorenses, como têm prestado uma assistência inestimável à construção do novel Estado de Timor, cuja proclamação da independência deverá ter lugar no próximo ano. Portugal tem tido, em todo este processo, um papel inestimável, afirmo-o sem modéstia e com orgulho sincero, até porque exigiu da nossa parte uma grande determinação e firmeza, muito empenho e uma pesada contribuição financeira, num esforço, de resto, continuado que é ainda de actualidade, agora ao nível da cooperação na construção do Estado timorense.

União Europeia

O fim da guerra fria e a substituição de um sistema internacional bipolar por um sistema aberto, onde se podem afirmar estruturas de integração regional, representam em si uma evolução promissora da estrutura da Comunidade internacional. A emergência e consolidação de actores regionais que mantenham laços de cooperação estreitos entre si parecem constituir o melhor antídoto para os efeitos negativos da globalização e de um mundo unipolar. É, de resto, a esta luz, que o projecto da União europeia adquire todo o seu significado e sentido último.

O processo de integração europeia é hoje uma história de sucesso e constitui um dos factos mundiais mais notáveis desde a última grande guerra. A União Europeia é um projecto político, com características completamente novas, assente nos princípios da Democracia, do Estado de Direito e da Economia de Mercado, que introduziu um novo dado na ordem mundial. Vale a pena recordar alguns aspectos da sua génese e propósitos.

O projecto europeu nasceu nos escombros da última Guerra Mundial, tinha por objectivo firme assegurar as condições de uma paz duradoura na Europa. Foi, para a conjuntura da época, uma iniciativa de uma enorme ambição e coragem política, reveladora de uma visão extraordinária da história. A ideia pioneira de Jean Monnet e de Robert Schuman era a de que se se integrassem as economias dos Estados europeus - através da criação de uma União Aduaneira e de um Mercado Único ou ainda através do desenvolvimento de políticas sectoriais comuns -, se se introduzissem mecanismos de solidariedade que cimentassem a coesão económica e social entre os Estados por forma a garantir uma convergência real das suas economias, resultaria que esses mesmos Estados participantes seriam forçados a desenvolver uma cooperação de um tipo novo criando um entendimento político, que iria muito para além do relacionamento multilateral clássico. Em suma, a ideia dos pais fundadores da Europa era a de que a integração económica induziria a prazo a integração política. A história deu-lhes razão.

A construção europeia começou com seis Estados, depois passou para nove, dez, em seguida para doze. Abrange presentemente Quinze Estados Membros, mas prepara-se para o alargamento aos países da Europa Central e Oriental. Será um passo histórico para a unificação do conjunto das democracias europeias e para a criação de um espaço de paz e prosperidade. Será também uma oportunidade histórica para a consolidação de um mundo multipolar.

Paralelamente à preparação do alargamento, está em curso o aprofundamento da construção europeia, visível quer na procura de um modelo político mais integrado, quer no reforço de uma Política Externa e de Segurança Comum que, a breve prazo, contará com uma força militar capaz de exercer as chamadas missões de Petersberg, ou seja, capaz de efectuar missões humanitárias, de gestão de crises ou ainda de manutenção e restauração da paz. E isto sem referir o Mercado Único e a União Económica e Monetária que são já uma realidade, devendo a moeda única – o euro – entrar em circulação já a partir do próximo ano.

Nunca será demais frisar o carácter inédito da experiência histórica, sem precedentes, que a criação da moeda única representa, enquanto fermento de unidade e vector de integração, trazendo consigo instituições monetárias comuns, promovendo um quadro de estabilidade macro-económica e, induzindo naturalmente a convergência das economias europeias, na afirmação de um modelo de sociedade especificamente europeu.

Sendo um Mercado Único e uma União Económica e Monetária, tendo instituído também um espaço de cidadania, sem descurar a cooperação no domínio da justiça e dos assuntos internos, estando a reforçar uma Política Externa e de Segurança Comum e, por último, a desenvolver uma Política de Segurança e Defesa, a União Europeia está vocacionada para se tornar num interlocutor incontornável na cena internacional.

Queremos uma Europa forte, que seja não só uma força federadora do continente europeu mas que constitua também um fermento da dinâmica multipolar, afirmando-se como um actor insubstituível da mundialização.

A Rússia, parceiro incontornável da Europa

Na minha óptica de Presidente da República de um país democrático, pluralista e desenvolvido, europeísta por convicção e solidariedade, apostado numa Europa livre de linhas divisórias e aberta, posso afirmar que reputo de oportunidade histórica a aproximação da Rússia à Europa que se tem verificado nos últimos anos, e que a conjuntura actual favorece particularmente.

Oportunidade para a Europa de alargar o seu espaço de cooperação, segurança, estabilidade e paz, oportunidade para a Rússia de consolidar o consenso nacional em torno das suas opções pró-europeias, em prol da construção do Estado de Direito, da consolidação da democracia e da desenvolvimento da Economia de Mercado. Oportunidade, enfim, para ambas, de desenvolver uma parceria estratégica comum e estabelecer relações sólidas e duradouras, na base de uma comunidade de valores partilhados.

A União Europeia conta com uma Rússia estável, firmemente apostada na consolidação da democracia e do vasto plano de reformas em curso, assim como a Federação da Rússia precisa de uma Europa forte, alargada e aprofundada para, em conjunto, constituírem verdadeiros pilares da ordem multipolar, que queremos ver consolidada.

Como já airmei, estou em crer que a agenda internacional é a este respeito promissora. Perante os inúmeros pontos que dela constam, que correspondem de resto, aos grandes problemas do mundo actual, a Federação da Rússia e a União Europeia, são já parceiros estratégicos da cooperação internacional.

No campo comercial, a perspectiva da adesão da Rússia à Organização Mundial do Comércio, que a União Europeia apoia, permitirá uma plena integração da economia russa no sistema económico internacional, contribuindo assim para a aceleração dos fluxos comerciais entre a Europa e a Rússia, a intensificação dos investimentos europeus na Rússia bem como a criação futura de um espaço económico europeu comum, a que aspiramos.

No domínio do ambiente, a ratificação do Protocolo de Quioto pela Rússia virá dar um contributo importante para a protecção internacional do ambiente e a promoção de políticas de crescimento e desenvolvimento que levem em conta a dimensão ecológica. É, a este respeito, pertinente salientar o compromisso assumido pela Rússia e a União Europeia, aquando da Cimeira realizada no princípio deste mês em Bruxelas, no sentido de unirem esforços para que o Protocolo de Quioto possa entrar em vigor rapidamente, se possível durante a próxima sessão da Conferência das Partes na Convenção sobre as Alterações Climáticas, que terá início na próxima segunda-feira em Marraqueche.

Na área difícil do desarmamento, do controlo das exportações das armas convencionais e da prevenção da proliferação de armas de destruição maciça, o papel da Rússia é fundamental, devendo ser intensificadas as consultas e concertações já em curso em diferentes fora multilaterais, especialmente no quadro das relações com a União Europeia. A este propósito, assume particular relevância a Declaração conjunta sobre o reforço do diálogo e a cooperação sobre questões políticas e de segurança, adoptada na última Cimeira União Europeia-Rússia, a qual traduz a vontade inequívoca de ambas as partes em evitar uma nova corrida aos armamentos de toda a espécie.


OSCE

Por último, no âmbito da concretização dos objectivos da Organização de Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), única organização de segurança simultaneamente pan-europeia e transatlântica, vocacionada para ser um actor indispensável no quadro resultante da queda do bloco comunista, a Rússia detém uma grande responsabilidade, desempenhando um papel determinante no relacionamento da OSCE com, por exemplo, os países do Cáucaso e da Ásia Central.

Ora, estando também na OSCE reformas em curso, com vista a dar corpo a um modelo de segurança comum e abrangente adequado à Europa do século XXI, haverá certamente aqui uma oportunidade, a não desperdiçar, de definir novas parcerias, reconfigurar iniciativas e ajustar posições, tanto mais que um dos objectivos prosseguidos reside no estreitamento da colaboração entre as diferentes organizações internacionais.

Nesta linha, Portugal, no âmbito da sua próxima Presidência da OSCE, em 2002, trará para a ordem do dia o conceito de uma Plataforma para uma Segurança Cooperativa que permita multiplicar as sinergias entre organizações e evitar redundâncias e sobreposições de iniciativas. Estou seguro de podermos contar com a Rússia para impulsionar este debate e de que, juntamente com a União Europeia, será um parceiro insubstituível no diálogo e na cooperação que queremos desenvolver, em prol da segurança e da estabilidade no continente euroasiático.

Rumo ao futuro

Como todos infelizmente sabemos, o fim da guerra fria não trouxe consigo uma maior pacificação. Desintegrou-se, na Europa, a Jugoslávia, persiste o conflito armado no Médio Oriente.

Eclodiram novas guerras, reacenderam-se focos de conflito já extintos. As origens dos conflitos são certamente complexas e variadas, mas há um ponto que me parece irrefutável: a probabilidade de eclosão da violência armada é proporcional ao grau de desigualdade económica, de desrespeito pelos direitos humanos, de défice democrático dos regimes políticos e de disfuncionamento do Estado de Direito.

O desafio que é lançado à Comunidade Internacional é, pois, o de contribuir para a promoção do “princípio de uma segurança cooperativa baseada na democracia, no respeito pelos direitos humanos, nas liberdades fundamentais e no primado da lei e da economia de mercado, e na justiça social”, tal como consta aliás da Declaração de Lisboa, acordada na Cimeira da OSCE, em 1996.

Para tal, é essencial que a Comunidade Internacional conte com parceiros empenhados e convictos, unidos em torno desta comunidade de valores. Portugal conheceu um processo de transição do autoritarismo para um regime estável de democracia pluralista. Para os portugueses, a democracia política significou o reencontro com a tradição humanista, o desenvolvimento económico e social, a modernização do país, o regresso à Europa e reabilitação de Portugal como parceiro da Comunidade internacional.

Não foi um processo isento de dificuldades mas, duas décadas e meia depois, esta é a única realidade conhecida das gerações pós-revolução. Estou profundamente confiante em que este é o nosso destino comum.

E estou, de igual forma também seguro, de que os próximos anos deste século trarão consigo uma promissora agenda comum de cooperações acrescidas, de diálogos reforçados e de compromissos novos, que procuraremos traduzir em oportunidades de paz, estabilidade e desenvolvimento em defesa de um mundo mais justo e solidário, que terá inexoravelmente a assinatura indelével da Europa, nossa casa comum.