Discurso do Presidente da República por ocasião da Inauguração do Hospital Cuf Descobertas

Lisboa
06 de Novembro de 2001


Quero começar por vos felicitar, pelo início do funcionamento deste Hospital, cuja qualidade é bem visível.

Compreendo que não terá sido fácil levar a cabo este empreendimento e que o investimento na hospitalização privada apresente riscos importantes. Desde logo - e por aqui começo quatro breves reflexões - porque nem sempre houve um discurso político clarificador dos papéis atribuídos aos sectores público e privado.

Devemos procurar ser claros na elaboração dos programas políticos que são apresentados aos Portugueses e coerentes na sua aplicação. Se são compreensíveis alterações que surgem por força de contextos de elevada complexidade e mutação, é necessário que a formulação de políticas decorra de um pensamento amadurecido, estratégico, sem escusados sobressaltos.

Temos na Saúde condições para que se estabeleça uma doutrina e uma prática, que clarifiquem o espaço de cada um e que seja, para todos, mais responsável e mais exigente e decorra num ambiente de maior confiança.

O Estado pode ter - e esta é a minha segunda reflexão - um diferente papel na prestação; porém, as suas funções reguladoras devem ser clarificadas e simplificada a sua intervenção. Ou seja, o Estado não pode promover a modernização das entidades prestadoras e permanecer a sua administração directa alheia à complexidade do conhecimento, o mesmo é dizer alheia à capacidade de intervir inteligentemente na negociação.

A terceira reflexão é sobre as prioridades da política de saúde. Disse-o e repito: a política de saúde deve esforçar-se para sair do contexto institucional e profissional que a enreda e limita, para se orientar para os cidadãos e para os ganhos em saúde. E a confiança dos cidadãos ganha-se com resultados concretos: o encurtamento dos tempos de espera para consultas, intervenções cirúrgicas ou exames complementares; a maior disponibilidade do seu médico de família; a consulta com hora previamente marcada; a saúde dentária integrando, de facto, o pacote de cuidados básicos prestados aos cidadãos.

Efectivamente, os problemas centrais do sistema de saúde situam-se, não só na sua própria organização, mas também na sua relação com os cidadãos. Por isso, repito também, que, para além dos mecanismos de acompanhamento já esboçados, intervenção das autarquias pode ser determinante para o êxito de um processo de mudança.

As autarquias possuem, em geral, um conhecimento profundo das realidades locais, uma ligação próxima da comunidade e das suas instituições sociais. As autarquias podem contribuir para soluções de maior efectividade e de maior equidade, numa área social onde são necessárias, cada vez mais, escolhas.

Estou a falar, portanto, das duas maiores preocupações que atravessam as políticas de saúde de todos os países da OCDE: como melhorar, em simultâneo, a eficiência e a equidade do sistema de saúde, que constituem, ambos, imperativos éticos e de cidadania.

Temos excelentes profissionais de saúde, dispomos de bons equipamentos, modernizámos consideravelmente as instalações hospitalares e dos centros de saúde, dispomos de um corpo de investigadores de grande qualidade em diversas áreas, o Estado afecta à saúde um valor crescente do seu orçamento. Dispomos, de facto, das condições necessárias para se alcançarem ainda melhores resultados.

Devemos, portanto, investir na modernização dos processos, da forma como se combinam os recursos, para se alcançarem os resultados pretendidos.

E a minha última reflexão é sobre essa modernização dos processos.

Ela é necessária para a melhoria da equidade e da eficiência - já o dissemos - mas implica, necessariamente, um jogo de compromissos, uma contenção recíproca de interesses, aspirações e direitos.

O que não é legítimo é que a realização da cidadania - porque é disso fundamentalmente que se trata - se desenhe numa única direcção, mesmo que para alguns isso possa implicar a perda de privilégios.

Termino com uma nota de grande optimismo: apesar de todas as dificuldades de percurso, 25 anos de democracia permitiram à generalidade dos Portugueses a obtenção de melhorias significativas em praticamente todos os níveis de saúde.

Todos nós nos devemos sentir mobilizados para que a confiança dos cidadãos, em especial dos doentes no seu sistema de saúde, se reforce e que a resposta dos serviços se aproxime das suas expectativas e das suas efectivas necessidades.