Declaração sobre a Promulgação da Lei da Programação Militar

Palácio de Belém
05 de Novembro de 2001


A Assembleia da República aprovou, recentemente, a Lei de Programação Militar, que decidi promulgar. A propósito da promulgação dessa lei, têm-se multiplicado declarações públicas em que o Presidente da República é acusado de ter violado a Constituição.
Esta acusação atinge a minha honra e pretende pôr em causa o compromisso solene que tenho com os Portugueses naquilo que há, para mim, de mais sagrado. Trata-se da confiança em que o seu Presidente da República cumpre a Constituição e é o garante imparcial do regular funcionamento das instituições.
Posso garantir aos Portugueses que não pratiquei qualquer inconstitucionalidade. Agi, como sempre, em consciência, de boa fé, e no respeito pela Constituição, que jurei defender.
A Lei de Programação Militar foi regularmente aprovada pela Assembleia da República e regularmente promulgada pelo Presidente da República.

De facto, e tal como o Presidente da Assembleia da República então me garantiu por escrito, existe, de há muito, uma prática parlamentar, criada e aceite por todos os grupos parlamentares, de que, na votação das leis, se nenhum Deputado requerer a contagem dos votos, o que vale é a declaração de aprovação ou não aprovação, proferida pela Mesa. Foi exactamente o que se passou com a aprovação desta Lei; e assim foi, formalmente, comunicado ao Presidente da República.
Tal prática não significava que um só deputado podia votar por todos; significava, apenas, que se dispensava a contagem, um a um, desde que nenhum deputado manifestasse dúvidas sobre a presença do número exigido.
Este procedimento da Assembleia da República corresponde a uma prática parlamentar, comum a muitos Parlamentos de países democráticos, que em nada contraria a Constituição e me parece razoável; como razoável pareceu, durante mais de duas décadas, a todos os grupos parlamentares e a todos os líderes partidários.
Na aprovação da Lei de Programação Militar, nenhum deputado levantou qualquer dúvida quanto à regularidade de tal aprovação.

Já após a divulgação pública de referências quanto à inconstitucionalidade da Lei, e de carta em que tal eventualidade me foi referida, nenhum deputado, de nenhum partido, levantou quaisquer objecções à aprovação final, por unanimidade, da acta em que se registou a presença dos deputados constitucionalmente exigidos e se considerou a lei devidamente aprovada.
Nenhum grupo de deputados requereu ao Tribunal Constitucional que apreciasse, preventivamente, a constitucionalidade da lei.
Por tudo isso, não devem ser invocados outros meios, designadamente imagens televisivas, para pôr em causa uma votação feita no rigoroso cumprimento da prática existente há décadas.
O Presidente da República tem de confiar nos documentos oficiais, legalmente suficientes, que a Assembleia da República lhe apresenta. Essa é, aliás, a jurisprudência do Tribunal Constitucional.
A não ser assim, instaurar-se-ia um clima de desconfiança institucional, intolerável numa democracia, e insustentável para o Presidente da República, no plano das relações entre órgãos de soberania.

Não pode romper-se, sem qualquer aviso prévio, um consenso de décadas; e depois, pretender responsabilizar o Presidente da República por ter confiado em tal consenso.
Portanto, e com base nos factos e circunstâncias enunciados, é minha convicção profunda que esta lei não é inconstitucional.
Com o rompimento do consenso parlamentar até agora existente quanto aos procedimentos legislativos da Assembleia da República, coloca-se um problema sério e novo, que é urgente clarificar.
Para a necessária segurança do processo legislativo, impõe-se que Assembleia da República se pronuncie sobre a prática até agora seguida, mantendo-a ou alterando-a para o futuro.
Considero particularmente lamentável que o rompimento do consenso em torno da forma de aprovar as leis no Parlamento tenha ocorrido a propósito da Lei de Programação Militar. Trata-se, na verdade, de diploma legal indispensável ao reequipamento e modernização das Forças Armadas, objectivo que se reveste de uma importância singular na situação de grave crise internacional que estamos a viver. O interesse nacional aponta, indiscutivelmente, nesse sentido.


Portugueses

A crítica e o controlo recíproco entre os vários órgãos de exercício do poder político são bem-vindos e são indispensáveis à vitalidade do sistema democrático. O que não pode é confundir-se isso com a instauração de um clima de suspeição e conflito artificial entre as instituições.

Com isso, evidentemente, não pactuarei.

Palácio de Belém, 5 de Novembro de 2001