Dia da Madeira

Madeira
01 de Julho de 2001


Excelências,
Honra-me particularmente, minhas Senhoras e meus Senhores, participar nesta cerimónia, comemorando uma data histórica: o início do processo autonómico regional. Permitam-me que vos confesse a emoção que sinto, aqui na sede da representação regional da Madeira, onde se corporiza uma das grandes obras da capacidade de realização institucional da Democracia portuguesa.

Saúdo todos os madeirenses e portosantenses, portugueses que ao longo de meio milénio de história têm enfrentado duras condições de existência, com uma esperança sempre renovada e dando provas de coragem, iniciativa e solidariedade para com a pátria que amamos.

Não esqueço, nesta hora de regozijo, aqueles que destas ilhas rumaram a outras paragens, nas mais diversas partes do Mundo. A muitos tenho encontrado, sobretudo em deslocações tanto ao continente americano como ao africano. Sei que continuam a ter a sua região e Portugal no coração. Tenho constatado como a sua acção é valorizada nos países de destino, cuja nacionalidade muitos adquiriram. Tenho orgulho neles e não duvido que também eles têm orgulho na Região da Madeira e no Portugal modernos. Todos esperamos deles que continuem a desempenhar o papel de primeiros embaixadores nos países onde se integraram.

Não esqueço, entretanto, as preocupações específicas da comunidade portuguesa na África do Sul, a que pertencem tantos madeirenses. Endereço-lhes uma palavra de profunda solidariedade, fazendo votos para que as actuais dificuldades sejam ultrapassadas, de forma a que todos os portugueses que ali vivem e trabalham possam continuar a prestar o seu contributo para a construção de uma sociedade democrática e multirracial na África do Sul.

Quero também saudar os órgãos de governo próprio da região, expressão da vontade das populações da Madeira e Porto Santo. Senhores deputados regionais, no vosso pluralismo, vós formais a casa comum da Região. O Parlamento da Região, constituído, pela primeira vez democraticamente, no dia 17 de Junho de 1976, é, por natureza, vértice da cidadania. Senhores membros do Governo, vós tendes a nobre responsabilidade de dar resposta à confiança dos vossos concidadãos. Os portugueses da Madeira e do Porto Santo confiam na vossa determinação e na vossa inteligência, Senhor Presidente da Assembleia Regional e Senhor Presidente do Governo.

Excelências
Minhas Senhoras e meus Senhores

O percurso da autonomia regional coincide, globalmente, com o da Democracia e do desenvolvimento. Se, por um lado, importa que o reafirmemos hoje, importa também reiterar a vontade de que assim continue a ser.

De facto, foi a Democracia que permitiu retomar um caminho de autonomia regional, sonhado por alguns liberais e republicanos, mas a que o centralismo autoritário do Estado Novo sempre se opôs. Nesse sentido, a data fundadora da autonomia é o 25 de Abril. Compreenderão pois que às saudações anteriores acrescente aqui uma especial saudação ao 25 de Abril. Ele está na génese do regime autonómico.

As criações institucionais encontram o seu sentido último nos valores que prosseguem. O interesse colectivo, que a todos corresponsabiliza, é um valor essencial. A autonomia tem permitiu atacar com armas novas e eficazes os problemas do atraso e do subdesenvolvimento dos territórios insulares, como a Madeira e o Porto Santo.

Isso foi possível porque a Constituição da República consagrou o princípio fundamental da descentralização e acolheu o princípio das autonomias regionais dos Açores e da Madeira. Entendeu-se – e bem – que era fundamental garantir a expressão concreta da solidariedade do País para com regiões que, no passado, foram marginalizadas ou esquecidas. Nesse sentido, a autonomia representa um direito das populações dessas regiões e existe para reforçar a coesão nacional.

Como tenho dito, o que está na Constituição é património de todos, não é apropriável por ninguém em particular.

Assumimos, por inteiro, os vinte e cinco anos de experiência, de evolução e de aprofundamento do regime autonómico. Temos consciência do que terá corrido menos bem, de algumas dificuldades e erros. Mas isso não põe em causa a vontade de continuarmos a percorrer esse caminho positivo de democracia e de solidariedade, que se chama autonomia.

Esse caminho tem também dois planos.

Em primeiro lugar, o plano do aperfeiçoamento da Democracia, da representação plural, da participação dos cidadãos na vida política, do controlo pelos órgãos próprios do normal funcionamento das instituições, dos direitos da Oposição, do prestígio e da autoridade do Estado de Direito.

Estou certo de que tanto a Democracia como a autonomia se podem sempre aperfeiçoar, desenvolver e aprofundar. Nem outro podia ser o entendimento de quem sempre foi partidário da autonomia e a considerou parte do nosso sistema democrático. O processo de aprofundamento terá de basear-se num debate continuado e consistente, através de um diálogo entre todas as forças políticas, nomeadamente entre forças políticas do Governo e da Oposição, instituições e entidades nacionais e regionais.

Neste sentido, defendi a vantagem do retomar da actividade por parte do Grupo de Ligação, que sei ter acontecido já, e cujos resultados acompanharei com atenção.

A autonomia regional tem sido justamente considerada como uma das inovações de maior êxito introduzidas na estrutura do Estado português. Concordo, porém, que não há que adoptar sobre este tema uma perspectiva imobilista que recuse liminarmente alterações susceptíveis de contribuir para uma melhor articulação e funcionamento do sistema.

Neste ponto, permitam-me que saúde também o papel que o Senhor Ministro da República tem sabido desempenhar, no quadro aliás de uma cooperação institucional serena, pedagógica e que tem sido um factor de estabilização do funcionamento da autonomia.

O segundo plano deste caminho que devemos prosseguir é o do reforço das capacidades de desenvolvimento da região, no qual se compreende o conjunto de meios para que a região desempenhe um papel cada vez mais activo na competitividade internacional do País.

Este plano, de solidariedade nacional, é igualmente decisivo. A unidade do Estado, tendo em conta a diversidade geográfica, histórica e cultural que nos caracteriza, exige a consequente e permanente concretização das medidas destinadas a corrigir as assimetrias daí resultantes. Alicerçado numa alta exigência e apurado realismo – porque os recursos disponíveis são e sempre serão escassos – este esforço deve continuar.

Mas, independentemente de todas as eventuais fórmulas aperfeiçoadoras dos textos e das práticas, as quase inevitáveis tensões dialécticas entre a unidade do Estado e a autonomia, entre a República e as Regiões, entre os órgãos do Estado e os órgãos de governo próprio, só poderão ser harmoniosamente geridas desde que o respectivo sistema se revele justo e funcional e aqueles que, em cada momento, são seus intérpretes revelem o elevado sentido de responsabilidade pessoal e institucional que esta complexa matéria sempre lhes exige.

A autonomia que hoje celebramos é, e não pode deixar de continuar a ser, uma autonomia de cooperação. Impõe deveres nos dois sentidos: do país para com as regiões autónomas e das regiões autónomas para com o todo nacional.

Excelências
Minhas Senhoras e meus Senhores

Como Presidente da República, como representante de toda a comunidade nacional e como garante da unidade do Estado, nesta casa, sede da representação regional, e perante os orgãos de governo próprio, gostaria de reafirmar que a unidade e a autonomia não comportam conteúdos que se possam contradizer.

Defendi esta posição fundamental em diversas oportunidades e circunstâncias. Unidade e autonomia completam-se, como desde logo resulta do facto de ambos os princípios integrarem o elenco dos limites materiais de revisão constitucional.

Como Presidente da República e garante da unidade do Estado e dos direitos autonómicos tenho-me esforçado para valorizar a autonomia, esclarecendo possíveis equívocos e dirimindo conflitos. É o que continuarei a fazer.

De facto, a autonomia politico-administrativa das regiões dos Açores e da Madeira, envolve, dada a complexidade das questões que se vão continuamente suscitando, uma permanente interacção entre as Regiões e a República.

Ao Presidente da República, como garante da unidade nacional, compete um acompanhamento dessa dialéctica. É o que tenho feito e continuarei a fazer.

Penso que a autonomia deve significar mais democracia, maior reconhecimento dos direitos de todos, mais solidariedade e maior coesão nacional – uma coesão nacional efectiva, assumida por todos como partilha de direitos e de deveres, como participação na construção de um futuro melhor para os nossos filhos, nasçam onde nascerem.

É esse o apelo que vos faço, é essa a responsabilidade que continuarei a assumir.

Minhas Senhoras e meus Senhores

Procederei seguidamente, no Salão Nobre desta Assembleia da Região da Madeira, à imposição de insígnias das ordens honoríficas nacionais a um conjunto de personalidades de diversas áreas de actividade – cultural, económica, política, social e desportiva madeirense.

Quero desta forma assinalar também o significado do momento que hoje evocamos.

Neste dia, celebramos também o achamento destas ilhas, um facto histórico que se integra no deslocamento de fronteiras a que os nossos antepassados de Quinhentos deram um impulso fundamental.
É justo que preste homenagem a esta terra de uma beleza rara e inesquecível, uma terra hospitaleira, de acolhimento generoso, uma terra de gente trabalhadora e de grandes nomes da vida e da cultura nacional.

Vivam a Madeira e Porto Santo
Vivam a Região Autónoma
Viva Portugal